Aldeia Uyaipiuku do povo Mehinako - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Divulgação e Andre Regitano

Revista Saúde e Sociedade destaca o enfrentamento à covid-19 entre indígenas brasileiros

Publicação é organizada pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e pela Associação Paulista de Saúde Pública (APSP); grupo de pesquisa formado por indígenas e não indígenas assina o dossiê

 11/01/2023 - Publicado há 2 anos

Texto: Gustavo Roberto da Silva

Arte: Guilherme Castro

A revista Saúde e Sociedade publicou, no fim de 2022, o dossiê Antropologia, Covid-19 e respostas indígenas no Brasil: reflexões metodológicas e vitais. Este é o volume 31 da revista, que está disponível para leitura on-line neste link. A publicação reúne diferentes reflexões em uma coletânea de artigos, que se propõem a analisar e discutir as possibilidades e desafios enfrentados pelos povos indígenas no Brasil, em especial no contexto da pandemia da covid-19.

A revista compartilha os aprendizados no campo da pesquisa qualitativa relacionada à saúde pública no Brasil, buscando reflexões sobre a multiplicidade de estratégias metodológicas empregadas pela Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à Covid-19 (Pari-C) – rede de pesquisadores de diferentes partes do Brasil. Dentro deste objetivo, o dossiê considera as particularidades sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais das comunidades e dos pesquisadores envolvidos.

“Da pesquisa resulta tanto a descrição do vivido na pandemia como das expectativas do porvir, seja em forma de políticas públicas de saúde que deem conta de suas realidades, seja em forma de arranjos cosmopolíticos, em que um conjunto heterogêneo de seres que excedem o ‘humano’ adentram a arena pública do debate em torno da pandemia da covid-19, afirmam os coordenadores do estudo.

O dossiê foi realizado a partir dos resultados do projeto de pesquisa Respostas Indígenas à Covid-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global, responsável pela criação da Pari-C. Nos artigos abordados pela revista, a vivência de comunidades indígenas durante a pandemia não é o único tópico de discussão, já que o passado dos participantes e pesquisadores é revisitado, assim como suas expectativas para o futuro.

Modos de fazer pesquisa

Divididos em quatro equipes, em diferentes regiões do Brasil, os pesquisadores desenvolveram pesquisas com diversos objetivos e abordagens. O dossiê da revista destaca a pesquisa intitulada Modos imaginativos e colaborativos de fazer pesquisa: dispositivos e disposições com cuidado, que propõe reflexões sobre a utilização de dispositivos digitais nas dinâmicas de pesquisas realizadas remotamente, e também sobre sua utilização em determinadas comunidades indígenas.

Um dos coautores, Ataíde Gonçalves Vilharve Vherá Mirim identificou grande preocupação das lideranças indígenas em relação ao adoecimento de jovens, pelo excessivo “fechamento” promovido pelo celular, contrastando com a conexão que se tem nas casas de reza. 

“A tecnologia pode ser uma forma de conexão, mas também pode ser uma forma ruim de distanciamento que aumentou com a covid-19. A pessoa pode se distanciar da comunidade e dela mesma, podendo ter doença mental, inhakanhy, e até alguns casos de suicídio de jovens aconteceram nesse período de pandemia”, relatou Vherá Mirim, graduando em Tecnologia em Gestão Pública. Ele é uma liderança em sua comunidade, Takuari, e no conjunto de aldeias na região do Vale do Ribeira/SP, além de comunicador no coletivo Mídia Mbya. Juntamente com sua esposa, Luisa Pará Xapy’a, pertence à Rede de Pesquisadores Indígenas das Línguas Ancestrais da Unesco/ONU. 

Em um movimento para combater a desinformação sobre a Covid-19, outra pesquisa se destacou: Do monitoramento autônomo à pesquisa colaborativa virtual: parceria com o movimento indígena do Nordeste durante a pandemia da Covid-19 como apoio ao controle socialOs autores da pesquisa descrevem um contexto de subnotificação dos casos de covid, e falta de apoio dos órgãos governamentais. Diante disso, a pesquisa buscou reunir informações gerais sobre a situação das populações indígenas e constituiu uma grande campanha que, com o apoio de parceiros, resultou na elaboração de boletins, mapas, estudos, entre outros.

Ataíde Gonçalves Vilharve Vherá Mirim - Foto: Arquivo pessoal

Vherá Mirim na Tekoa Porã, Itaporanga, SP - Foto: Mayara Ohana Flores, 2021.

A revista destaca Sheila Baxy Castro Apinajé, uma das autoras dos textos presentes no dossiê, que defende que as pesquisas realizadas não se tratavam de experimentos, mas sim de uma tentativa de criar novas formas de resistência. “Um jeito de atuar diretamente no enfrentamento da pandemia, conversando com as pessoas, com as lideranças, com as famílias, com a intenção de transformar o nosso futuro”, afirma a  liderança indígena que atua diretamente no enfrentamento do coronavírus na etnia Apinajé, no Tocantins.

Confira o dossiê completo:
https://www.scielo.br/j/sausoc/i/2022.v31n4/ 

A PARI-c

A Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à Covid-19 (Pari-C) é uma ferramenta de comunicação da pesquisa Respostas Indígenas à Covid-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global. Na Pari-C foram produzidos sete estudos de caso, 56 notas de pesquisa, 15 filmes e uma série de podcasts, em que podem ser encontrados variados temas relativos à pandemia da covid-19 entre povos indígenas do Brasil. 

A pesquisa se desenvolveu ao longo de 2021 e foi realizada inteiramente de forma remota, com uma rede de pesquisadores indígenas e não indígenas em todo o território brasileiro. A missão foi compreender como os povos indígenas estão vivenciando a pandemia da covid-19. O acervo pode ser consultado no site da Pari-C, que também possui um canal no YouTube e uma página no Twitter

A iniciativa contou com o financiamento do Medical Research Council (MRC) e do UK Research and Innovation (UKRI), sendo realizada através da cooperação entre a USP, a Universidade de Londres (City University), a Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), e a Universidade do Sul da Bahia (UFSB).

A plataforma inaugurou, ainda, o selo PARI-cine, que conta com uma série de produções dirigidas por indígenas investigando questões relativas à covid-19. No documentário a seguir, desde a Terra Indígena Tikuna de Umariaçu – na região de tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia – jovens indígenas apresentam um relato sobre os diferentes impactos da pandemia de covid-19 na vida de agricultores, estudantes, profissionais de saúde e artistas indígenas, bem como indicam respostas comunitárias.


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