Educação, um dos maiores desafios para o desenvolvimento do País

Para docentes da USP, reconhecimento do protagonismo social e econômico do Estado deve estar entre as prioridades

Por redação

 22/12/2021 – Publicado há 3 anos     Atualizado: 03/01/2022 às 12:44

Existem alguns consensos mais ou menos vocalizados na sociedade brasileira. O tipo de crença que é, ao mesmo tempo, sentido no íntimo de cada um e parece estampado em praticamente todos os jornais e revistas desde que aprendemos o alfabeto. Uma equação ajustada perfeitamente a esse modelo é aquela que constata os profundos problemas do país e determina a educação como chave de superação de tais questões.

Se as nações se desejassem boas festas e trocassem votos de ano novo, o Brasil receberia há décadas mensagens sinceras e comoventes de melhorias em sua educação. Pode ser ano eleitoral ou a dúvida entre um voto e outro, estão lá políticos de todo o arco-íris ideológico falando da necessidade de renovar, reformar ou revolucionar o ensino. Dos delírios diante do quadro-negro – nem todas as escolas têm projetores informatizados, lembre-se – aos repetidos refrões da importância de se ler, entender e colocar em prática as palavras de Paulo Freire, a verdadeira unanimidade nacional é a certeza de que é preciso dar um jeito na educação brasileira.

Pensando nisso, o Jornal da USP ouviu especialistas da área para saber que caminhos poderiam ser tomados em 2022 para colocar a educação nos trilhos. Um breve balanço de como terminamos 2021 e o que se pode desejar ou esperar para o ano que vem, na visão de profissionais engajados do setor.

“O panorama hoje se nos apresenta repleto de dilemas desorientadores”, constata Bernardete Gatti, conselheira da Câmara de Educação Superior e integrante do Comitê Consultivo da Cátedra de Educação Básica do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. “Precisamos privilegiar o bem comum, o bem público, o respeito à diversidade, mantendo princípios éticos e sociais, sem desesperançar.”

“O panorama hoje se nos apresenta repleto de dilemas desorientadores”, afirma Bernardete Gatti - Foto: IEA/USP

Para Luís Carlos de Menezes, coordenador acadêmico da Cátedra e professor sênior do Instituto de Física (IF) da USP, os anos de pandemia escancararam e aprofundaram as desigualdades do País, especialmente na educação. Por outro lado, uma de suas consequências foi difundir recursos tecnológicos de informação e comunicação que se mostraram importantes para o ensino.

Não foi só a crise sanitária, entretanto, que afetou a educação, aponta o professor. A atuação do presidente da República Jair Bolsonaro contribuiu para o quadro que se desenha no final de 2021. “Os anos da atual gestão federal de populismo autoritário também têm diferentes impactos centrais, o do reacionarismo de costumes e o do negacionismo científico-cultural, com danos sanitários e econômicos, acompanhados por correspondente polarização política”, analisa Menezes.

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Um exemplo desses danos e do descaso do governo federal com a educação pode-se ver na recente crise do Inep, quando faltando poucos dias para a avaliação do Enem, em finais de novembro, um grupo de servidores do Inep solicitou afastamento dos seus atuais cargos e funções, alegando “falta de comando técnico” e “clima de insegurança e medo”. “O governo Bolsonaro sempre interpretou o Enem como algo a ser desconstruído, como um entrave às políticas da gestão, e não como uma política de Estado, de democratização do acesso ao ensino superior”, afirmou ao Jornal da USP Daniel Tojeira Cara, professor e pesquisador da Faculdade de Educação (FE) da USP.

A superação ou, ao menos, a contenção de danos desses impactos passa, segundo Luís Carlos de Menezes, pela essencial ampliação do apoio aos excluídos. “Especialmente na educação será preciso reconhecer a escola em sua centralidade como espaço de acolhimento e desenvolvimento, para o que políticas compensatórias das disparidades e defasagens serão essenciais. Políticas públicas para a educação básica têm de considerar nossa enorme diversidade econômica e cultural, contemplando potencialidades e insuficiências”, recomenda Menezes.

