Menstruação cis e trans é tema de série da Escola de Enfermagem da USP em Ribeirão Preto - Fotomontagem: Gay Pride Flag (Domínio Público) e Foto de Nataliya Vaitkevich (Pexels)

Animação da USP desmistifica os tabus em torno da menstruação cis e trans

Com representação de mulheres cis e homens trans, série de vídeos propõe combater a pobreza menstrual e incentivar o respeito à diversidade de gênero por meio da informação; animação é realizada por integrantes de grupo de pesquisa que investiga a resposta imune de transgêneros

 26/04/2023 - Publicado há 1 ano

Danilo Queiroz

A primeira menstruação, a menarca, é quase sempre uma novidade para as pessoas que menstruam. Ainda mais por ocorrer na infância e na juventude, fases da vida carregadas de inúmeras descobertas e revelações. A Escola de Enfermagem e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, EERP e FMRP respectivamente, em parceria com o Instituto Barong, desenvolveram o projeto MenstruAÇÃO, visando a desmistificar o tema da menstruação de forma inclusiva

A série, que já conta com sete vídeos produzidos, pretende servir como material educomunicativo em torno deste processo biológico, natural de corpos com útero: seja de mulheres cisgênero, pessoas não binárias – que não se identificam nem com o gênero masculino, nem com o gênero feminino -, intersexuais – que nascem com características sexuais biológicas que não se encaixam nas categorias binárias – e homens trans.

“A partir de uma comunicação lúdica, com ilustrações diretas e simples, apresentamos personagens destinados a projetar a diversidade de gênero e da cor de pele, criamos conexões, humanizamos e traduzimos toda a complexidade multidimensional do tema para informações simples e que possam ser utilizadas no dia a dia para pessoas que menstruam.  Queremos alcançar também pessoas que não menstruam, afinal, todos convivem com a menstruação!”, explica Ana Paula Morais Fernandes, coordenadora do projeto.

A animação foi produzida com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP e apresentada pelo Programa USP Diversidade, extinto após a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP). A série conta com vídeos narrados que traduzem as informações do tema para o cotidiano das pessoas que menstruam. Os organizadores do projeto acreditam que a iniciativa visa, ainda, a reduzir a escassez de dados, colaborando para o enfrentamento qualificado da pobreza menstrual a partir da educação em saúde, minimizando a desinformação em torno da menstruação.

Confira os vídeos a seguir:

Ana Paula Morais Fernandes é coordenadora do projeto MenstruAção e professora da Escola de Enfermagem da USP em Ribeirão Preto - Foto: arquivo pessoal

Primeira Vez

Itens de higiene

Mitos e Tabus

Fato ou Fake

Pobreza menstrual

Ciclo menstrual

Cólica menstrual

Para a coordenadora do projeto, é por meio da extensão universitária, um dos tripés de pesquisa-ensino-extensão da Universidade, que a iniciativa corrobora com a promoção de políticas globais, nacionais, estaduais, e da USP em educação e saúde, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. “Os resultados deste projeto certamente contribuem para o desenvolvimento da sociedade e fortalecem a relação qualificada da Universidade de São Paulo e a sociedade mantenedora”, afirma a docente do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP.

Sol de Lótus se reconhece como “não binárie”, especificamente agênero – que não se identifica com um gênero específico -, e relata que sente um conflito muito maior com o gênero do que com a menstruação em si dentro da comunidade trans. “Pessoalmente eu odeio menstruar e odeio esse processo, me sinto mal, fico enjoade e tenho cólicas muito fortes. Incomoda bastante ver nas embalagens dos absorventes mensagens e símbolos de gênero feminino, como se não houvesse outros corpos com útero para além das mulheres cis”, comenta a estudante de Cinema na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Sistemas de Informações na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Sol não participa do projeto.

“Em um país ainda muito preconceituoso e que mais mata pessoas trans no mundo, o letramento de gênero e a educação sexual ainda são ensinamentos muito distantes da sociedade, quase uma utopia. A educação, com certeza, é a maior responsável por transformar nossa forma de enxergar o mundo”, destaca.

Agênero, Sol de Lótus é estudante de Cinema na UFPE - Foto: arquivo pessoal

Rompendo estigmas

Fazendo jus ao nome do projeto, MenstruAÇÃO, a coordenadora também desenvolve outras atividades que promovam a saúde coletiva à comunidade trans. Atualmente, ela tem desenvolvido pesquisas que identificam biomarcadores imunobiológicos e bioquímicos que influenciam a resposta imune em mulheres e homens trans que contraem covid. Já é comprovado que o vírus da síndrome respiratória aguda-grave, Sars-Cov-2, é mais letal em homens devido a fatores hormonais sexuais. A hipótese da pesquisa é avaliar se os tratamentos hormonais, hormonização ou hormonioterapia, podem interferir no processo imunobiológico de pessoas trans com covid ativa e pós-covid, tornando-as mais vulneráveis, neste caso, até biologicamente. Os estudos estão sendo realizados em parceria com outros pesquisadores e colaboradores, como o professor Carlos Sorgi, coordenador do Grupo de Estudos em Biotecnologia e Imunoquímica de Lipídios (Gebil) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP).

O projeto de pesquisa foi financiado pelo edital Pipae da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) da USP. Os pacientes são provenientes do Ambulatório Trans do Centro de Referência e Treinamento (CRT) de Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids da Vila Mariana, em São Paulo, e do Ambulatório Trans do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). O projeto também tem a colaboração do Departamento Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis/Aids e do Instituto Barong. 

Além disso, por meio de uma perspectiva multidimensional, Ana Paula coordena outros projetos em parceria com a Liga de Estudos sobre Gênero e Sexualidade (LEGHS) e o Grupo de Estudos em HIV e Aids (GEHA) da EERP, que abordam temas como: dignidade íntima, preconceitos, tabus, anatomia dos órgãos sexuais e urinários, ciclo menstrual e ovulação, tensão pré-menstrual, cólica menstrual, saúde íntima, higiene menstrual, gravidez, infecções, entre outros. Uma dessas orientações educacionais em saúde foi desenvolvida em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo no programa Dignidade Íntima, que visa a combater a pobreza menstrual na rede estadual de educação. Ana Paula ofereceu uma formação a professores e educadores da Diretoria Regional de Educação Estadual de Ribeirão Preto sobre o tema no ano passado.

Ela também coordenou o curta-metragem #RespeitaMeuNome, sobre nome social, produzido pelo Programa USP Diversidade em parceria com o Instituto Cultural Barong, com apoio do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). O vídeo mostra o passo a passo para que pessoas trans possam realizar a mudança de nome no registro civil. Por meio de um QR Code, o vídeo direciona para uma relação de ONGs que podem ajudar no processo burocrático, bem como para uma lista de formulários e legislação que respalda o registro civil.

 “O curta é mais um canal de educação que promove a multiplicação de informações, saberes, práticas de solidariedade com base no respeito aos direitos humanos e à diversidade, incluindo as questões específicas da população trans e travesti”, reforça a docente.

Saiba mais:

 Liga de Estudos sobre Gênero e Sexualidade: @legs.usp

Grupo de Estudos em Biotecnologia e Imunoquímica de Lipídios: @gebilffclrp

E-mail: anapaula@eerp.usp.br


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