Novas imagens de telescópio virtual revelam “sombra” persistente de buraco negro

Buraco negro M87* tem anel brilhante ao redor de “sombra”, revelam imagens; deslocamento do pico de brilho do anel tem relação com teorias sobre variações do material que circunda buracos negros

 18/01/2024 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 20/06/2024 às 10:29

Texto: Redação*

Arte: Simone Gomes

Imagens do buraco negro M87* foram obtidas pela colaboração EHT; a da esquerda foi feita com observações realizadas em abril de 2017, e a da direita foi feita com observações de abril de 2018; mudança na posição do pico de brilho do anel tem relação com teorias sobre material turbulento ao redor de buracos negros - Foto: EHT Collaboration

Os cientistas envolvidos na colaboração do telescópio virtual Event Horizon Telescope (EHT) divulgaram novas imagens do M87*, o buraco negro supermassivo no centro da galáxia Messier 87, obtidas com dados de observações realizadas em abril de 2018. As imagens, apresentadas em artigo publicado on-line no periódico especializado Astronomy & Astrophysics em 18 de janeiro, revelam um anel brilhante do mesmo tamanho que o observado pela primeira vez em 2017, que rodeia uma depressão central profunda, a “sombra do buraco negro”, conforme previsto na teoria da relatividade geral, elaborada pelo físico Albert Einstein. O pico de brilho do anel moveu-se cerca de 30 graus em comparação com as imagens de 2017, o que está relacionado às teorias sobre a variabilidade do material turbulento ao redor dos buracos negros.

A colaboração EHT envolve mais de 300 pesquisadores da África, Europa, América do Norte e do Sul. Os cientistas trabalham em conjunto para capturar as imagens mais detalhadas já obtidas de buracos negros, criando um telescópio virtual do tamanho da Terra. As novas observações contaram com a participação do novo Telescópio da Groenlândia, localizado acima do Círculo Polar Ártico, e com o aprimoramento da taxa de gravação de toda a matriz do EHT, resultando em uma nova visão do M87*, situado a 55 milhões de anos-luz da Terra, independente da observação feita em 2017.

“A obtenção desta nova imagem é a melhor confirmação de que o anel que vemos representa definitivamente a sombra do buraco negro e do material incandescente que orbita em torno do horizonte de eventos”, afirma Ciriaco Goddi, pesquisador italiano associado ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Goddi faz parte desta empreitada desde 2014 como coordenador do grupo europeu BlackHoleCam, um dos projetos que deram origem à colaboração EHT.

Goddi, que atuou como astrônomo observador no ALMA durante a campanha de observação de abril de 2018 e coordenou o grupo responsável pela calibração dos dados adquiridos com esse radiotelescópio, tem boas expectativas para os próximos trabalhos da colaboração.

Ciriaco Goddi – Foto: FAPESP

 “A rede EHT está em constante expansão e sujeita a importantes atualizações tecnológicas”, aponta. “Para nós, um objetivo importante no futuro será incluir na rede de radiotelescópios EHT o LLAMA, o novo radiotelescópio brasileiro-argentino em construção nos Andes argentinos. A USP, como executora do projeto LLAMA do lado brasileiro, poderá desempenhar um papel fundamental neste tipo de experimentos.”

Coração pulsante

Mapa com rede de observatórios da colaboração EHT, que envolve mais de 300 pesquisadores da África, Europa, América do Norte e do Sul; cientistas trabalham em conjunto para capturar imagens detalhadas de buracos negros, criando telescópio virtual do tamanho da Terra - Foto: Wikimedia Commons

Em 2017, o EHT capturou a primeira imagem de um buraco negro. Esse objeto, M87*, é o coração pulsante da gigantesca galáxia elíptica Messier 87 e está a 55 milhões de anos-luz da Terra. A imagem do buraco negro revelou um anel circular brilhante, mais brilhante na parte sul do anel. Uma análise mais aprofundada dos dados também revelou a estrutura de M87* em luz polarizada, proporcionando uma compreensão maior da geometria do campo magnético e da natureza do plasma ao redor do buraco negro. A nova era de imagens diretas de buracos negros, liderada pela análise das observações do M87* em 2017, abriu uma janela que possibilita investigar a astrofísica dos buracos negros e testar a teoria da relatividade geral em um nível fundamental.

