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Encontro Primavera Indígena ocorreu no Instituto de Psicologia da USP em setembro e discutiu o "aldeamento" dos espaços institucionais - Foto: Cecília Bastos / USP Imagens
Saberes indígenas contribuem para diversidade de pesquisas e eventos na USP
Desde esportes e política até educação, eventos e pesquisas apontam a contribuição da cultura indígena para a diversidade dos ambientes educacionais
Nesta sexta-feira, o Centro de Estudos Ameríndios (CEstA) da USP apresenta ao público uma pesquisa que demonstra as aproximações entre o distanciamento imposto pela pandemia e os valores tradicionais do povo Guarani Mbya. Conduzida pela pesquisadora Valéria Macedo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a apresentação será realizada às 14h30, no auditório do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa), na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Por meio de aprendizados com interlocutores Guarani Mbya nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, o evento discute a experiência de pesquisa colaborativa envolvendo indígenas e não indígenas. A proposta é debater como as questões sobre vulnerabilidade, aproximação e distanciamento se intensificaram a partir da colonização, culminando nas adversidades políticas, sanitárias e ambientais durante a pandemia de covid-19.
Até o mês de novembro, pelo menos outros três eventos sobre saberes indígenas ocorrerão na USP. Desde esportes e política até educação, eventos e pesquisas apontam a contribuição da cultura indígena para a diversidade dos ambientes educacionais.
“Nós indígenas temos a educação anterior à própria educação escolar indígena. Esse conhecimento que nós temos em nossas aldeias e nossas comunidades é uma educação ancestral que vem de nossas origens. Nós respeitamos nossos anciões como portadores desses saberes, da sabedoria da cura, da manutenção da natureza e pensar no mundo onde caibam vários mundos”, expõe Casé Angatu.
O historiador Casé Angatu Xukuru Tupinambá participará do encontro Saberes indígenas e educação brasileira, promovido pela Faculdade de Educação da USP - Foto: LEER / USP
Foi o caso da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, que promoveu de junho a agosto deste ano, em parceria com o Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), o curso universitário de difusão Jogos dos Povos Indígenas e Saberes Originários. Essa foi a primeira ação do convênio assinado entre a EEFE e uma associação indígena, com o objetivo de promover intercâmbios acadêmicos, elaborar projetos de pesquisa em conjunto e organizar eventos científicos e culturais. No curso, foram desenvolvidas 14 aulas ministradas por professores indígenas, que compartilharam saberes de diferentes etnias. “O acordo de cooperação acadêmica inaugura uma série de ações de ensino, pesquisa e extensão em torno dos Jogos dos Povos Indígenas”, destacam Ana Zimmermann e Soraia Saura, coordenadoras do curso.
Junto delas, também coordenaram a iniciativa Maria Beatriz e Marcos Terena, do ITC, que ressaltam a importância da ação: “Um evento deste porte, reconhecido internacionalmente há tantos anos, exigia ser abordado nos currículos universitários”. Para os pesquisadores, os Jogos dos Povos Indígenas são uma oportunidade de promover um diálogo intercorporal sensível, expressando valores, conhecimentos e modos de viver dos quais os povos originários são referência. Nesses jogos, as etnias tradicionalmente realizam competições e celebram as suas culturas particulares, além de debaterem temas como saúde, educação, território, gênero, sementes, tecnologias sustentáveis, infâncias e o futuro da juventude.
O Brasil é pioneiro na realização dos Jogos dos Povos Indígenas, que acontecem em nível nacional desde 1996 e em nível mundial desde 2015. Trata-se de um dos maiores encontros de etnias de povos originários de que se tem notícia – no Brasil e no mundo. Atividades dos Jogos Indígenas foram tema de curso da EEFE - Foto: Agência Brasil
Saberes indígenas na educação e na política
Nos dias 24, 25 e 26 do mês de outubro, o CEstA promove um seminário internacional, intitulado Representação e “Presentação” política ameríndia. Coexistência e hibridização de regimes do político na América do Sul tropical. O evento ocorre na FFLCH, na sala oito do prédio de Filosofia e Ciências Sociais, e pretende discutir questões de representação política indígena na América do Sul.
De acordo com o CEstA, o aparecimento das primeiras organizações indígenas na América do Sul tropical, nos anos 1970, conduziu os povos ameríndios a uma participação política em âmbitos governamentais e não governamentais. O seminário levanta um debate a respeito de estruturas políticas de povos ameríndios que evitam a delegação de poder, em contraste com o poder político representativo, que delega poder para representantes eleitos.
A programação do seminário conta com cinco mesas de discussão, que estão distribuídas ao longo dos três dias de evento. As mesas recebem o público e os palestrantes convidados para promover discussões nos período da manhã e da tarde, com exceção do primeiro dia, já que o evento se inicia às 14h30. Confira a programação completa na divulgação do CEstA.
