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Foto: Divulgação/Cinusp
A ideia de exibir filmes que ultrapassam as convenções do audiovisual, feitos de formas inusitadas, foi o que inspirou os curadores do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp) a realizar a mostra Cinema Impossível. Desta segunda-feira, dia 18, até 1º de dezembro, a mostra vai apresentar 23 produções, incluindo duas sessões de curtas, “com processos de realização inesperados ou histórias por trás muito curiosas”, destaca André Quevedo Pacheco, um dos curadores.
As exibições acontecem nas salas do Cinusp instaladas no Centro Cultural Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária, e no Centro MariAntonia da USP, na Vila Buarque, na região central de São Paulo. Além das sessões tradicionais, a mostra ainda conta com performance e debates. A programação completa da mostra está disponível no site do Cinusp.
“Os filmes incluem a impossibilidade em sua forma. É isso que faz a beleza deles”, comenta Pacheco em entrevista ao Jornal da USP. O curador explica que as limitações no processo de produção das obras podem ser tanto práticas, de modo a afetar a realização do filme, como estéticas, com impacto na maneira como ele é exibido. “Em relação ao impedimento prático, temos filmes que foram parados no meio ou até destruídos fisicamente. O cineasta construiu a obra a partir disso.” Quanto à restrição estética, Pacheco explica: “Podem ser filmes sem imagens ou com roteiro que não corresponde à história que é mostrada na tela, por exemplo.”
Theo Gama e Felipe Oliveira, também curadores do Cinusp, ressaltam que os títulos não buscam superar as barreiras impostas à produção, mas sim valorizá-las. “Os filmes não foram feitos apesar das adversidades, eles existem justamente por causa delas”, enfatiza Gama. Os profissionais apontam que as obras da mostra se aproximam da vertente experimental do cinema, que explora a linguagem cinematográfica para além da função narrativa.
André Quevedo Pacheco - Foto: Arquivo pessoal
Filme hipotético e filme inexistente
“Escolhemos filmes a que o público nem sempre tem a oportunidade de assistir em cinemas comerciais, são obras que fogem do convencional”, pontua Felipe Oliveira. Entre os títulos que estão em cartaz, os curadores destacam filmes que proporcionam experiências singulares aos espectadores, como Ao Caminhar Entrevi Lampejos de Beleza (2000), O Caminhão (1977), Isto Não é Um Filme (2011) e Trailer do Filme que Nunca Existirá: “Guerras de Mentira” (2023), trabalho póstumo do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard.
O curta de Godard foi lançado após a morte do cineasta, em 2022, aos 91 anos, e teve sua primeira exibição no Festival de Cannes de 2023. Pacheco explica que a obra reúne imagens e textos em alusão a ideias para o trailer de um filme nunca realizado pelo cineasta. “Ao mesmo tempo em que o filme é totalmente hipotético, ele dispara vários estímulos e traços para que nós imaginemos o que Godard quer nos dizer”, comenta Oliveira. “A mostra traz uma oportunidade única de assisti-lo, já que é um filme pouco disponível no Brasil”, acrescenta. O título será exibido em uma sessão dupla com o longa Aqui e em Qualquer Lugar (1976), também produzido por Godard. As sessões vão acontecer nesta segunda-feira, às 19 horas, e no dia 26, às 16 horas, no Centro Cultural Camargo Guarnieri, e no dia 23, às 16 horas, no Centro MariAntonia.
Em Ao Caminhar Entrevi Lampejos de Beleza, os curadores destacam o caráter experimental do documentário dirigido pelo cineasta lituano Jonas Mekas, que retrata filmagens caseiras autorais na obra. “Mekas faz uma espécie de colagem dissociativa de memórias que representam sua vida, mas nunca consegue alcançar uma expressão exata”, relata Pacheco. Segundo o curador, embora o filme seja conhecido no universo cinematográfico, não é assistido na íntegra com grande frequência devido à sua duração de quase cinco horas. O filme será exibido nesta sexta-feira, dia 22, às 18 horas, no Centro Cultural Camargo Guarnieri, e no dia 30, às 18 horas, no Centro MariAntonia.
