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Curso da USP celebra o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ com debates sobre diversidade na universidade
Evento “Corpos Marginais” reuniu estudantes, pesquisadores, ativistas e artistas no Instituto de Psicologia (IP) para discutir inclusão, cotas e diversidade na produção de conhecimento
Evento que marcou o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ reuniu ativistas, pesquisadores, estudantes e artistas - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Um evento realizado nesta quarta-feira, 28, no Instituto de Psicologia (IP) da USP reuniu estudantes, pesquisadores, ativistas e artistas para fazer uma importante provocação: a Universidade perde em produção de conhecimento quando falta diversidade na comunidade acadêmica. Marcando o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, o encontro Corpos Marginais levantou debates sobre questões como inclusão, permanência estudantil, cotas em concursos e perguntas de pesquisa que jamais teriam sido feitas se pessoas negras, periféricas e dissidentes de gênero e sexualidade não estivessem nas universidades.
Construído em parceria com a Coletiva Transtornar, formada por estudantes do IP, o evento também fechou os trabalhos de uma disciplina sobre diversidade sexual e de gênero oferecida ao curso de graduação em psicologia. A disciplina, supervisionada pelo professor Paulo Endo, foi ministrada por Andreone Medrado – que, além de fazer doutorado no programa de Psicologia Experimental do IP, também cursa sua segunda graduação no instituto.
“A primeira coisa que a gente queria da disciplina era trazer a perspectiva de gênero e sexualidade com abordagem queer, e que também tivesse as questões de travestilidade, voltadas para ideias da América Latina. A gente queria dialogar com a realidade daqui”, diz Andreone, que se identifica como uma pessoa não binária. Na elaboração da disciplina, sua preocupação foi a de trazer uma bibliografia que priorizasse autorias brasileiras e latino-americanas, bem como de oferecer o curso a estudantes regulares e a ouvintes.
Para o evento Corpos Marginais, a estratégia foi semelhante: reunir pessoas de dentro e de fora da academia para um diálogo comum sobre diversidade sexual e de gênero. “Nada melhor do que trazer travestis, pessoas não binárias, freaks e pessoas que estão discutindo esses temas a partir de vivências, também”, ressalta Andreone. O nome do evento reflete justamente essa diversidade de vivências que tradicionalmente são ausentes.
Segundo Andreone Medrado, evento fechou disciplina do curso de psicologia sobre diversidade sexual e de gênero - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Entre as pessoas convidadas que compartilharam suas experiências e reflexões no evento estiveram a escritora Amara Moira, doutora em teoria e crítica literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); a ativista Marcella Montteiro, coordenadora estadual do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans); Carolina Iara, codeputada estadual na Bancada Feminista pelo PSOL; T. Angel, idealizadora da comunidade FRRRKguys, voltada à cultura da modificação corporal; o médico infectologista Dyemison Pinheiro e a educadora Dana Eleanor Fittipaldi, que trabalham no projeto PrEP 15-19, voltado à prevenção do HIV junto a adolescentes que se identificam como mulheres trans, travestis ou homens cis que fazem sexo com outros homens.
Durante a mesa da tarde, Carolina Iara relatou a luta pelas cotas para pessoas trans na graduação da Universidade Federal do ABC (UFABC), onde defendeu recentemente seu mestrado em Ciências Sociais. A UFABC foi a primeira universidade brasileira a implementar as cotas trans na graduação, tema que a co-deputada considera “uma filha das cotas étnico-raciais” e pretende pautar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
“O que a gente está veiculando na Alesp é a cota trans para o ingresso no ensino superior e toda uma discussão também na educação pública estadual sobre a permanência das pessoas trans, travestis e LGBTQIA+ no geral no ambiente escolar, que ainda é um ambiente muito violento para essa comunidade. Nós enxergamos isso como o grande entrave relacionado à não existência de um número considerável de pessoas trans produzindo academicamente. Nós temos grandes doutoras trans, travestis, mas ainda precisa avançar muito nessa inclusão dentro da academia”, afirma Carolina.
Carolina Iara, codeputada estadual da Bancada Feminista, contou sobre experiência com enquanto travesti na universidade - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Interseccionalidade e inclusão
A organização do evento procurou ter o cuidado de trazer ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ os cruzamentos dos temas de gênero e sexualidade com as questões étnico-raciais e de classe. Essa preocupação também foi um reflexo do curso liderado por Andreone. Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e com pós-doutorado pela USP, a cubana Yarlenis Ileinis Mestre Malfán colaborou com o curso ministrando uma aula sobre feminismo negro.
“Eu levei sobretudo as contribuições da Patrícia Hill Collins para tecer esse diálogo entre a psicologia e saberes outros, saberes feministas e saberes negros que tratam justamente das marginalizações de alguns grupos e que oferecem ferramentas para a gente entender essas desigualdades e também combatê-las”, conta Yarlenis. “Uma epistemologia feminista negra tem muito a contribuir no sentido de que mesmo estando no Norte Global, ela opera como uma epistemologia do Sul, no sentido político, porque se propõe justamente a questionar essas matrizes ocidentais de gênero, raça, classe e tudo mais”, complementa.
Além da troca de vivências e dos debates sobre a presença de corpos dissidentes na academia, o evento “Corpos Marginais” teve o cuidado de colocar em prática o discurso sobre inclusão promovendo uma pequena feira de arte, produtos e serviços do lado de fora do auditório onde ocorreram as atividades. A estudante de psicologia Cadência, uma das fundadoras da Coletiva Transtornar, esteve particularmente envolvida com essa tarefa.
Feira de artes e serviços oferecidos por pessoas LGBTQIAPN+ - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
“Não faz sentido a gente querer mercantilizar esse evento, ter só gente por gente. A feira é porque a gente precisa das pessoas ao nosso redor podendo vender aqui. Se a gente está falando de pessoas marginalizadas, principalmente pessoas trans, elas têm que estar aqui oferecendo seus produtos”, argumenta a estudante.
Ela conta que a Coletiva Transtornar nasceu da insatisfação de estudantes trans com os conteúdos do curso de psicologia e atua para criar um ambiente de acolhimento a pessoas que estão na Universidade vivendo diferentes momentos de seus processos de transição de gênero. O grupo vem se articulando há algum tempo com o coletivo feminista do IP para fazer uma crítica às leituras binárias de gênero presentes nas bibliografias do curso. Neste semestre, com a realização da disciplina sobre diversidade sexual e de gênero, a coletiva se engajou na organização do evento do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+.
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