Para educadores da USP, a pandemia intensificou e escancarou a desigualdade social. Contudo, houve avanços, principalmente quanto ao letramento digital de professores e alunos, o que abre perspectivas de recuperação para 2022.  Mas ainda há muito a se fazer. O educador Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Polo Ribeirão Preto do IEA, acredita na valorização do magistério para mudar o rumo da educação no País. Para dar prioridade à educação, é preciso antes de mais nada “valorizar o magistério”, criar mecanismo para tornar a carreira atrativa para os jovens brasileiros que, hoje, “não desejam ser professores em nosso país. Precisamos mudar isso”, disse ele ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional

Já a professora Elaine Assolini, do Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto avalia que a pandemia intensificou, principalmente, “a desigualdade social que marca este país” e que, para mudar o rumo da educação, “é fundamental que as políticas públicas cuidem sobretudo da alfabetização e do letramento de crianças, jovens e adultos neste país. Caso contrário, nós vamos continuar com índices baixíssimos quando somos avaliados por diferentes órgãos”.

É, também, cuidar das escolas e de sua autonomia, como pregava Paulo Freire, cujo centenário se comemorou este ano. No cerne da defesa da autonomia escolar está também a constatação de que não é o professor isolado que garante a qualidade da escola: é preciso um grupo de profissionais empenhados em uma proposta de sociedade, com uma concepção sobre o tipo de jovem que desejam formar. “Isso significa o direito, mas também o dever, de cada escola pública elaborar o que Freire chamava de projeto político-pedagógico”, explicou ao Jornal da USP Lisete Arelaro, professora emérita da Faculdade de Educação (FE) da USP.

“Os anos da atual gestão federal de populismo autoritário também têm diferentes impactos centrais, o do reacionarismo de costumes e o do negacionismo científico-cultural, com danos sanitários e econômicos, acompanhados por correspondente polarização política”, diz Menezes - Foto: IEA/USP

Não será no curto prazo, entretanto, que os danos do atual governo poderão ser revertidos, pondera o professor Menezes, do IEA. Isso porque eles não foram gestados de 2017 para cá, mas são sim o agravamento de problemas históricos, cuja questão central é a exclusão social crescente, motivada pelo desemprego estrutural. “O desenvolvimento de corresponsabilidade comunitária para promover ocupação e qualificação de excluídos precisa ser seguido da superação do mero assistencialismo por bolsas ou auxílios, que ‘naturalizam’ a miséria, por efetiva inserção produtiva e cultural.”

Diante desse cenário, o que seria decisivo entrar na pauta dos presidenciáveis de 2022? Para Bernardete, é crucial a formulação de propostas claras garantindo que a trajetória escolar das crianças e adolescentes tenha o suporte necessário para as aprendizagens essenciais, evitando assim o processo histórico de evasão escolar.

A professora sublinha também a importância da presença do ensino superior nos programas dos candidatos. “Valorizar a formação superior e o conhecimento científico, propondo e mantendo programas que sustentem o acesso à educação superior e qualifiquem melhor essa educação”, indica Bernardete. “Os programas de investigação científica devem ter os apoios necessários para propiciar avanços nos conhecimentos que sustentem um viver/conviver melhor e que ajudem a encontrar caminhos para a superação de desigualdades aviltantes.”

Para Menezes, a mencionada inserção produtiva e cultural deveria integrar os programas de governo daqueles candidatos compromissados com a responsabilidade política. Essa agenda seria uma oposição àquilo que o professor considera uma proposta ultraliberal predatória, que pretende desobrigar o Estado do seu protagonismo social e econômico.

“Diferentemente da pretensa sedução de eleitores e financiadores por pretenso escambo de vantagens”, afirma o docente, “espera-se dos programas a serem debatidos que revelem de que forma produção, cultura e serviços serão promovidos e articulados em função dos interesses populares, para que nosso País deixe de ser visto como pária ambiental, social e diplomático”.