Tradutor de Guimarães Rosa para o sueco faz palestra na USP

Nesta sexta-feira, dia 11, o professor Stefan Helgesson, de Estocolmo, vai falar sobre seu novo livro, em que faz análises sobre a obra de Antonio Candido

 09/08/2023 - Publicado há 12 meses

Da esquerda para direita, Antonio Candido, Stefan Helgesson e Guimarães Rosa - Imagens: Fotomontagem (Facebook/Antonio Candido, Reprodução/Sören Andersson e Wkimedia Commons)

O professor Stefan Helgesson, da Universidade de Estocolmo, na Suécia – tradutor para o sueco de Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa -, fará uma conferência na USP, nesta sexta-feira, dia 11, às 17 horas, sobre seu livro mais recente, Decolonisations of Literature: Critical Practice in Africa and Brazil After 1945, publicado no ano passado. Com entrada grátis, o evento será realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), como parte da série Conferência com o Autor, promovida pela FFLCH.

O novo livro de Helgesson – que leciona Literatura Inglesa na Universidade de Estocolmo – é um estudo sobre críticos literários de quatro países pós-coloniais: África do Sul, Brasil, Senegal e Quênia. No segundo capítulo, o professor elabora a mais extensa análise já escrita em inglês da obra do crítico literário e professor da USP Antonio Candido (1918-2017).

Helgesson olha para as nações do Sul global com um olhar comparativo em busca de entender como os críticos formaram uma alternativa ao conceito europeu de literatura. As principais teses do livro são que o significado de literatura está constantemente sendo refeito e que os pensadores do Hemisfério Sul são agentes estrategicamente posicionados nesse processo. “O que descubro no meu trabalho é que nunca existe só uma estratégia para descolonizar a literatura e não existe uma estratégia perfeita”, afirma Helgesson em entrevista ao Jornal da USP, por videochamada, num fluente português com sotaque de Portugal.

Uma preocupação recorrente entre os críticos do Sul, segundo Helgesson, é proteger a literatura em prol de fortalecer a autonomia local. Essa defesa é o que define a descolonização, caracterizada pelo professor como “o esforço coletivo por autonomia em contextos marcados por histórias de colonização”. Outra característica que une esses críticos, acrescenta Helgesson, é o fato de eles estarem localizados na periferia dos centros de produção de conhecimento, no Norte.

Sobre o Brasil, Helgesson identifica quatro fases da crítica literária: a primeira é a fase romântica e pós-Independência, a partir de 1822; a segunda é a positivo-evolucionista, no final do século 19; a terceira corresponde à fase modernista, em meados do século 20, e a quarta, a tropicalista e pós-modernista, de 1970 em diante. O professor posiciona Antonio Candido como um intelectual da terceira fase.

Stefan Helgesson - Foto: Arquivo Pessoal

O professor Stefan Helgesson, da Universidade de Estocolmo, na Suécia - Foto: Reprodução/Sören Andersson

No segundo capítulo de Decolonisations of Literature, Helgesson se aprofunda na análise de um novo significado para a literatura brasileira em Antonio Candido. Segundo ele, o crítico combina uma concepção supostamente universal, mas, de fato, eurocêntrica. Para Helgesson, isso não é uma contradição absoluta, e sim uma condição. “O caso brasileiro foi um exemplo de sistema literário que não era possível imaginar sem o contexto europeu e a história colonial, mas Candido também via o sistema em um processo de afastamento”, explica.

Segundo o professor, Candido constrói um “conceito forte de literatura”. Essa concepção dá ênfase às qualidades formais específicas das obras e ao campo literário. Por outro lado, há a possibilidade de também descolonizar a literatura através de um “conceito fraco”, como ocorre no trabalho da crítica sul-africana Isabel Hofmeyr. Nesse caso, o significado é amplo e aponta para textos que não são historicamente reconhecidos como literatura.

