Crianças usuárias de drogas em situação de rua – Foto: Devanir Amancio - Flickr

Recuperação de crianças e adolescentes usuários de drogas exige ambiente seguro e empático

Estudo realizado por pesquisadoras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto traz contribuições importantes para a construção de políticas públicas e serviços de atenção a esses jovens

 22/02/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 24/02/2022 as 16:10

Por: Brenda Marchiori

Arte: Jornal da USP

O ambiente, a rotina, o cuidado próximo e afetivo e a qualificação dos profissionais são fundamentais para um atendimento eficaz de jovens em situação de vulnerabilidade social e necessidades decorrentes do uso de drogas. Esses são os indicativos nos resultados de pesquisa realizada durante o mestrado de Júlia Corrêa Gomes, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, orientada pela professora Clarissa Mendonça Corradi-Webster. Esses resultados, avaliam as pesquisadoras, “oferecem contribuições para a compreensão de aspectos importantes dos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes usuários de drogas, que precisam ser considerados na construção de políticas e serviços de atenção a esses jovens”.

A pesquisa Cuidado institucional a crianças e adolescentes usuários de drogas analisou a forma como uma Unidade de Acolhimento Infantojuvenil presta serviços em Ribeirão Preto. A conclusão do trabalho mostra que esse tipo de serviço deve estar atento às necessidades básicas dos jovens, construir uma rotina flexível e estabelecer regras e limites aos adolescentes. Mas, permeando todo o relacionamento de cuidados, verificaram que os “vínculos afetivos se mostraram fundamentais”.

Coordenadora do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicopatologia, Drogas e Sociedade (LePsis) da USP, Clarissa conta que os membros do LePsis já haviam notado um crescimento de internações de adolescentes em clínicas para tratamentos de uso de drogas, com posterior relato sobre as más condições dessas clínicas. Entre as principais queixas ouvidas pelo pessoal do LePsis, estavam desrespeitos, agressões, violações, além da falta de uma proposta terapêutica dirigida a essa faixa etária. Segundo Clarissa, os adolescentes dizem que ficam isolados “em um lugar longe da comunidade por muitos meses”.

Clarissa Mendonça Corradi-Webster - Foto: The Taos Institute/Reprodução

Clarissa Mendonça Corradi-Webster – Foto: The Taos Institute

Sobre a escolha da unidade de acolhimento infantojuvenil no município de Ribeirão Preto, a professora diz que apresentavam “uma proposta muito interessante e alternativa de cuidado para esses jovens”, que não eram isolados em locais distantes. Os pesquisadores queriam conhecer as características desse serviço que, segundo os profissionais da rede de atenção do município, era definido como de um “cuidado diferenciado e interessante para essa população”.

O que chamou a atenção da equipe, diz Clarissa, foi a maneira como construíram uma rotina flexível com regras acordadas junto aos adolescentes, que dá ênfase ao estabelecimento de regras “sem autoritarismo, em uma relação horizontal de cuidado”. Para a professora, o ideal nesses ambientes é conversar com os jovens sobre as regras, negociar e ter flexibilidade para que compreendam os motivos de serem estabelecidas.

Júlia Corrêa Gomes - Foto: FAPESP

Júlia Corrêa Gomes – Foto: FAPESP

Cuidado profissional e empático

É preciso um olhar profissional e empático, uma vez que, no contexto do uso de drogas, há o “afunilamento da identidade e o adolescente acaba sendo visto e descrito sempre como um usuário de drogas e apenas isso”, diz Clarissa. Os adolescentes que chegam aos serviços de acolhimento, geralmente, possuem “histórias de muito sofrimento social” e são vistos de formas estigmatizadas e preconceituosas, o que “traz consequências muito ruins para a construção da identidade”. Diante disso, a professora observa que o cuidado próximo e afetivo dos profissionais é fundamental para desenvolver o vínculo e a confiança entre eles e os adolescentes.

Para os jovens, que vêm de situações de grande vulnerabilidade social, sem vivências de relacionamentos e confiança mútuos para a criação de vínculos, o processo é “lento e custoso”. Ao acolher e oferecer cuidados físicos e apoio emocional, conta Clarissa, “as instituições permitem que o adolescente encontre o outro, sinta-se visto em suas necessidades”, levando-os a desenvolverem segurança, confiança e autoestima, considerados “necessários ao convívio social”.

Criança usuária de drogas – Foto: Devanir Amancio – Flickr

Formas de atendimento específicas para essa população também são importantes, lembra a professora, para que haja a ampliação de “possibilidades de expressão dos adolescentes” e para que se enxerguem sob outras perspectivas na vida. Nesse sentido, os profissionais “têm a função de enxergar outras facetas do adolescente”, como observado na unidade estudada, onde se empregam técnicas para o treino de habilidades sociais e atividades para o manejo de agressividade e resolução de conflitos.

A qualificação profissional e o fortalecimento da articulação da rede de atenção ofertada aos adolescentes também são essenciais. Isso porque “a provisão afetiva, no contexto institucional, acaba sendo um trabalho protetivo temporário” e outros serviços devem continuar prestando cuidados.

O estudo faz parte do mestrado da aluna Júlia Corrêa Gomes, que realizou entrevistas com os profissionais da unidade, além de uma “imersão de campo importante”, considera a orientadora.

Ouça abaixo entrevista das pesquisadoras ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

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Mais informações: e-mails julia.correa.gomes@usp.br e clarissac@usp.br

 


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