Transtorno bipolar afeta 140 milhões de pessoas no mundo e tem difícil diagnóstico

Especialistas destacam que ele pode ser confundido com outros distúrbios da mente, como o transtorno depressivo, o que dificulta seu tratamento

 14/03/2024 - Publicado há 9 meses
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O diagnóstico é realizado, na maioria das vezes, em indivíduos na faixa dos 16 aos 25 anos – Ilustração:
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O transtorno bipolar é uma doença crônica na qual o indivíduo apresenta, repetidamente, uma variação de humor durante a vida, alternando entre períodos de depressão, euforia ou os dois juntos. Essa mudança é identificada como mania e hipomania, sendo a primeira uma fase na qual há um aumento anormal de energia, tanto física quanto mental — duram no mínimo uma semana e podem até levar à internação —, e a segunda uma forma mais leve desse aumento de ânimo.

Sintomas e diagnóstico

Doris Moreno – Foto: ResearchGate

Nesse sentido, Doris Moreno, pesquisadora do Programa de Transtornos Afetivos do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), explica que, durante esses períodos, há um comportamento mais sociável, aliado a uma maior irritabilidade e agressividade. 

Por outro lado, o episódio depressivo no transtorno bipolar tem uma duração média de duas semanas, sendo caracterizado por uma tristeza intensa, perda de prazer e de apetite e insônia — diferentemente da mania e hipomania, a pessoa dorme mal e está sempre cansada. Ademais, há uma intensificação de pensamentos desesperançosos e pessimistas que, junto da baixa autoestima, podem acarretar em suicídio.

Segundo dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS), a bipolaridade afeta cerca de 140 milhões de pessoas no mundo todo e em torno de 2,5% da população brasileira. Seu diagnóstico é realizado, na maioria das vezes, em indivíduos na faixa dos 16 aos 25 anos, mas o transtorno pode se manifestar desde a infância até a terceira idade: “Aproximadamente metade dos pacientes começam a manifestar a doença com episódio depressivo e a outra metade dos pacientes começam com episódio de mania”, afirma o professor Beny Lafer do Instituto de Psiquiatria (IPQ) da FMUSP.

Assim sendo, a doença é dividida em dois tipos: tipo 1, caracterizado por episódios recorrentes de mania e depressão, na qual há excesso de confiança, impaciência, alucinações e delírios; e o tipo 2, identificado por ocorrências de hipomania, isto é, uma euforia menos intensa, mas com uma depressão mais aguda. A segunda condição é mais comum do que a primeira, o que dificulta ainda mais o diagnóstico, uma vez que é facilmente confundido com o transtorno depressivo e atrapalha o tratamento do paciente. 

O especialista ressalta: “A doença demora de cinco a dez anos entre o início dos sintomas e o diagnóstico, ou seja, os psiquiatras demoram para fechar o diagnóstico e, nesse tempo, a pessoa já teve inúmeros episódios de internações, tentativas de suicídio”. Doris Moreno alerta, por sua vez, que é mais difícil fazer o diagnóstico nos períodos de mania e hipomania, uma vez que as pessoas buscam o tratamento apenas quando estão deprimidas.

Efeitos e consequências

Beny Lafer – Foto: Currículo Lattes

Entre as principais consequências para a vida pessoal do bipolar sobressaem a perda de empregos, dificuldades para terminar os estudos e dificuldades conjugais — isso está ligado ao aumento da libido, da sexualização e da irritabilidade. Todos esses resultados influem, na maioria dos casos, para um afastamento do corpo social e procrastinação excessiva.

Posto isso, um estudo da Universidade de Michigan aponta que indivíduos que possuem o transtorno bipolar têm até seis vezes mais chance de morrer prematuramente do que outros e, a partir dos 60 anos de idade, esse número aumenta em mais de duas vezes. Além disso, a pesquisa também destacou que os bipolares têm um risco de morte precoce cerca de três vezes maior do que tabagistas.

Doris cita um levantamento realizado na Finlândia, que expôs que a principal causa de morte precoce dos indivíduos bipolares é a cirrose, responsável por metade dos casos: “O que chama a atenção é que a dependência em álcool é extremamente comum em pessoas do espectro bipolar e, inclusive, pode ser um aspecto a diferenciar a depressão bipolar de uma depressão não bipolar”. Ela complementa que, quando essas pessoas estão com sintomas depressivos mais graves, elas buscam alívio em bebidas alcoólicas ou em outras substâncias.

Na opinião da especialista, existem vários fatores que influenciam para a confirmação desses dados, entre eles estão a alteração do sono, tabagismo e esse abuso de álcool e drogas. No entanto, o estudo finlandês revelou que o suicídio entre indivíduos com bipolaridade é oito vezes maior do que a população geral, o que gera um alerta para os pacientes e as pessoas que convivem ao seu redor.

“A consequência mais grave é o suicídio e, antes dele, o risco de auto e heteroagressão. Em episódios mistos, em que o sofrimento é maximizado, especialmente em jovens, pode acontecer de se machucar, mas também podem aparecer ideias de suicídio”, ela atenta. Em contraponto, Doris diz que, em momentos de euforia, o bipolar não cuida de sua saúde e deixa de tomar seus remédios, e, nos períodos de depressão, por conta do desânimo elevado, não faz a higiene necessária e não vai ao médico.

Nesse sentido, Lafer destaca que os pacientes têm alta taxa de comorbidades com outras condições psiquiátricas, como o déficit de atenção, e médicas, entre elas destacam-se doenças cardiovasculares, respiratórias, autoimunes e metabólicas. Isso ocorre devido a um aumento de estresse oxidativo e uso de medicamentos que influenciam no peso e no metabolismo dos indivíduos.

Tratamento

De acordo com o professor, os principais tratamentos são farmacológicos, a partir do uso contínuo de medicamentos, entre eles os estabilizadores de humor — especialmente os sais de lítio — anticonvulsivantes, antipsicóticos e, durante os episódios de depressão, antidepressivos. Ele explica quais são os objetivos do uso desses medicamentos: “A gente busca a remissão dos sintomas de mania e a remissão dos sintomas de depressão, mas, principalmente, a prevenção de novas recaídas”. 

Doris explica: “A maior parte de substâncias utilizadas são os antipsicóticos de nova geração, com diferentes efeitos colaterais e cada pessoa vai tomar uma ou mais dessas medicações no início da doença. Aquelas pessoas privilegiadas, que não demoraram muitos anos para começar a se tratar adequadamente, conseguem utilizar apenas uma substância”.

Outro procedimento terapêutico são as psicoterapias, utilizadas na prevenção de novos episódios e na busca de melhoria na qualidade de vida, e a psicoeducação, que busca educar o paciente e seus familiares sobre a doença. “Isso melhora muito o prognóstico e diminui bastante o número de recaídas”, garante Lafer.

Para finalizar, a especialista afirma que não adianta apenas o uso de medicamentos e a presença na terapia, isto é, o indivíduo deve, além disso, evitar o uso de álcool e drogas — como a cafeína — e realizar atividade física. “Também é preciso que o paciente faça o que eu chamo de ‘dieta do bipolar’, a noite se colocar para dormir e se ‘chutar’ da cama de manhã, mesmo que não esteja querendo”; ela ressalta que tudo isso irá garantir uma estabilidade por um maior período de tempo.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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