USP Filarmônica realiza concerto com compositores negros no repertório

Concerto comemorativo da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP com a Orquestra USP Filarmônica celebra a música negra brasileira, com obras musicais e literárias coloniais de compositores e poetas pretos e pardos; repertório inclui compositores anônimos de modinhas e lunduns, gêneros primordiais da MPB

 10/11/2022 - Publicado há 2 anos

Tabita Said

A USP Filarmônica realizará no dia 20 de novembro um concerto em comemoração ao Dia da Consciência Negra.  A apresentação terá início às 17 horas e acontecerá no Anfiteatro Camargo Guarnieri, campus da USP no Butantã, em São Paulo, a convite da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP. No repertório, compositores e poetas negros do período colonial brasileiro. Não é necessário se inscrever para assistir e a entrada é gratuita.

Este será o 161º Concerto da USP Filarmônica, abrangendo obras compostas por ex-escravizados ou descendentes de escravizados, como são os casos de Manuel Dias de Oliveira, José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, José Maurício Nunes Garcia, José Maria Xavier, Anacleto Augusto de Medeiros e Pixinguinha, incluindo compositores anônimos de modinhas e lunduns, gêneros primordiais da música popular brasileira. Confira a programação completa neste link. Apresentam-se com a USP Filarmônica os cantores Marly Montoni (soprano), Felipe Rissatti (contratenor), Clóvis Português (tenor) e Luis Felipe Sousa (baixo). A regência é do maestro Rubens Russomanno Ricciardi.

“A definição do repertório é o resultado de minhas pesquisas desde 1979 como estudante do saudoso professor Olivier Toni, pois eu sempre fui dele um assistente próximo de pesquisa”, conta Ricciardi ao Jornal da USP. Antes de se tornar professor da USP, ele foi aluno de George Olivier Toni, Gilberto Mendes e Stephen Hartke. Doutor com tese sobre Manuel Dias de Oliveira, Ricciardi explica que suas pesquisas trabalham, sem exceção, com todos os compositores do período colonial e do século 19. “Primeiro em pesquisas pela Osesp, da qual fui o musicólogo chefe, culminando com a fundação do Núcleo de Pesquisas em Ciências da Performance (NAP-Cipem) pela USP em Ribeirão Preto, onde dei continuidade aos projetos da produção dos compositores e poetas brasileiros desde os primórdios do período colonial”, lembra o professor que também é fundador do curso de Música pela USP em Ribeirão Preto.

O professor Rubens Russomano Ricciardi, fundador e maestro da orquestra USP Filarmônica desde 2011 - Foto: Marcos Santos / USP Imagem

Imagem: Domínio público / Wikimedia Commons

Domingos Caldas Barbosa, filho de uma escravizada angolana, foi formado pelos jesuítas no Morro do Castelo, no Rio de Janeiro, e conhecido por seu nome árcade de Lereno Selinuntino. Autor da Viola de Lereno, sua coleção é pioneira de canções populares profanas em língua portuguesa. Introduziu no universo luso-brasileiro a valorização dos cantos populares e dos iletrados, valorizando gêneros como a modinha e o lundum.

Para esse concerto no Dia da Consciência Negra, a USP Filarmônica optou por apresentar um repertório em tom popular: cantos devocionais populares, modinhas cantadas e lunduns, tanto cantados como instrumentais. De acordo com Ricciardi, além de canção popular, o lundum era também uma dança. Os músicos acrescentaram ainda obras do final do século 19 e começo do século 20 para evidenciar a diversidade dos gêneros, desde peças de concerto para instrumento solista até um canto de fetiche de macumba, que havia sido pesquisado por Villa-Lobos no candomblé.

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“Conhecendo os documentos de época de cada compositor, foi surpreendente verificar que os principais, sem exceção, foram escravizados ou filhos de escravizados. Eu cheguei nestes artistas por sua competência artística e intelectual e daí só depois verifiquei quem de fato eram. Percebo que a mais respeitável imprensa e o senso comum em geral no Brasil não valorizam nem têm boa memória de nossos grandes compositores e poetas pretos e pardos”, aponta o maestro. Ele define esses achados como uma etapa importante e mesmo incontornável de suas pesquisas e do esforço de trazer a história da música brasileira “também para a questão da luta contra o racismo e toda forma de desigualdade e exploração”, completa.

Do programa, constam também literatos como Domingos Caldas Barbosa e Antônio Frederico de Castro Alves. Versos de ambos os poetas receberam novas composições de professores da USP, entre eles do próprio maestro da USP Filarmônica e do maestro Olivier Toni, que faleceu em 2017.

Marly Montoni, soprano convidada da USP Filarmônica, convida para o concerto da orquestra em comemoração ao Dia da Consciência Negra - Vídeo: arquivo pessoal

Para Ricciardi, a música no Brasil, desde o período colonial, sempre foi um caminho dos mais dignos para que artistas pretos e pardos pudessem enfrentar a desumanidade da escravidão e demais crueldades do processo colonial, bem como o racismo que ainda prevalece. Pesquisas do NAP-CIEM identificaram a resistência por meio de oralidades da arte popular em sua interpretação e execução. “As solfas (manuscritos ou impressos musicais) coloniais e do século 19 são igualmente importantes, porque contemplam a poíesis (a elaboração inventiva da obra de arte e de linguagem, o ofício do compositor) com maior precisão de detalhes, viabilizando assim a reconstituição de todo um repertório autoral experimental em seu tempo, ainda pouco conhecido e divulgado, tanto sacro como profano”, define.

“Só não apresentaremos batuques coloniais, pois tanto seus instrumentos se tornaram obsoletos (como é o caso da kalimba e outros tipos africanos de marimbas) como ainda os cantos foram esquecidos, pois não se utilizavam de afinação temperada nem foram grafados”, explica o maestro, e lembra que, além de valorizar a diversidade de estudantes da orquestra, também convidou solistas negros para o concerto do dia 20.

A organização informou que, com este concerto, procura valorizar o papel histórico dos compositores e poetas pretos e pardos, todos protagonistas na vida crítico-intelectual e artística do Brasil desde os tempos mais remotos.

Ensino, pesquisa e extensão

Contando com estudantes bolsistas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em Ribeirão Preto, a USP Filarmônica é uma orquestra de graduação. Atrelada ao Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance da Música em Ribeirão Preto e sob direção artística de Rubens Russomanno Ricciardi e de José Gustavo Julião de Camargo, a USP Filarmônica busca a inovação de seus repertórios com exercícios de contemporaneidade e reconstrução de memória da música brasileira, numa fusão de horizontes entre o antigo e o novo, o clássico e o experimental, o cosmopolita e o regional.

161º Concerto da USP Filarmônica
Quando | 20 de novembro de 2022, domingo, às 17 horas
Quanto | Gratuito
Onde | Anfiteatro Camargo Guarnieri
Rua do Anfiteatro, 109, campus Butantã – Cidade Universitária
Programação completa neste link

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