Docente da Universidade de Lisboa recomenda “novos olhares” para o continente africano

Em curso no Programa de Pós-Graduação da Geografia da USP, a professora Iolanda Maria Alves Évora defende que outros paradigmas sobre diásporas africanas devem ser estudados

 26/06/2024 - Publicado há 5 meses     Atualizado: 01/07/2024 às 13:05

Texto: Antonio Carlos Quinto
Arte: Diego Facundini*

Fotomontagem Jornal da USP com imagens de: Maria Leonor de Calasans/IEA-usp; Brianski/Wikimedia Commons

As afrodiásporas e as mobilidades africanas devem ser estudadas e analisadas a partir de novos olhares. “É preciso desmontar conceitos e sair das visões e interpretações tradicionais sobre os povos africanos. Afinal, as mobilidades africanas no mundo não se resumem às mudanças transatlânticas”, como define a professora e psicóloga social Iolanda Évora, que é pesquisadora associada do Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CEsA) da Universidade de Lisboa, Portugal.

Iolanda Maria Alves Évora em aula na pós-graduação da FFLCH - Foto: Fernanda Padovesi/Arquivo pessoal

A docente e pesquisadora da Universidade de Lisboa esteve na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, entre os dias 11 e 14 de junho, como convidada do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana (PPGH), onde ministrou a disciplina Afrodiásporas e mobilidades africanas contemporâneas. Perspectivas atuais das ciências humanas em África. A proposta do curso foi deferida dentro do convênio Print USP/CAPES, Edital nº 25/2023, para o Programa Professor(a) Visitante do Exterior (PVE) e a estadia da professora Iolanda se deu no mês de junho de 2024 na USP. Em entrevista ao Jornal da USP, Iolanda Évora destacou a necessidade de os estudos se aproximarem mais das reflexões e produções dos cientistas africanos a propósito das mobilidades no continente, além de ser necessário “investir mais em pesquisas sociais no continente”.

Gráfico mostra o volume de migrações rurais e urbanas por destino e as migrações dentro e fora da África - Foto: Reprodução/FAO/CIRAD

Na FFLCH, Iolanda foi recepcionada pelos professores Fernanda Padovesi Fonseca, Eduardo Donizeti Girotto e Valéria de Marcos, que buscam, com esse projeto, aproximar o PPGH da produção científica contemporânea e de linhas de pesquisa atuais sobre o continente.

Além da USP, Iolanda também participou de um encontro com professores no dia 6 de junho, no Centro de Capacitação dos Profissionais da Educação em São Caetano do Sul (CECAP), no ABC paulista. A atividade Mobilidades africanas contemporâneas: perspectivas e abordagens foi coordenada pelo professor Eduardo Donizeti Girotto pela USP e os professores articuladores no CECAP foram David Augusto Santos (professor do ensino básico e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGH) e Lia Fernanda da Silva.

Na oportunidade Iolanda fez uma fala aos professores no sentido de contribuir ao ensino sobre África e as mobilidades humanas do continente, apoiada nos debates contemporâneos que são críticos às abordagens dominantes sobre mobilidades africanas e a África-Mundo.

De acordo com a professora Fernanda Padovesi, a motivação na proposta reside também no pensar e construir o ensino de África e os direcionamentos teóricos na pós-graduação. Ela destaca que a Lei 10. 639/03 “indica a necessidade de inclusão da pluralidade epistêmica e cosmológica, que foi o foco dos trabalhos conduzidos pela Iolanda Évora conosco, em especial sobre a África, produzidos pelos autores em humanidades.”

Fronteiras “porosas”

Iolanda considera primordial se estudar quais as principais questões que as mobilidades africanas atuais trazem aos estudiosos. “Por muito tempo, a principal definição da afrodiáspora tomou a experiência transatlântica como referência, pouco se referindo às afrodiásporas secular transindianas, transchinesas, transasiáticas, etc”.

Apesar da caracterização das mobilidades dominante tomar por referência a migração para a Europa e América do Norte, no entanto, os números mostram que as principais (e mais volumosas) mobilidades continuam a ser dentro do próprio continente. “As fronteiras internas estabelecidas pela Conferência de Berlim continuam a definir as delimitações territoriais entre os estados-nação no continente. Por exemplo, estudos como o África em Movimento: Dinâmica e Motores da Migração ao Sul do Saara publicado pela FAO (Agência da ONU para alimentação e agricultura) e pelo Centro de Pesquisas Agrícolas para o Desenvolvimento (CIRAD), entre os anos de 2017/2018, confirmam que 75% dos indivíduos que mudaram de ares na África Subsaariana permaneceram dentro do continente.

Enquanto muitos países africanos e europeus ainda consideram como oficiais as fronteiras estabelecidas após o tratado de Berlim, a mobilização interna no continente continuam a produzir o que ela denomina “fronteiras porosas”. “Tais movimentações carecem de mais estudos”, recomenda. “Os números mostram que as mobilidades internas possam ser mais importantes do que as externas. Afinal, o trânsito de africanos entre países do próprio continente não chega a ser contabilizado nos estudos convencionais”, diz Iolanda.

 

Preconceitos

Iolanda Évora lembra que os preconceitos em relação às descolações dos africanos (representadas pelas imagens de pessoas tentando chegar à Europa em frágeis barcos) sobre os quais “sequer se considera que, em muitos casos, são jovens com preparação universitária”.

O exemplo, de acordo com Iolanda, mostra que mesmo a mobilidade externa de africanos precisa ser repensada a partir de novos paradigmas. “Mesmo sendo trabalhadores, em ambos os casos, serão tratados e denominados de forma diversa: um é o expatriado e o outro, vindo do sul, é migrante.

Vínculos uspianos

Moçambicana de nascimento, Iolanda teve toda a sua formação na USP, com graduação em Psicologia e mestrado e doutorado em Psicologia Social e, nos últimos anos coordenou (2019-2023) o projeto Afro-Port sobre afrodescendência em Portugal, financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), a agência de fomento de pesquisa em Portugal.
Com relação à atual situação da USP pós-cotas raciais, a pesquisadora vê mudanças e considera que a medida traçou um caminho sem volta.

A disciplina ministrada por Iolanda teve a participação de 23 alunos da pós-graduação matriculados e 17 alunos ouvintes, tanto da USP (FFLCH, Instituto de Psicologia), como externos, (da UNIFESP, Casa das Áfricas).

*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado


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