Tem nome de santo, mas em tudo é uma cidade humana

A São Paulo de 12,04 milhões de habitantes acontece no coração dos arquitetos, urbanistas e artistas da FAU USP

 24/01/2017 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 01/02/2017 às 12:56
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Centro da cidade: priorizar o paisagismo – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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“É como se fosse uma imensa pessoa com aspectos bons e ruins também. Todos os temos. São Paulo tem nome de santo, mas é uma cidade essencialmente humana. Ela reflete a bondade e também a maldade que está em cada um de seus 12,04 milhões de habitantes…” – Com essa observação, o professor, Bruno Padovano, titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, admite que, sem querer parodiar Caetano Veloso em Sampa, sente algo diferente quando cruza a Ipiranga com avenida São João. Importante lembrar que o professor também é músico e compositor. E como coordenador científico do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia e Urbanismo (NUTAU) da USP, faz questão de homenagear São Paulo em seus 463 anos analisando os traços que compõem o rosto da cidade.
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São Paulo: aspectos da economia – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
São Paulo: aspectos da economia – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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“Temos que colocar todos os aspectos numa balança. Talvez ainda esteja pendendo para os negativos. Mas isto quer dizer que há ainda muito o que se fazer e muita mudança para acontecer”, avalia Padovano. “Entre os bons aspectos desta pessoa urbanizada, diria que é economicamente pujante, que oferece oportunidades para sua população, comparativamente a outros centros brasileiros. Muitas empresas, muitas atividades, bons serviços, equipamentos comerciais excepcionais, uma gastronomia de primeiro mundo, especialmente na parte mais rica.”

Padovano continua analisando o ser São Paulo. “Importante destacar o custo de vida alto, dificuldade para as pessoas irem de um lado ao outro daquela que podemos chamar uma ‘dupla megacidade’. Ou seja, o município e o conjunto dos demais 38 municípios da Região Metropolitana; ambos totalizando, cerca de 20 milhões no total. Um imenso mercado numa urbanização só, que vai se conurbando com outras grandes aglomerações urbanas como Campinas, Santos, Sorocaba e São José dos Campos.”

Algo que São Paulo tem, segundo Padovano, que a diferencia de todas as outras metrópoles no mundo é a afetividade. “Neste sentido, São Paulo é humana ao cubo. Quando você dá um abraço, ganha dois”. Na visão técnica, o professor ressalta: “Mas poderia ser muito melhor se tivesse investimentos no seu planejamento, urbanismo, paisagismo e infraestrutura de forma integrada para que se torne como uma única pessoa, de bem consigo mesma, com mais aspectos positivos do que negativos em seu caráter. Mais parecido com o santo que seu nome indica.”

A experiência da diversidade
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O reconhecimento da cidade impõe a prática política – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O reconhecimento da cidade impõe a prática política – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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A cidade para a paulistana Maria Cristina da Silva Leme, arquiteta urbanista e professora titular da FAU USP, é instigante e paradoxal. “A experiência da diversidade, o confronto de práticas a constituíu de variadas formas. O reconhecimento da cidade, mais ainda desta cidade em sua escala metropolitana, impõe à prática política, a elaboração de análises diversas tomando como problema escalas, objetos e recortes múltiplos”, pontua.

Maria Cristina destaca três temas atuais e fundamentais desta complexidade: a presença estrangeira, a relação centro periferia e a continuidade das políticas públicas. “Assumo como fio condutor inicial a presença estrangeira, um forte traço que caracteriza São Paulo e que assinala os processos de transformação econômica, social e cultural, com profundas marcas nas características físicas desta cidade. As razões dos deslocamentos e das permanências dos estrangeiros são várias.”

Na sua análise, a professora lembra a chegada, desde 2010, dos nigerianos como refugiados de guerra e os haitianos que migraram depois da destruição de suas cidades pelo terremoto. “Morando inicialmente em abrigos no centro, estão mesmo que precariamente, se fixando em Guaianazes onde a informalidade e preços baixos definem a escolha do bairro.”

