Entre Europa e Ásia, identidade russa ainda é enigma para estudiosos

Livro apresenta debate entre ocidentalistas, eurasianistas e eslavófilos sobre a identidade cultural russa

 24/04/2017 - Publicado há 8 anos
A Praça Vermelha, em Moscou, na Rússia – Foto: Wikimedia Commons

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Desde o século 19, a natureza da civilização russa atiça as mentes da intelectualidade daquele país. O extenso território e a história conturbada geram dúvidas quanto à verdadeira essência do povo russo: seria a Rússia um país europeu, uma mistura de Europa e Ásia ou uma civilização única, não podendo ser categorizada simplesmente como ocidental ou oriental?

Foto: Reprodução

O mais novo livro de Angelo Segrillo: Rússia: Europa ou Ásia? A questão da identidade russa nos debates entre ocidentalistas, eslavófilos e eurasianistas e suas consequências hoje na política da Rússia entre Ocidente e Oriente (editora Prismas, 2016) – sua tese de livre-docência – que, segundo o professor, é o trabalho mais completo no Ocidente quanto a isso, analisa as três correntes de pensamento que versam sobre a história da Rússia: ocidentalistas, eurasianistas e eslavófilos.

Segrillo, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia, aborda o debate entre essas três escolas. Através de traduções inéditas (especialmente dos autores eslavófilos, que não encontram versões nem para a língua inglesa), Segrillo lança luz sobre essas questões praticamente desconhecidas no Brasil.

Defensor da tese de que a Rússia seria de fato um ponto de encontro entre o elemento europeu e o turco-mongol, o pesquisador destrincha esse debate que se estende desde os tempos do czar Pedro I (1672-1725), grande propulsor da modernização, ou melhor, ocidentalização forçada do país.

O início dos debates

Foto: Wikimedia Commons

Segundo o professor, o imperador Pedro, o Grande, que considerava a Rússia atrasada em relação ao Ocidente, não poupou esforços para conduzir seu império a aquilo que considerava progresso. O admirador da cultura europeia empreendeu grandes esforços para a fundação de São Petersburgo, a nova capital, e conduziu mudanças radicais no funcionalismo público e na economia, o que permitiu o início da industrialização no país.

Angelo Segrillo, professor da FFLCH – Foto: Francisco Emolo

Segrillo explica que, após a morte do imperador, começam a surgir discussões a respeito da identidade russa. Os ocidentalistas, defensores do legado do finado czar, consideravam o país parte da Europa e defendiam que a Rússia deveria seguir o modelo de desenvolvimento europeu. Já os críticos de Pedro acusavam-no de descaracterizar a cultura russa ao adotar o “individualismo materialista decadente do ocidente”. Desse grupo surgiram os eslavófilos, ideólogos de que a Rússia formava uma civilização única no mundo. Os imperadores posteriores souberam ouvir com moderação as duas correntes de pensamento, oscilando entre uma e outra, mas nunca se polarizando demais.

Com a Revolução de 1917, começou a se falar numa origem multicultural da Rússia, origem essa que convergia da união entre Europa e Ásia. Aqueles que defendiam a revolução como algo necessário, mas moravam no estrangeiro, formaram o grupo dos eurasianistas.

Para Segrillo, durante o domínio soviético, o debate perdeu força dentro da Rússia. Segundo a ideologia marxista imposta pelo regime, os conceitos de nacionalidade e identidade nacional não passavam de “invenções burguesas”, e a forte censura estatal impediu que essa discussão tomasse corpo.

Atualidade

Após a queda do regime, o professor comenta que emergiu novamente o debate quanto à identidade cultural da Rússia. Pode despertar estranheza em muitos a afirmação de que o presidente Vladimir Putin – no poder desde 2000 – seria um ocidentalista moderado. No entanto, Segrillo refuta um suposto antiocidentalismo do presidente. “Putin sempre cooperou com países ocidentais quando esses o abordaram sem agendas políticas ocultas.” As posturas aparentemente autoritárias de Putin podem parecer antidemocráticas a nós, ocidentais. “Foi em momentos de forte centralização do Estado que a Rússia floresceu, ao contrário do Ocidente, que progrediu com o desenvolvimento das ideias do Liberalismo Clássico e seu respeito pelo indivíduo”, arremata o professor.

“Putin sempre cooperou com países ocidentais quando esses o abordaram sem agendas políticas ocultas.

Vladimir Putin, presidente russo desde 2000 – Foto: Wikimedia Commons

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Porém, a Rússia continua sendo um enigma até para seus próprios nativos. Segrillo diz que sente mais afinidade com a proposta eurasianista, no sentido de que a Rússia é uma síntese de Europa e Ásia. O professor apoia essa tese em questões históricas, políticas e geográficas; todas abordadas em detalhes no livro, e também no seu convívio pessoal com os russos.

Gabriel Lourenção / Assessoria de Comunicação da FFLCH


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