Últimos dias para viver as “Coreografias do Impossível”

A 35ª Bienal de São Paulo se encerra neste domingo, dia 10, mas deixa as trilhas da liberdade da arte. A entrada é gratuita

 06/12/2023 - Publicado há 1 ano
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Obra de Kidlat Tahimik - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Ver tantas crianças sentadas ou deitadas no chão ouvindo atentas os vídeos, percorrendo as instalações ou até fazendo arte brincando de rolar nas rampas do prédio projetado por Niemeyer envolve artistas e público em uma energia que paira no ar. São as “Coreografias do Impossível” da 35ª Bienal de São Paulo, com os seus 121 artistas e 1.100 obras de arte em diferentes linguagens que se espalham pelos 30 mil metros quadrados do Pavilhão Ciccillo Matarazzo. A Bienal se encerra neste domingo, dia 10.

A proposta dos curadores Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel de trazer “novas perspectivas para o ser humano diante dos desastres ambientais e sociais do mundo atual” incentivou reflexões sobre a vida, o planeta e a trajetória do homem. Questionamentos que os artistas souberam expressar e estimular com sensibilidade criativa.

“Nosso objetivo foi criar uma edição sem categorias ou estruturas limitadoras. Essa visão nasceu em nossa equipe curatorial, onde abraçamos um sistema descentralizado, afastando-nos das normas tradicionais”, argumentam os curadores, em texto em que expõem a sua proposta. “Escolhemos conscientemente não ter um curador-chefe, buscando dissolver estruturas hierárquicas. Nossa lista abrange um amplo espectro de formas artísticas e vozes de vários territórios ao redor do mundo. Então a pergunta que permanece é: como as impossibilidades de nossa vida cotidiana refletem na produção artística? As “Coreografias do Impossível” nos ajudam a perceber que diariamente encontramos estratégias que desafiam o impossível, e são essas estratégias e ferramentas para tornar o impossível possível que encontramos nas obras dos artistas.”

35ª Bienal de São Paulo - Coreografias do Impossível - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Madeireiros gananciosos deixam para trás vastas paisagens de terra arrasada. O exército de motosserras tem como alvo a última fortaleza verde, lar das tribos”.

Visitar a 35ª Bienal significa deixar a arte abrir os seus olhos para a realidade que está exterminando o planeta. Com uma instalação gigantesca, logo no primeiro pavilhão, que reúne figuras mitológicas ancestrais como Ipupiara (termo tupi que significa “monstro marinho”) e Syokoy (espécie de homem-sereia), originárias respectivamente de povos indígenas brasileiros e de povos filipinos. Kidilat Tahimik, artista filipino, mostra a devastação que vai muito além dos seres humanos. As figuras mitológicas de uma cultura ignorada se misturam com foguetes, barcos e personagens da cultura pop. Tahimik denomina a instalação de Matando-nos Suavemente… com seus S.P.A.M.S. Em um texto na parede, argumenta: “Madeireiros gananciosos deixam para trás vastas paisagens de terra arrasada. O exército de motosserras tem como alvo a última fortaleza verde, lar das tribos”.

Sumidouro n.2. – Diáspora Fantasma, 2023 propicia um momento para se deixar encantar por grandes cortinas de palha em movimento. Elas parecem dançar com leveza, sugerindo um ritual que transporta o público para um espaço e tempo inusitados. Os criadores Diego Araujo e Laís Machado, baianos de Salvador, concretizam o elo entre a África e o Brasil. A obra reverencia a memória de Mãe Bernadete Pacífico, a líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Bahia, que foi assassinada neste ano.      

Entre as “Coreografias do Impossível” está a história de Rosana Paulino, contada através de sua arte em uma grande sala. Artista e professora, graduada e doutorada em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Rosana surpreende pela força e criatividade com que aborda temas como o racismo, o legado da escravidão e os desafios das mulheres negras na sociedade brasileira. A série Mangue traz grandes painéis de mulheres vestidas de amarelo, presas entre galhos de árvores, mas com as mãos carregando peixes, caranguejos ou um guará vermelho. Presas, mas bonitas e altivas. Em um grande painel de fotos, chamado de Parede da Memória, traz as imagens dos homens, mulheres e crianças presentes na vida da artista.