Os modelos teóricos indicam que o estado do material ao redor do M87* não deve ser correlacionado entre as observações de 2017 e 2018. Assim, as várias observações de M87* ajudarão a estabelecer limites independentes na estrutura do plasma e do campo magnético ao redor do buraco negro e a separar a astrofísica dos efeitos da relatividade geral. O Telescópio da Groenlândia se juntou ao EHT pela primeira vez em 2018, apenas cinco meses após sua conclusão. Esse novo telescópio, acima do Círculo Ártico, melhorou significativamente a fidelidade da imagem da matriz do EHT, aprimorando especialmente a cobertura na direção Norte-Sul. O Grande Telescópio Milimétrico (LMT), instalado no México, também participou pela primeira vez com sua superfície completa de 50 metros, ampliando muito sua sensibilidade. A matriz do EHT também foi atualizada para observar em quatro bandas de frequência em torno de 230 GHz, em comparação com apenas duas em 2017.

Observações repetidas com uma matriz aprimorada são essenciais para demonstrar a robustez das descobertas e fortalecer a confiabilidade dos resultados. O EHT também serve como um campo de testes tecnológicos para desenvolvimentos de ponta em interferometria de rádio em alta frequência. “O avanço das empreitadas científicas exige melhoria contínua na qualidade dos dados e nas técnicas de análise”, explica Rohan Dahale, estudante de doutorado no Instituto de Astrofísica de Andaluzia (IAA-CSIC), na Espanha. “A inclusão do Telescópio da Groenlândia em nossa matriz preencheu lacunas críticas em nosso telescópio do tamanho da Terra. As observações de 2021, 2022 e as futuras de 2024 trazem melhorias na matriz, alimentando nosso entusiasmo para avançar nas fronteiras da astrofísica de buracos negros.”

A análise dos dados de 2018 utilizou oito técnicas independentes de imagem e modelagem, incluindo métodos usados na análise anterior do M87* em 2017 e novos desenvolvidos a partir da experiência da colaboração na análise de Sgr A*, o buraco negro localizado no centro da nossa galáxia, a Via Láctea. A imagem do M87* obtida em 2018 é notavelmente semelhante à que foi captada em 2017, com um anel brilhante do mesmo tamanho, uma região central escura e um lado do anel mais brilhante que o outro. “Uma das propriedades notáveis de um buraco negro é que seu raio depende fortemente de apenas uma quantidade: sua massa”, observa Nitika Yadlapalli Yurk, ex-estudante de pós-graduação no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e agora pesquisadora de pós-doutorado no Jet Propulsion Laboratory, nos Estados Unidos. “Como o M87* não está acumulando material, o que aumentaria sua massa, a uma taxa rápida, a relatividade geral nos diz que seu raio permanecerá bastante inalterado ao longo da história humana.”

Anel brilhante

Buraco negro M87* é o coração pulsante da gigantesca galáxia elíptica Messier 87 e está localizada a uma distância de a 55 milhões de anos-luz da Terra; imagem do buraco negro captada pelo EHT revelou um anel circular brilhante, mais brilhante na parte sul – Foto: Commons / Wikimedia – CC BY 4.0

Embora o tamanho da sombra do buraco negro não tenha mudado entre 2017 e 2018, a localização da região mais brilhante ao redor do anel mudou significativamente. A região brilhante girou cerca de 30 graus no sentido anti-horário para se posicionar na parte inferior direita do anel, perto da posição das 5 horas. Embora a matriz do EHT de 2018 ainda não possa observar o jato emergente do M87*, o eixo de rotação do buraco negro previsto a partir da localização da região mais brilhante ao redor do anel é mais consistente com o eixo do jato visto em outras faixas de comprimento de onda.

