Área de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP completa 60 anos

A revista Literatura e Sociedade lança edição especial para contar a história desta área pioneira criada por Antonio Candido

 02/09/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 03/09/2021 as 14:08
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Fotomontagem por Rebeca Alencar com imagens de Atílio Avancini e Revistas USP

A história dos 60 anos da criação da Área de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo é homenageada pela revista Literatura e Sociedade. Nesta edição especial, número 33, o leitor percorre o caminho idealizado pelo fundador Antonio Candido de Mello e Souza e trilhados pelos mestres João Alexandre Barbosa, Davi Arrigucci Júnior, Ligia Chiappini Moraes Leite, Aurora Fornoni Bernardini, Teresa Pires Vara, Boris Scnaiderman, João Luiz Lafetá entre outros grandes humanistas.

A revista destaca também os 30 anos da criação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada (DTLLC), apresentando uma compilação de textos com depoimentos, discursos e documentos como memoriais acadêmicos. Um trabalho coordenado pela comissão editorial integrada por Ariovaldo Vidal, Edu Teruki Otsuka e Maria Augusta Fonseca, professores do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

“Na variada reunião de textos aqui apresentados como uma carta documento enviada por Antonio Candido a João Alexandre Barbosa, contando da criação da Área, encontra-se também um texto elaborado pelo professor João Luiz Lafetá abordando modificações no programa de Mestrado no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada”, observa a comissão editorial. “Além desse, e por fim, alguns documentos oficiais como o pedido de formação do DTLLC, assinado pela professora Walnice Nogueira Galvão; os Pareceres dos professores Celso de Rui Beisiegel e Jobson de Andrade Arruda; e finalmente a Resolução e a Portaria que deram existência formal ao Departamento.”

Antônio Cândido – Foto: Cecília Bastos – Jornal da USP

A revista Literatura e Sociedade rende um tributo aos professores que se foram ao longo do caminho, além de Antonio Candido. “Prestamos homenagem pelo convívio, pelas contribuições dadas à Área e ao Departamento: Lucilla Ribeiro Bernardet, João Luiz Lafetá, Roberto Ventura, João Alexandre Barbosa, Joaquim Alves de Aguiar, Modesto Carone que, por alguns anos atuou no Departamento, e Eduardo Vieira Martins”, destacam os editores.

“Creio que a reflexão sobre as nossas raízes faz ter confiança no futuro,   mesmo   porque   o   futuro   se   constrói.   Chegaremos   a   uma universidade onde a atividade política não sirva de pretexto para escapar à dura e difícil tarefa do saber”

Capa da revista Literatura e Sociedade – Foto: Reprodução/Revistas USP

O discurso O saber e o ato que o professor Antonio Cândido proferiu no dia 30 de agosto de 1984, quando recebeu o título de professor emérito, está documentado na revista Literatura e Sociedade. É para ler e reler.

“Na Faculdade de Filosofia, a minha geração entrou em contato com os aspectos mais positivos da cultura das metrópoles, através de mestres que funcionavam como heróis civilizadores. A sua importância decisiva está no ato de nos haverem lançado em dois rumos complementares: a iniciação   nos   processos pertinentes   do   saber   desinteressado;   e   a consciência de que a realidade do nosso país era o objeto central de sua aplicação.”

Em outro trecho, o professor observa:

Creio que a reflexão sobre as nossas raízes faz ter confiança no futuro,   mesmo   porque   o   futuro   se   constrói.   Chegaremos   a   uma universidade onde a atividade política não sirva de pretexto para escapar à dura e difícil tarefa do saber, que exige concentração e sacrifício, em etapas nas quais o estudioso pode pôr o mundo entre parênteses. Uma universidade onde, reciprocamente, a busca fundamental do saber não seja pretexto para ignorar os graves problemas do tempo, nem o dever de participar para a sua solução. Se prefiro ser otimista, é porque cresci intelectualmente numa escola que trouxe tanta coisa importante ao nosso país, e tem recursos para se renovar.

 

 O golpe foi no dia 31 de março, e no dia 2 ou 3 a Faculdade foi invadida. Eu ia dar minha aula à noite, deixei meu automóvel na rua Dr. Vila Nova e virei na Maria Antônia. Quando eu virei, já vinha uma multidão correndo, professores e alunos ”

 

A revista também traz uma entrevista de Antonio Candido concedida no dia 20 de maio de 2003, para Daniel Cantinelli Sevillano, na época aluno sob orientação de Sedi Hirano, durante as comemorações dos 70 anos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Sevillano pergunta a opinião do professor sobre a situação da Faculdade de Filosofia com o golpe de 64 e o AI-5 em 68.