Os curadores do Cinusp também indicam o longa O Caminhão, da diretora e romancista francesa Marguerite Duras. No filme, Duras e o ator Gerárd Depardieu se sentam em uma sala e leem o roteiro de um filme hipotético. “A surpresa, no entanto, é que as imagens que estamos vendo na tela não correspondem diretamente à história contada por eles. Então, a gente imagina um filme e vê outra narrativa acontecendo. É um jogo interessante entre texto e imagem”, afirma Gama. A obra será exibida com o curta Hapax Legomena II: Justiça Poética (1972), em que é representada uma mesa com um vaso de planta, uma xícara de café e folhas de papel que descrevem cenas imaginadas pelo público. “Cada espectador se insere de uma forma no filme e constrói o enredo dele por conta própria”, complementa Pacheco. As sessões acontecerão nesta sexta-feira, dia 22, às 16 horas, no Centro Cultural Camargo Guarnieri, e no domingo, dia 24, às 18 horas, no Centro MariAntonia.
Theo Gama - Foto: Arquivo pessoal
“Um outro tipo de impossibilidade apresentada na mostra é a política”, aponta Oliveira ao recomendar Isto Não é Um Filme, do diretor iraniano Jafar Panahi. O longa documenta a prisão domiciliar do cineasta, que foi condenado a seis anos de reclusão e a 20 anos sem poder filmar ou sequer dar entrevistas, por apoiar a oposição nas eleições presidenciais do Irã em 2009. “Mesclando ficção e não ficção, Panahi decide produzir um filme ilegal justamente sobre a impossibilidade de fazê-lo. O próprio título da obra se recusa a nomeá-la como um filme, já que ela não pode existir”, acrescenta. O curador ainda conta que o documentário teve sua primeira exibição no Festival de Cannes, onde chegou graças a uma operação clandestina, em que o codiretor da obra, Mojtaba Mirtahmasb, levou uma cópia do filme em um pen drive escondido dentro de um bolo. Isto Não é Um Filme será exibido apenas no Camargo Guarnieri, nesta terça-feira, dia 19, às 16 horas, e no dia 25, às 19 horas.
Sessões de curtas e eventos especiais
Na mostra Cinema Impossível, o público também poderá acompanhar sessões de curtas-metragens que incluem dois eventos especiais: um é chamado de Cinema Estrutural, acompanhado de debate com o crítico e pesquisador de cinema Lucas Baptista, e o outro tem como título Cinema Desfigurado, que incluirá debate e performance ao vivo da cineasta brasileira Moira Lacowicz, sonorizada pela artista visual e musical Diana Rietveld. “Em Cinema Estrutural, explora-se alguma particularidade do cinema, seja a alternância de frames, seja até mesmo movimentos de câmera”, explica Pacheco. Quanto ao Cinema Desfigurado, Oliveira exemplifica: “São filmes que lidam com intervenções, drásticas ou simples, a partir de produtos audiovisuais já existentes”.
Filme narra a trajetória de música moçambicana radicada em São Paulo
“Woya Hayi Mawe – Para onde vais?” será exibido no Cinusp Paulo Emílio, na Cidade Universitária, no próximo dia 21, às 14h30. O filme acompanha a trajetória da música moçambicana Lenna Bahule entre São Paulo, seu lar adotivo, e sua cidade natal, Maputo
Em Cinema Estrutural, alguns dos destaques são Arnulf Rainer (1960), que retrata variações entre luz, escuridão, ruído e silêncio, e Serene Velocity (1970), que apresenta um jogo de movimentos da câmera em um corredor. Já em Cinema Desfigurado, algumas indicações são The Georgetown Loop (1996), em que a antiga filmagem da janela de um trem é duplicada para produzir uma projeção caleidoscópica, e Outer Space (1999), no qual uma mulher aterrorizada por uma força invisível entra em uma casa à noite. Além desses, Pacheco destaca Double Talk II (2020), de Moira Lacowicz, em que imagens do século 20 são reorganizadas em duas telas que se fundem e colidem. “Depois da exibição, o filme será praticamente recriado por Moira durante sua performance ao vivo”, ressalta.
“Queremos que a mostra instigue, que os espectadores venham e pensem cinema. Sempre consideramos o Cinusp um lugar que pensa cinema”, reflete Oliveira, a respeito do objetivo da programação. Os curadores contam que, após um ano de pesquisas sobre cinema experimental para a realização de Cinema Impossível, agora esperam que o público tenha a oportunidade de conhecer cineastas renomados, bem como suas obras. “Na mostra, os espectadores deverão ter mais do que uma experiência cinematográfica. Os filmes garantem uma viagem sensorial, mental e até psicodélica”, completa Pacheco.
A mostra Cinema Impossível, do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), está em cartaz até 1º de dezembro, no Centro Cultural Camargo Guarnieri (Rua do Anfiteatro, 109, Cidade Universitária, em São Paulo), em sessões às 16, 18 e 19 horas, e no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do Metrô). Entrada grátis. A programação completa da mostra e mais informações estão disponíveis no site do Cinusp.
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