Por causa do eurocentrismo, Helgesson diz que não é possível extrapolar a obra de Candido para outros contextos culturais. “O tipo de análise que achamos na obra dele não pode explicar, por exemplo, a literatura na Nigéria”, detalha. Para o professor, não pensar nas implicações da literatura brasileira escrita por afro-brasileiros é uma fraqueza causada pela centralidade da experiência europeia. Dentro dessa condição, o professor define o pensamento de Candido como “uma ferramenta eficaz para analisar e compreender os limites e as possibilidades da literatura no Brasil”.

Há ecos nos debates sobre o campo literário entre o Brasil e a África do Sul, o que Helgesson diagnostica como resultado de posicionamentos históricos produzidos pelo colonialismo e pelo capital global. Ambos os países foram colônias e hoje são grandes economias industrializadas do Sul global marcadas por desigualdades raciais, descreve.

Publicado em 2022, o livro do professor Stefan Helgesson, Decolonisations of Literature: Critical Practice in Africa and Brazil after 1945 está disponível gratuitamente na internet - Foto: Divulgação/Liverpool University Press

Apesar disso, as críticas literárias sul-africana e brasileira estão distanciadas. “Historicamente, a África do Sul está virada para a Inglaterra e os Estados Unidos, e o Brasil, para a Europa”, explica Helgesson. Existem trocas culturais entre o Brasil e países lusófonos do continente africano, mas a orientação cultural sul-africana não é para a América Latina, destaca o professor.

“A língua de Guimarães Rosa contém um mundo inteiro em si”

Em português, “acontecia o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação”. Em sueco, icke-faktumet, icke-tiden, tystnaden försiggick i deras tankar. A passagem é do livro Primeiras Estórias (1962), de Guimarães Rosa, e a tradução da obra foi feita em 2018, pelo professor Stefan Helgesson, em parceria com Marcia Sá Cavalcante Schuback, professora de Filosofia da Universidade de Södertörn, também na Suécia.

O interesse de Helgesson pela literatura brasileira não se limita a Antonio Candido. O autor nasceu na África do Sul e já viveu em Moçambique, onde aprendeu a falar português. Quando iniciou sua pesquisa literária sobre o campo pós-colonial, surgiu seu interesse por escritores do Brasil. Helgesson conta que começou a se aventurar pela literatura rosiana em 2006, quando foi apresentado ao autor por amigos brasileiros.

A obra Primeiras Estórias é composta de 21 contos curtos. “É um português muito particular, tem os neologismos, as palavras vernáculas do Brasil, a língua de Guimarães Rosa contém um mundo inteiro em si que eu ainda estou explorando”, relata o professor. Esse mundo já foi explorado na língua sueca anteriormente, como na tradução de Grande Sertão: Veredas feita em 1974 por Örjan Sjögren.

A atual edição sueca de Primeiras Estórias combina a tradição literária do Brasil à da Suécia. Há autores no norte daquele país que criam experiências em seus textos semelhantes às do sertão em Rosa, diz Helgesson. “A tradução em si é uma tarefa difícil e limitada. Em diálogo com a professora Márcia, consegui achar uma língua sueca que não é a mesma de Guimarães, mas produz um efeito em relação ao texto original.”

Capa da primeira edição brasileira de Primeiras Estórias, de 1962, e a edição sueca da obra de Guimarães Rosa - Imagens: Editora José Olympio/Wikimedia Commons

No circuito literário sueco, a recepção do escritor mineiro, da terceira geração modernista, é limitada. Segundo Helgesson, a obra mais conhecida é A Terceira Margem do Rio (1962), mas Rosa ainda é pouco lido. “Os textos dele são regionais, mas também, para usar um termo de Candido, hiper-regionais, porque misturam tantas línguas e neologismos”, acrescenta Helgesson.

conferência do professor Stefan Helgesson será nesta sexta-feira, dia 11, às 17 horas, na sala 118 do Edifício de Filosofia e Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações estão disponíveis no site da FFLCH.

O livro Decolonisations of Literature: Critical Practice in Africa and Brazil after 1945, de Stefan Helgesson, está disponível gratuitamente na internet (clique aqui).

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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