“A maior mudança, do deslocamento do pico de brilho ao redor do anel, é na verdade algo que previmos quando publicamos os primeiros resultados em 2019”, afirma Britt Jeter, pesquisador de pós-doutorado no Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sinica, em Taiwan. “Enquanto a relatividade geral diz que o tamanho do anel deve permanecer bastante fixo, a emissão do turbulento e bagunçado disco de acreção ao redor do buraco negro fará com que a parte mais brilhante do anel oscile ao redor de um centro comum. A quantidade de oscilação que vemos ao longo do tempo é algo que podemos usar para testar nossas teorias sobre o campo magnético e o ambiente de plasma ao redor do buraco negro.”

“Um requisito fundamental da ciência é poder reproduzir resultados”, conta Keiichi Asada, pesquisador associado no Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sinica. “A confirmação do anel em um conjunto de dados completamente novo é um marco enorme para nossa colaboração e uma forte indicação de que estamos observando a sombra de um buraco negro e o material que orbita ao seu redor.”

Embora todos os artigos do EHT publicados até agora tenham apresentado uma análise das primeiras observações de 2017, este resultado representa os primeiros esforços para explorar os muitos anos adicionais de dados coletados. Além de 2017 e 2018, o EHT conduziu observações bem-sucedidas em 2021 e 2022 e está programado para observar na primeira metade de 2024. A cada ano, a matriz do EHT melhorou de alguma forma, seja pela adição de novos telescópios, aprimoramento de hardware ou frequências adicionais de observação. A colaboração trabalha agora para analisar todos esses dados e mostrar mais resultados no futuro.

Colaboração constante

Por meio de sistemas inovadores, colaboração EHT conecta telescópios existentes em diferentes partes do mundo, criando um instrumento fundamentalmente novo com a maior capacidade de resolução angular já alcançada - Foto: Wikimédia Commons

Com amplo investimento internacional, o EHT conecta telescópios existentes usando sistemas inovadores, criando um instrumento fundamentalmente novo com a maior capacidade de resolução angular já alcançada. Os telescópios individuais envolvidos são o ALMA e o APEX, localizados no Chile; o Telescópio IRAM de 30 metros e o Observatório NOEMA IRAM, situados na Espanha; o Telescópio James Clerk Maxwell (JCMT) e o Submillimeter Array (SMA), no Havaí (Estados Unidos); o Grande Telescópio Milimétrico (LMT) e o Telescópio Submilimétrico (SMT), no México; o Telescópio do Polo Sul (SPT), na Antártida; o Telescópio de Kitt Peak, no Arizona (Estados Unidos), e o Telescópio da Groenlândia (GLT).

Os dados foram correlacionados no Max-Planck-Institut für Radioastronomie (MPIfR), na Alemanha, e no MIT Haystack Observatory, nos Estados Unidos O pós-processamento foi realizado em colaboração por uma equipe internacional em diferentes instituições. O consórcio EHT é constituído por 13 institutos de pesquisa: Academia Sinica Institute of Astronomy and Astrophysics (Taiwan), University of Arizona, University of Chicago (Estados Unidos), East Asian Observatory (Estados Unidos), Goethe-Universitaet Frankfurt (Alemanha), Institut de Radioastronomie Millimétrique (França), Large Millimeter Telescope (México), Max-Planck-Institut für Radioastronomie (MPIfR), MIT Haystack Observatory, National Astronomical Observatory of Japan (Japão), Perimeter Institute for Theoretical Physics (Canadá), Radboud University (Holanda) e Smithsonian Astrophysical Observatory (Estados Unidos).

O Grande Arranjo Milimétrico Latino-Americano (LLAMA) é um empreendimento científico e tecnológico brasileiro e argentino cujo objetivo é a instalação e operação de um Rádio Observatório nos Andes argentinos, a 4.800 metros de altitude, capaz de obter observações astronômicas nos comprimentos de onda milimétricos e submilimétricos. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Secretaría de Articulación Científico Tecnológica do Ministerio de Educación, Cultura, Ciencia y Tecnología da Argentina. Atualmente em fase de construção e desenvolvimento, o LLAMA é regido por um convênio entre o governo da Argentina, a Fapesp e a USP. As instituições executoras são o IAG e o Instituto Argentino de Radioastronomía (IAR) del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet).

* Da Assessoria de Comunicação do IAG, com informações da EHT Collaboration e edição de Júlio Bernardes

Mais informações: e-mail cgoddi@usp.br, com Ciriaco Goddi


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