Turismo de quebradas é caminho para valorização das periferias

“É uma oportunidade de conhecer e reconhecer lugares, memórias e as belezas das periferias em seu cotidiano e potência”, diz Milena Manhães Rodrigues, doutoranda pela EACH-USP

 25/08/2023 - Publicado há 11 meses     Atualizado: 30/08/2023 as 19:06
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As periferias são tidas como carentes de espaços de produção cultural ou turística – Foto: Vilar Rodrigo/Wikimedia Commons

 

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A palavra periferia é associada à distância, falta de estrutura, violência, pobreza e outras conotações negativas. Mesmo vista assim por muitas pessoas, desde a década de 1990, o termo vem passando por uma releitura, ganhando uma percepção mais positiva, principalmente por aqueles que vivem nessas áreas. 

As periferias também são tidas como carentes de espaços de produção cultural ou turística. Porém, uma das atividades que podem ajudar a mudar essa percepção das periferias é o turismo que, dependendo do enfoque, pode contribuir tanto para a produção de estereótipos quanto para a valorização dessas áreas. Milena Manhães Rodrigues, doutoranda em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, dá três exemplos da relação turismo e periferia: o turismo de favelas, turismo em favelas e turismo com favelas.

Milena Manhães Rodrigues – Foto: Arquivo Pessoal

“O turismo de favelas trata elas como um único grupo com as mesmas características; no turismo em favelas, ainda que a favela seja elemento principal na intenção de consumo, são secundárias no consumo de fato; já o turismo com favelas envolve o protagonismo de grupo de moradores nas arenas de decisões e ações, construindo assim uma atividade com um olhar de dentro para fora, que contempla outras narrativas”, explica Milena.  

Ela lembra que a ação desses coletivos em projetos culturais, inclusive pelo turismo, valoriza a potência das periferias, a diversidade e os espaços de resistência, o que acaba por desmistificar o estereótipo de cidades ou bairros dormitórios, além de gerar renda e autoestima. Exemplos são o Grupo Ururay, que atua na defesa do patrimônio cultural e imaterial das comunidades a partir do turismo na periferia, e o coletivo Grupo Da Mata, do Conjunto Habitacional José Bonifácio (Cohab 2), com o projeto Cria-Ativa Cohab 2, que oferece passeios, roteiros culturais e caminhadas abertas ao público. Os dois grupos são da zona leste de São Paulo. 

No bairro de Perus, na zona noroeste de São Paulo, a Comunidade Cultural Quilombaque tem trabalhado com passeios que discutem o território a partir da percepção e referências culturais de seus moradores, incluindo a história do nome “Queixadas”, uma referência a uma greve realizada nesse território na década de 1960 por trabalhadores. “Eles utilizam o turismo como estratégia de ressignificação da periferia como espaço de vida, com inúmeras vivências e possibilidades de encontros que enriquecem a experiência turística e que compõem a noção do que é chamado de turismo de resistência, mas que também encontramos como turismo de quebradas”, explica.

Originário das periferias, o termo “quebrada” carrega o sentido de pertencimento: “Dizer quebrada evoca as potências e contradições de locais e territórios que compõem a periferia de quem fala”. Utilizando-se desse termo e de seu sentido, o Instituto Bixiga, da região central de São Paulo, desenvolve passeios na periferia da cidade chamados “Partiu quebrada”. O mesmo acontece com o projeto Caminhada das Quebradas, no bairro Ermelino Matarazzo.  

“São trajetos entre quebradas, subúrbios, periferias ou territórios de classes populares que têm ‘sujeitos periféricos’ como protagonistas em narrativas de lutas, de trabalho e de cultura popular na singularidade e diversidade das experiências”, diz Milena.

A ideia do turismo de quebradas é deixar para trás o imaginário popular das periferias e ressignificar os espaços públicos, por meio de atividades culturais e questionamentos da história. Para isso, os roteiros incluem experiências do cotidiano. “É participar de batalhas de slam no boteco, performances de teatro ou de passinho em espaços públicos, o geladinho/sacolé no portão, disputa de pipas, as costuras dos mototáxis e toda vida que contrapõe a homogeneização da periferia e a história única de violência e precariedade.”

Julia Estanislau (estagiária)* sob supervisão de Cinderela Caldeira.


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