A arquiteta assinala a mudança provocada pelos novos habitantes no cotidiano da região. “Há bares de música africana, restaurantes típicos, cultos em francês e crioulo, igrejas, onde se mistura o francês e o inglês. Migrantes de curta permanência, os haitianos, por sua vez, começam a se deslocar para outros países com melhores oportunidades de trabalho.”
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Cidade construída pelos imigrantes – Foto: Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Cidade construída pelos imigrantes – Foto: Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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As formas de trabalho que os migrantes assumem ao permanecer na cidade é outro ponto importante. Maria Cristina faz uma retrospectiva histórica. “Desde o final do século19, os grupos migrantes que aqui se estabeleceram e fixaram construíram com seus hábitos novas linguagens, projetos e intervenções. O bairro do Bom Retiro, um exemplo da dinâmica econômica de Sao Paulo foi habitado inicialmente por imigrantes italianos, sucedidos por judeus, em seguida coreanos. Especializado na indústria e comércio de confecções manteve esta característica, apesar da substituição gradativa dos grupos migrantes. Os mais recentes vindos principalmente da Bolívia, Peru e Paraguai revelam as formas complexas atuais do trabalho na produção de confecção de São Paulo, onde se misturam a moradia e o local de trabalho e que podem ser encontrados tanto nos bairros centrais como na periferia.”
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O desafio de planejar a cidade – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O desafio de planejar a cidade – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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O centro e a periferia

As plantas, segundo Maria Cristina, podem iludir um observador desavisado sobre as formas de mobilidade que se estabelecem em São Paulo. “Porém, as histórias dos bairros e as histórias de vida nos falam do isolamento em que vivem os habitantes dos bairros mais periféricos. A ida ao centro, a comunicação de um bairro a outro se faz de forma precária, com tempos de deslocamento muito grandes. Ressalto, nesse sentido, as mudanças recentes no padrão de mobilidade na cidade. Estas constituem de fato uma mudança de paradigma.”

A prioridade ao transporte coletivo é, na avaliação da urbanista, um principio fundamental, agora ancorado por outras políticas como a do uso do espaço público e a de uso do solo. “Diminuir o espaço do automóvel permite uma revisão à critica histórica ao Plano de Avenidas de Prestes Maia que definiu como prioridade o transporte sobre pneus em relação ao transporte sobre trilhos dos bondes da Light”, observa. “Ao definir a prioridade ao transporte coletivo é possível combinar modais como o ônibus, o metrô, a ferrovia, o VLT e estabelecer conexões. Falta muito para que esta política entranhe de fato e modifique o cotidiano do habitante de São Paulo. Mas se houver garantia da continuidade o avanço será possível.”

Abrir a possibilidade da continuidade das políticas públicas é um dos desafios na gestão da cidade. “Vou me manifestar como urbanista que estuda largos períodos do urbanismo colocado em prática em São Paulo”, acentua Maria Cristina. “A continuidade permite ao cidadão poder contar com a previsão e a continuidade no tempo da realização da política pública. Representa também a valorização de um saber técnico sedimentado em sucessivas administrações. É preciso combinar a continuidade com a inovação, a crítica, e experimentar o novo. Diriam alguns que é tarefa para muitos. Já eu digo que é ofício para poucos.”

O balanço dos problemas e o questionamento sobre os temas urgentes da cidade de São Paulo foram apresentados por  Maria Cristina já na exposição coletiva Cartas ao Prefeito, realizada na gestão de Fernando Haddad. “Este projeto contou com a participação de arquitetos e urbanistas, cujas cartas foram expostas em uma galeria no Edifício Copan e entregues ao prefeito”, explica.
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São Paulo: 12, 04 milhões de habitantes – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
São Paulo: 12, 04 milhões de habitantes – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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O papel da FAU

Planejar as metrópoles priorizando a boa formação de arquitetos e urbanistas tem sido a meta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Daí assinalar a importância da implantação, em 2017, do mesmo Programa de Residência em Arquitetura e Urbanismo desenvolvido em 2015 e 2016.

“Esse programa foi o primeiro de residência em planejamento e gestão urbana do País”, assinala Maria Cristina da Silva Leme, professora titular da FAU e coordenadora do projeto. “É a garantia de uma melhor formação e do desenvolvimento das metrópoles. Concebida no âmbito de cultura e extensão, constitui uma edição continuada ao curso de graduação.”
O Programa de Residência em Arquitetura e Urbanismo: Planejamento e Gestão Urbana contou com a participação de 32 alunos de universidades de todo o Brasil. “A residência em arquitetura e urbanismo é similar ao de residência em medicina”, esclarece. “Em convênio com a Prefeitura de São Paulo foram selecionados estudantes que tiveram disciplinas ministradas na FAU e participaram ativamente do desenvolvimento dos planos das subprefeituras. Foi uma formação muito bem sucedida.”

A expectativa da professora é que a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo (SDMU – PMSP) dê continuidade ao programa de residência da FAU. “Seria muito importante para São Paulo. E os estudantes poderiam implementar essa experiência e aprendizado em outras metrópoles do País.”

Além de Maria Cristina, o programa contou com a coordenação técnica da professora da FAU Maria Lucia Refinetti Martins. Na SDMU, participaram a coordenadora institucional Carolina Heldt Almeida e o coordenador técnico Fabio Mariz Gonçalves.


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