“Esta foi uma fase mais madura da Faculdade. A maioria dos professores eram brasileiros, que podiam atuar politicamente. E a Faculdade já era muito politizada, talvez a mais politizada de São Paulo, ao contrário de antes. A Maria Antônia se tornou um polo, que atraía toda a mocidade da cidade. À noite, você tinha centenas de pessoas que não eram alunos e ficavam conversando na calçada, no bar da esquina, no saguão. Bem em frente nós tínhamos o Mackenzie, universidade extremamente conservadora. Então a rua ficou mais ou menos assim: radical de cá, conservadora de lá. A Maria Antônia ficou muito mal vista pelas autoridades. De fato, se você fosse fazer um levantamento do número de professores de esquerda, era um número muito grande; os alunos, então, eram a maioria. Houve a briga dos estudantes daqui com os estudantes dali; gerou conflito, aquela calamidade, até morreu gente. Houve feridos, o prédio ficou destruído, bombas jogadas lá dentro, prisões na hora. Eu estava lá.”

A Batalha da Maria Antonia, em 1968, entre estudantes da USP e do Mackenzie – Foto: Hiroto Yoshioka/Acervo Centro Universitário Maria Antonia – PRCEU USP

 
Sobre o golpe de 64 relata:

“Com o golpe, a Faculdade foi invadida imediatamente. O golpe foi no dia 31 de março, e no dia 2 ou 3 a Faculdade foi invadida. Eu ia dar minha aula à noite, deixei meu automóvel na rua Dr. Vila Nova e virei na Maria Antônia. Quando eu virei, já vinha uma multidão correndo, professores e alunos. E uma aluna, que não gostava de mim porque eu a tinha reprovado, disse: “Professor, não vá lá que eles matam o senhor”. Eu vi passar professores em pânico, dizendo para não ir lá. Eu queria saber o que era aquilo, e fui contra a multidão até chegar lá. Quando cheguei no prédio, não pude entrar. Procurei o chefe da Guarda Civil, que me disse que eu não podia entrar, que eram as ordens que ele havia recebido, que quem estava dentro não saia, e quem estava fora não entrava. Fiquei por ali até que resolvi ir ao bar da esquina, e telefonei para o diretor e o secretário da Faculdade, que foram para lá. Passado isso, eles instituíram um IPM, Inquérito Policial Militar. Mas eles chamaram apenas quatro professores, o João Cruz Costa, da Filosofia, o Florestan Fernandes e o Fernando Henrique de Sociologia, e o Mário Schenberg de Física, e um aluno. Todos os professores tinham fama de comunista. Foram chamados, interrogados pelo IPM e acabou não dando em nada. A única coisa que deu foi a prisão do Florestan, porque ele disse para o coronel do IPM que havia escrito uma carta e que gostaria de lê-la. Quando o coronel a leu, ele disse para o Florestan não entregar a carta, porque ele seria obrigado a prendê-lo se ele fizesse aquilo. O Florestan disse que a carta estava entregue, e aí ele foi preso. Nós descobrimos que o Florestan estava preso num Quartel de Infantaria no Parque Pedro II. Fomos eu, os professores Fernando de Azevedo e Aziz Simão e mais uma ou duas pessoas. Não nos deixaram vê-lo, mas o Florestan disse depois que havia ouvido a nossa voz. No dia seguinte, eles perceberam a burrada que tinham cometido, e soltaram o Florestan. Quando ele chegou na Faculdade, foi uma apoteose, todo mundo cantando o hino nacional. Nos anos seguintes, a situação acalmou um pouco, até que a coisa ficou feia mesmo em 68, quando baixaram o AI5 e foram cassados Florestan, Fernando Henrique, Ianni, Paula Beiguelman, Osvaldo Giannotti, Bento Prado.”

Nesta edição especial, a revista Literatura e Sociedade traz discursos e depoimentos de grandes mestres do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada . Os links para acessar gratuitamente a edição número 33 são:

http://www.revistas.usp.br/ls
https://www.revistas.usp.br/ls/issue/view/12092


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