Importante também observar as pinturas do Mahku (Movimento dos Artistas Huni Kuin), um coletivo de artistas fundado em 2013, da Terra Indígena Kaxinawá, de Rio Jordão, no Acre. É formado por Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin, Mana Huni Kuin, Acelino Tuin e Kássia Borges. São figuras humanas e não humanas que impressionam pelas cores e trama gráfica. Lembram as pinturas corporais e a reverência à natureza e aos antepassados.

A Bienal de São Paulo chega ao século 21 com um grande desafio: a renovação. E isso tem acontecido com densidade nas últimas edições, quando se ousou exibir proposições de vários coletivos de artistas que lidam com as inserções de gênero, ancestralidades e cosmovisões”.

Alecsandra Matias, crítica de arte e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP,  faz uma análise sobre o perfil das Bienais.  “Dos gabinetes de curiosidades, passando pelos salões europeus no século 18 e 19, chegando ao ‘cubo branco’ do Modernismo entre os séculos 20 e 21, o modo de exibir as obras tornou-se ponte entre arte e público e, além do mais, espelha valores, ideias e estigmas de uma época”, observa. “Ao entrar no espaço controlado das galerias ou dos museus de arte, poucos visitantes se dão conta de que estão diante de um ambiente historicamente construído. De modo geral, as exposições de arte acompanham as demandas da sociedade e apresentam transformações circunscritas ao modo de fruição”.
A crítica de arte Alecsandra Matias de Oliveira - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Sob essa perspectiva, Alecsandra ressalta que “grandes exposições, tais como a Bienal de Veneza e a Bienal do Mercosul, nas suas últimas edições, têm aberto espaço para novas autorias e proposições, enfatizando a produção ligada à pluridiversidade, reexaminando e desvinculando-se da arte eurocentrada”. E reitera: “A Bienal de São Paulo chega ao século 21 com um grande desafio: a renovação. E isso tem acontecido com densidade nas últimas edições, quando se ousou exibir proposições de vários coletivos de artistas que lidam com as inserções de gênero, ancestralidades e cosmovisões (afrodescendentes e indígenas) na arte contemporânea. Na 34ª edição, com o tema “Faz Escuro Mas Eu Canto”, artistas como Jaider Esbell, Daiara Tukano e Gustavo Caboco despertaram a atenção do público e suscitaram discussões sobre a arte indígena contemporânea, suas epistemologias e motivações”.

Sobre a 35ª edição, a crítica de arte analisa: “Com o tema ‘Coreografia do Impossível’, surgem propostas tais como a de Rosana Paulino, Ayrson Heráclito e Sônia Gomes, pautadas em debates não hegemônicos, como o feminismo interseccional e as lutas antirracistas. E esse modo de ‘fazer arte’ não se restringe aos criadores brasileiros, mas está também espalhado pela manufatura de artistas de diversas nacionalidades, especialmente africanos e latino-americanos, mostrando o reexame das epistemologias que movem a arte e evidenciando ainda que há uma intensa movimentação no circuito internacional. Em síntese, a Bienal de São Paulo se coaduna às Bienais de Veneza e do Mercosul, assim como oferece ao público a possibilidade de ver e usufruir propostas artísticas que pensam o indivíduo, a coletividade e as memórias historicamente subjugadas. Acima de tudo, a arte espelha, nesta edição do evento, os modos de estar e sentir o mundo”.

A 35ª Bienal de São Paulo – Coreografias do Impossível está em cartaz até este domingo, dia 10, quinta-feira e sábado, das 10h às 21h, sexta-feira e domingo, das 10h às 19h, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo do Parque Ibirapuera (Avenida Pedro Álvares Cabral, sem número, Portão 3, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis.


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