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São três dias para mergulhar no sertão de Guimarães Rosa. O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP apresenta, nos dias 14, 15 e 16 de maio, uma programação que leva todos a uma grande viagem para conhecer pequenos grandes detalhes do universo rosiano. Uma oportunidade rara que o evento Infinitamente Maio propicia através de rodas de leitura, exposição, seminário, conversas e o lançamento da nova edição de Grande Sertão: Veredas, pela Editora Companhia das Letras. E o mais precioso: o original do romance, que integra o acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, está presente com as emoções e aventuras de João Guimarães Rosa.
O evento reinaugura o espaço expositivo do IEB, que, pela primeira vez, apresenta uma seleção de documentos inéditos, escolhidos a partir do acervo do escritor mineiro, que está sob a guarda do instituto. “Centradas em Grande Sertão: Veredas, as atividades se multiplicam e acolhem os mais diversos interesses”, conta a professora Diana Vidal, diretora do IEB. “Essa diversidade de atividades remete à riqueza da obra de Rosa, às múltiplas possibilidades de interpretação e às mais distintas apropriações que acolhe.”
O caminho para enveredar pelo sertão está na sala que tem o nome de Marta Rossetti Batista, historiadora e ex-diretora do IEB. Ao abrir a porta, a exposição Pontos de Entremeio de Grande Sertão: Veredas lembra exatamente o avesso de um bordado, como a trama de linhas das bordadeiras de Cordisburgo. Ou o entremeio de um ponto e outro aliando os sonhos dos personagens. Logo na entrada, um cartaz com uma frase com as letras que se assemelham a um bordado: “O sertão não chama ninguém às claras, mas porém se esconde e acena” – João Rosa.
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Desespero quieto às vezes é o melhor remédio que há. Que alarga o mundo e põe a criatura solta.”
O visitante mal começa a sua travessia pelas veredas e é logo envolvido. Recebe uma rosa de papel crepom. As pétalas dobradas uma a uma foram delicadamente criadas pelo grupo Roda de Leitura, integrado por hábeis leitores. Essa rosa vem com um papel com uma das infinitas frases de Rosa. Uma delas tem uma orientação experiente do médico e a sabedoria do sertanejo: “Desespero quieto às vezes é o melhor remédio que há. Que alarga o mundo e põe a criatura solta”.
Com a curadoria da professora Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, responsável pelo acervo de João Guimarães Rosa, a mostra reúne documentos jamais expostos. O visitante se depara com as anotações manuscritas em uma pequena caderneta. Frases que depois se transformariam no clássico da literatura brasileira.
Com letra legível, João Guimarães Rosa escreveu as frases aqui transcritas em sua concepção original: “Às 6 horas da manhã. Claridade da madrugada. O sol ainda não saíu. Está clareando agora, resumindo”. “Romper da aurora.” “Perto de nós, o grosso, enorme rolo reto, de bruma branca (“fumaça”) desce da bocâina pela baixada. Sôbre êle o outeiro, que marca o nascente. Grandes nuvens alaranjadas, que, a certa hora, se mudam em azuis – mas sobre elas o céu se toma de difusos laivos côr de rosa, extensos – aumentação dos raios do sol (parecem uma). Maiora a claridade.”
As anotações estão em uma caderneta chamada de “A Boiada 2”. Há outros escritos em cadernetas diferentes levadas na sua viagem ao interior de Minas, em 1952. As anotações são todas manuscritas a lápis, e têm fragmentos do barbante que permitia que o autor a pendurasse ao pescoço. São descritos as paisagens, os diálogos, os animais. As etapas das viagens e acontecimentos têm o horário em que ocorreram.
A exposição reúne 19 documentos que, juntos, apresentam o processo de criação do escritor. É o avesso do bordado revelando devagar o direito do tecido e a paisagem alinhavada. “Assim como a bordadeira compõe seu bordado ponto a ponto, o escritor compõe seu romance, palavra a palavra. O ponto e a palavra, vistos de forma isolada, serão sempre um ponto e uma palavra. Inseridos em uma constelação de pontos e palavras, criam narrativas que contam histórias de mundos diversos, entre textos e imagens formadas”, explica a curadora Sandra Vasconcelos. “Foi assim, de palavra em palavra, que Grande Sertão: Veredas foi tecido. Seu autor, um dos grandes artesãos da palavra escrita, plasmou um universo em que no regional se mescla o universal. Tal qual a dedicada bordadeira que escolhe os retalhos para formar a toalha que enfeitará o centro da mesa, João Guimarães Rosa ensaiou sua obra com intensos estudos prévios. Foram leituras de obras como de Homero e Dante Alighieri. Foram criações de listas e mais listas de palavras. Foram viagens pelo sertão mineiro e pelo mundo. Em todas as atividades a que se propôs, para além do olhar do artesão, estava também presente o olhar do linguista, do biólogo, do etnógrafo, do geógrafo, do filósofo. Todos esses olhares convergem para o ofício de escritor.”
A exposição é apenas um convite para que os interessados na obra rosiana venham visitar os mais de 9 mil documentos do arquivo de Guimarães Rosa.”
Embora seja uma mostra aparentemente pequena e de curta duração, a expectativa da curadora é de que Pontos de Entremeio de Grande Sertão: Veredas desperte o interesse de novos pesquisadores. “Não há como estender o tempo dessa exposição porque todos os dias as peças são recolhidas e arquivadas para que não haja nenhum risco. São peças importantes para a cultura brasileira”, destaca. “A exposição é um convite para que os interessados na obra rosiana venham visitar os mais de 9 mil documentos do arquivo de Guimarães Rosa que, juntamente com sua biblioteca com mais de 3 mil títulos, desejam alinhavar futuras pesquisas.”
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Para a nova edição de Grande Sertão: Veredas, pesquisadores da Editora Companhia das Letras foram até o arquivo para entender detalhes da obra. “O designer gráfico Alceu Chiesorin Nunes criou a capa com a referência no avesso do bordado do Manto da Apresentação, do artista Arthur Bispo de Andrade, que reproduziu os nomes dos personagens”, conta a professora Diana Vidal.
Mais informações sobre a programação de Infinitamente Maio estão disponíveis em http://www.ieb.usp.br/infinitamente-maio/
O evento Infinitamente Maio acontece nos dias 14, 15 e 16 de maio, das 10 às 17 horas, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP (Avenida Professor Luciano Gualberto, 78, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.