Os benefícios da presença de árvores entre a paisagem urbana dialogam principalmente com a saúde da população, com a redução do nível de estresse, a melhora da qualidade do ar e a regulação de temperaturas – Foto: Mark Hillary/ Flickr

Desigual, distribuição de árvores em São Paulo revela problemas de urbanização

Com impacto na saúde e até na criminalidade, maior presença de cobertura vegetal em bairros de maior renda escancara injustiças ambientais na cidade

 29/03/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Camilla Almeida
Arte: Carolina Borin Garcia

O mapeamento e a análise socioambiental da distribuição de árvores na cidade de São Paulo revelou a desigualdade na cobertura verde na capital paulista. Os dados são de uma pesquisa realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. O estudo escancara a relação entre uma maior presença de árvores em bairros com uma maior renda per capita – indicando graves injustiças ambientais e problemas na urbanização do município.

A pesquisadora Bruna Arantes, primeira autora do estudo, utilizou imagens de satélite e dados fornecidos pela plataforma GeoSampa, portal coordenado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento que reúne dados georreferenciados sobre a cidade. Foram verificadas as modificações ocorridas nas áreas verdes em São Paulo no período entre 2010 e 2017.

O artigo Urban forest and per capita income in the mega-city of Sao Paulo, Brazil: A spatial pattern analysis foi publicado na revista científica Cities: The International Journal of Urban Policy and Planning, e faz parte da pesquisa de doutorado de Bruna Arantes, sob orientação de Demóstenes Ferreira da Silva Filho.

“A macrozona urbana, a área mais urbanizada da cidade, teve um aumento de 0,3% na cobertura arbórea. Já na macrozona ambiental, que são as partes periféricas que têm áreas de reserva, houve um aumento de 13% [entre 2010 e 2017]” explica Bruna Arantes ao Jornal da USP. O conceito de macrozona urbana se refere às regiões centrais da cidade, como os bairros da Sé e Mooca, enquanto a ambiental se refere a regiões limítrofes do município, como Parelheiros e Jaraguá. 

O mapa da esquerda mostra a divisão entre macrozona urbana (branco) e macrozona ambiental (cinza). O mapa da direita mostra a distribuição arbórea na cidade de São Paulo no ano de 2017 – Imagem: Cedida pela pesquisadora

Contudo, de acordo com a pesquisadora, o saldo positivo deve ser olhado com cautela – principalmente o das zonas centrais. “O movimento é dinâmico. Uma árvore vai ficar doente e será derrubada, vai se construir um condomínio ali, então uma área de árvores será desmatada. Ao mesmo tempo, a Prefeitura está plantando árvores em outros lugares. É um processo dinâmico, mas no saldo está se perdendo muito próximo do que se está ganhando”, afirma. 

Segundo Bruna Arantes, os benefícios da presença de árvores entre a paisagem urbana são identificados principalmente na saúde da população, com a redução do nível de estresse, a melhora da qualidade do ar e a regulação de temperaturas. 

Desigualdade ambiental

Uma análise mais cuidadosa dos dados também aponta para injustiças ambientais com relação ao acesso a áreas verdes na cidade. Mesmo que as informações mostrem que as periferias detêm uma maior cobertura arbórea comparadas às áreas centrais, é preciso ter em mente em qual lugar as zonas periféricas estão posicionadas em São Paulo: perto de reservas ambientais, que possuem um rígido acesso controlado. Quando consideramos apenas a macrozona urbana, é possível estabelecer uma ligação direta entre uma maior presença de árvores em bairros com uma maior renda per capita.

Isso revela que essa distribuição é socialmente injusta. Pessoas que têm mais renda vão andar por ruas arborizadas, vão no parque passear com seus filhos e pets, enquanto pessoas da periferia podem até ter mais presença de árvores perto da casa delas, mas é uma área de reserva. A rua delas não é arborizada, elas não têm parque, não têm lazer em área verde. A rua delas não tem estrutura, às vezes não tem nem saneamento básico, só uma área de reserva perto”, explica a pesquisadora.

Bruna Arantes - Foto: Arquivo Pessoal

A arborização, neste caso, não só representaria uma melhora na saúde dos moradores, mas ajudaria a solucionar graves problemas urbanos, como os alagamentos. Com a temporada de chuvas em São Paulo, é comum vermos ruas – principalmente nas áreas periféricas – alagadas, com famílias perdendo suas casas, bens e até mesmo suas vidas. Neste caso, as árvores aumentam a permeabilidade do solo, evitando sua erosão e formando jardins filtrantes. A exemplo disso, a própria Prefeitura de São Paulo criou o programa Jardins de Chuva, que realiza intervenções verdes a fim de mitigar os impactos sentidos pelos alagamentos. 

 “Com a distribuição desigual das árvores urbanas, não são oferecidos para todos os moradores os benefícios que eles poderiam ter. A oferta existe apenas a uma parcela da população que já é privilegiada. Então, está sendo cometida uma injustiça ambiental”, ressalta Arantes.

Políticas públicas participativas

Os resultados encontrados complementam uma escassa literatura científica sobre o tema em países latino-americanos. A pesquisa é pioneira na união de dados sociais com a quantificação e mapeamento da cobertura verde em megacidades no Brasil, e desperta um importante debate sobre desigualdade urbana e ambiental. Ela suscita a necessidade de ações vindas da própria população. “O grande poder de decisão para aumentar as árvores na cidade está na mão das pessoas, não necessariamente do governo. É muito importante termos políticas públicas participativas, tais como ações eficientes de conscientização ambiental dos moradores”, ressalta a pesquisadora.

“O grande poder de decisão para aumentar as árvores na cidade está na mão das pessoas”, diz Bruna Arantes – Imagem: Reprodução/Coordenadoria de Educação Ambiental da Prefeitura de São Paulo

Plano Diretor da capital paulista – lei que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2029 – ainda está em fase de revisão e conta com um processo participativo, com a inclusão de sugestões da sociedade civil. “O Plano Diretor da cidade de São Paulo está em fase de revisão e ele tem sido conduzido de forma participativa, ou seja, a população, a comunidade científica e todos que querem contribuir para sua revisão estão sendo chamados e são bem-vindos a contribuir”, explica Bruna Arantes. “Isso é um passo extremamente importante para construir uma cidade mais justa e consciente. Paralelamente, um novo plano de arborização urbana foi proposto com novas metas de plantio e estratégias de arborização. Acredito que tais ações são um grande avanço para o aprimoramento das políticas públicas”, complementa.

Em seu estudo, a pesquisadora ainda explora a ligação indireta entre índices de criminalidade e cobertura arbórea – resultados que serão publicados em um artigo científico ainda em produção.

Mais informações: e-mail blarantes@usp.br, com Bruna Arantes


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