Empresas de aplicativo não cumprem legislação de direito ao trabalho

Roseli Figaro comenta nota assinada pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, referente à renda líquida de entregadores e motoristas de aplicativo, que não corresponde à realidade

 26/05/2023 - Publicado há 1 ano

Da Redação

Arte: Joyce Tenório

Trabalhadores de aplicativo possuem características socioeconômicas em comum - Foto: Reprodução/Freepik

Em nota assinada pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, apresentam-se dados referentes à renda líquida de entregadores e motoristas de aplicativo, como se atuassem por 40 horas semanais em corridas e entregas. Os resultados foram veiculados na grande mídia e geraram otimismo, mas especialistas e pesquisadores da Trab21, parceira da Fairwork Brasil, mostraram que a nota possui inconsistências metodológicas e as conclusões desses dados, na realidade, são outras. 

A professora Roseli Figaro, coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Escola de Comunicações e Artes da USP e do projeto Fairwork Brasil, explica mais sobre o que essa nova análise mostrou: “Se eu ligo meu celular e me conecto ao aplicativo, eu estou trabalhando. Eles são remunerados de fato pelo período de entrega e pelo período da corrida e não pela quantidade de horas que eles ficam disponíveis para esse trabalho. É como se nós [professores], por exemplo, fôssemos pagos apenas pelo número de horas exatas em que estamos dentro da sala de aula e não pelo número de horas que de fato estamos trabalhando em todas as outras demais atividades e disponíveis para as atividades de ensino, pesquisa etc.”.  

Roseli Aparecida Figaro Paulino - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Roseli Aparecida Figaro Paulino - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Falta de regulamentação

Um dos pontos que chamam atenção é a falta de transparência nos dados divulgados por empresas de aplicativo. “Essas empresas não cumprem a legislação brasileira, elas não cumprem a legislação que diz respeito ao direito ao trabalho e não cumprem também as informações que dizem respeito a fornecimento de dados para o governo. Por exemplo, como eles não têm trabalhadores vinculados a elas, não preenchem a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que é a relação anual de dados sobre o serviço prestado, sobre o vínculo dos trabalhadores e tudo mais. Nós não sabemos se são 1,5 milhão de trabalhadores, se são 1,6 milhão ou se são 2 milhões, porque não é possível ter esses dados, visto que as empresas não os fornecem”, comenta Roseli. 

Perfil dos trabalhadores e riscos

Trabalhadores de aplicativo possuem características socioeconômicas em comum, diz Roseli: “Esses trabalhadores são trabalhadores que vêm de uma história de trabalho já informal, trabalho de ‘bico’, trabalhadores que perderam emprego durante a pandemia ou em outros momentos. Aquela história de que esse trabalhador é aquele que está fazendo um complemento a uma renda que ele já tem fixa, essa realidade poderia ter sido em 2015 e 2016. Mas hoje ela deixou de ser um fato da maioria, porque a realidade das condições do mercado de trabalho no Brasil é muito precária, então esta está sendo a primeira fonte de renda da maioria absoluta desses trabalhadores”.

Para a professora, a pesquisa revela ainda uma certa intencionalidade de que o trabalhador esteja 100% do tempo em atividade, mas isso os expõe a diversos riscos: “Esse tempo acelerado tem levado sobretudo os entregadores, por conta da motocicleta, a muitos acidentes. Esses acidentes foram divulgados por uma outra pesquisa em que entre 60% e 70% dos pacientes que dão entrada no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da USP são trabalhadores de entrega por aplicativo”. 


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