Foto: Fabiola Silva / CEstA
A Faculdade de Educação (FE) da USP irá promover o encontro Saberes Indígenas e Educação Brasileira, no dia 8 de novembro, das 19h30 às 21h30. O objetivo do evento é debater sobre a importância do ensino da cultura indígena para a formação da sociedade brasileira. Participarão Carlos José Ferreira dos Santos (Casé Angatu), professor e pesquisador em Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), junto aos militantes indígenas Adriano Tupinambá, da Aldeia Abaeté, e Binho Tupinambá, da Aldeia Gwarini Taba Atã. O evento terá mediação de Paulo Henrique Fernandes Silveira, professor da FE. Em formato híbrido e aberto ao público, haverá transmissão on-line pelo YouTube, neste link. É necessário fazer inscrição pelo formulário.
Segundo os organizadores, um dos grandes motivos que impulsionaram a realização do evento foi a Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira no ensino fundamental e médio. Essa nova diretriz alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que havia sido modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. A partir da data de publicação, a diretriz estabeleceu a necessidade do ensino da história da África e dos africanos e a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, além de sua contribuição na formação da sociedade atual, junto ao seu papel cultural, social, econômico e político na história brasileira. Esses conteúdos devem ser ministrados durante todo o currículo escolar, com ênfase na educação artística, literatura e histórias brasileiras.
Nesse sentido, o encontro servirá também para falar dos avanços e mudanças específicas de inclusão da comunidade indígena na educação universitária após o estabelecimento da Lei nº 11.645/08. “O que queremos debater com os convidados é que ainda pouco foi feito para que essa lei se efetive”, expõe Silveira. “A preocupação não é apenas com medidas de inclusão da comunidade indígena, mas também da formação de professores e da produção de material escolar que trate da cultura e da filosofia indígena”, completa. “Por vezes, as faculdades de formação de professores não têm oferecido esse conteúdo como um componente curricular ou como disciplina à parte, com o tempo necessário para poder trabalhar esses saberes. Então as universidades pautarem suas discussões e formações nessa temática importa, e muito”, explica Casé Angatu.
A princípio, os participantes pretendem discutir sobre o que ainda precisa ser feito na educação em termos de formação, produção e inclusão da comunidade indígena. Em um segundo momento, o evento deve conter apresentações artísticas dos três participantes: Casé Angatu, Adriano e Binho Tupinambá. Eles apresentarão elementos do artesanato, da produção acadêmica e ensinarão palavras presentes no vocabulário indígena. “Um dos pontos importantes é que [os participantes do encontro] possam se sentir empoderados ao ver um indígena na universidade, tratando dos temas de sua cultura e educação”, afirma Silveira.
Formação acadêmica indígena
Casé Angatu vai falar sobre os conhecimentos indígenas no cuidado com a natureza. “Saberes que dizem respeito à vida, à mata, à floresta e à natureza, em uma época tão fundamental em que sentimos e acompanhamos os desastres naturais. Não por serem naturais da natureza dos deuses, mas por conta da ação dos seres humanos que não sabem trabalhar com meio natural. Então as sabedorias indígenas têm importância de preservação”, afirma o professor da UFSB.
Além disso, Angatu discutirá as dificuldades da formação acadêmica para grupos indígenas, sobretudo no uso da língua portuguesa. Em 2003, o professor e pesquisador concluiu seu doutorado em Arquitetura e Urbanismo na USP. “Pedimos para ele comentar não apenas os seus percursos escolares e todas as dificuldades pelas quais ele passou, mas também em dominar uma língua que não é sua de origem”, informou Silveira.
Em entrevista ao Jornal da USP, Angatu salientou as dificuldades da população indígena na busca pelos seus direitos. “O desafio que nós sofremos ainda é o desrespeito aos nossos direitos ancestrais, a um direito congênito natural, um direito de pertencimento ao território”, expõe o professor. “Não queremos a demarcação do território por entender a terra como mercadoria, mas para a preservação. Essa é a base das dificuldades que nós sofremos: a negação desse direito de demarcação territorial e a negação daquilo que nós somos e da nossa forma de ser”, completa.
O professor Silveira trará seus alunos de licenciatura na FE, Ramon Guilherme Andrade dos Santos e Augusto Luiz de Aragão Pessin, para falar da presença indígena na USP. Eles estudam a representatividade indígena nas pesquisas, na graduação e na pós-graduação, junto às ações positivas de inclusão tomadas pela USP nos últimos tempos. Ambos os estudantes são casados com mulheres indígenas. No caso de Ramon, sua companheira faz parte da coordenação da ocupação cultural Cantinho de Integração de Todas as Artes (CITA), que realiza ações de representatividade indígena na produção artística.
A modalidade híbrida de transmissão do evento permite, ainda, que grupos indígenas de regiões periféricas acompanhem e participem. “Isso foi pedido por algumas tribos indígenas com quem a gente tem contato”, conta o professor. “Mesmo em São Paulo, as tribos ficam nas regiões periféricas da cidade. Então muita gente não vai conseguir estar presente, mas vai poder assistir pelo YouTube, participar, mandar perguntas e ter o certificado”, complementa. A gravação do evento ficará disponível no mesmo link do Youtube.
Mais informações: Paulo Henrique Fernandes Silveira – paulo.henrique.fernandes@usp.br
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