Imagem artística de engolfamento planetário – Arte: Vanderbilt University

Presença de metais indica que estrelas "engoliram" planetas próximos, revelam astrônomos

Análise de imagens de estrelas feitas por telescópio mostra presença de elementos químicos típicos de planetas rochosos, como o ferro

 30/08/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 01/09/2021 as 10:18

Por Júlio Bernardes

Telescópio de 3,6 metros do Observatório La Silla, European Southern Observatory (ESO), no deserto de Atacama, Chile – Foto: Y. Beletsky (LCO)/ESO

Em um grupo de mais de 100 pares de estrelas similares ao Sol, uma das estrelas “engoliu” planetas que orbitavam a seu redor em um quarto dos pares, possivelmente no início de seu ciclo de vida, há bilhões de anos. A revelação é feita em um estudo internacional com participação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Analisando imagens obtidas pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, os astrônomos descobriram, nessas estrelas, a maior parte situada a mais de 100 anos-luz do nosso sistema solar, elementos químicos típicos de planetas rochosos, similares à Terra, como ferro e lítio. Segundo os pesquisadores, o nosso Sol não tem quantidades relevantes desses elementos, indicando ter engolfado poucos planetas, possivelmente pela arquitetura mais estável do sistema solar, o que pode ter favorecido o surgimento da vida complexa na Terra.

Os detalhes do trabalho são descritos em artigo publicado no site Nature Astronomy em 30 de agosto. “O objetivo da pesquisa foi procurar possíveis assinaturas do engolfamento de planetas pelas suas estrelas”, aponta o professor Jorge Melendez, do IAG, um dos autores do artigo. “Devido à interação gravitacional entre os planetas e a estrela central, eles podem acabar ‘engolidos’ pelas suas estrelas centrais, especialmente nas fases iniciais de formação do sistema planetário, quando as órbitas são mais caóticas.”

“Para sistemas planetários mais evoluídos, cuja formação é mais antiga, o fenômeno também pode acontecer se o planeta migrou para uma região mais interna e acabou caindo na estrela central”, descreve o professor, “ou devido a uma perturbação gravitacional de alguma estrela que passou nas proximidades do sistema planetário, o que pode acabar resultando na ejeção do planeta fora do sistema, ou ser engolfado pela sua estrela”.

Telescópio de 3,6 metros do Observatório La Silla, European Southern Observatory (ESO), no deserto de Atacama, Chile – Foto: Jorge Meléndez

Estrelas de tipo solar

Ao todo, foram analisadas cerca de 200 estrelas, que formam parte de mais de 100 sistemas binários (pares de estrelas).“Elas são do grupo chamado de estrelas de tipo solar, que são estrelas com temperaturas aproximadamente entre 5.200 e 6.400 graus Kelvin (K), similares à do nosso Sol” , explica Melendez. “Foi usada a técnica de espectroscopia, usando observações obtidas no telescópio de 3,6 metros do Observatório La Silla do ESO, no Chile, para determinar a composição química das estrelas. As observações analisadas na pesquisa foram obtidas nos anos de 2018 e 2019.”

Jorge Meléndez (IAG-USP) no Observatório La Silla, European Southern Observatory (ESO), no deserto de Atacama, Chile – Foto: Jorge Meléndez

De acordo com o professor do IAG, os pesquisadores selecionaram estrelas que são relativamente similares em sistemas binários. “Dessa maneira, é possível atingir uma maior precisão na determinação da composição química”, aponta. “A análise demonstrou que em 25% de sistemas binários, uma das estrelas tinha as assinaturas de ter engolido material planetário, como, por exemplo, um maior conteúdo de ferro e lítio. Isso significa que pelo menos 25% de estrelas de tipo solar ‘devoram’ seus planetas”.

De acordo com Melendez, não se sabe quando foi que os planetas foram “engolidos”, mas é mais provável que isso tenha acontecido na “infância” desses sistemas, há bilhões de anos. “Nesse momento, as órbitas eram muito caóticas, o que pode ter favorecido a migração de planetas gigantes da região externa para a região interna, perturbando os planetas (ou protoplanetas) rochosos internos”, explica.

“É interessante que o Sol apresenta o efeito oposto ao observado nas estrelas anômalas em sistemas binários. Ao invés de observar uma maior quantidade de elementos característicos de planetas rochosos, observamos que o Sol não apresenta excesso desses elementos químicos”, destaca Melendez. “Isso significa que possivelmente o Sol não engoliu uma quantidade significativa de planetas, e que talvez a arquitetura do sistema solar é relativamente estável. Essa estabilidade em longas escalas de tempo pode ter favorecido o desenvolvimento da vida mais complexa em nosso planeta.”

O autor principal do artigo é Lorenzo Spina, atualmente no Istituto Nazionale di Astrofisica (Inaf), na Itália, que começou a desenvolver a pesquisa quando fez pós-doutorado no IAG, entre janeiro de 2015 e setembro de 2017, com supervisão do professor Melendez. Também participou da pesquisa a astrônoma Marília Carlos, que fez doutorado no IAG de maio de 2015 a julho de 2020, orientada por Melendez, e que atualmente realiza pesquisas de pós-doutorado no Observatório de Padova (Itália). Participaram também outros pesquisadores da Itália, Estados Unidos e Austrália.

Exemplo de sistema binário de estrelas gêmeas: estrelas 16 Cyg A e B – Foto: STSCI

Mais informações: e-mail jorge.melendez@iag.usp.br, com o professor Jorge Melendez

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