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Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem (…) Pena de prisão celular de dois a seis meses. (…) É considerado circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta”. Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, Art. 402.
Desta lei de 1890 até o atual prestígio atual como arte, a capoeira e seus praticantes percorreram um árduo caminho. Parte desta trajetória foi resgatada por Mariana Barcellini em sua pesquisa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Mais do que a história da prática, foram as histórias de um grupo de capoeiristas que deram vida ao trabalho da geógrafa.
Mariana foi à cidade de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, de onde vem a linhagem capoeira de Luiz Antonio Nascimento Cardoso, o Contramestre Pinguim, que é coordenador do Núcleo de Artes Afro-Brasileiras da USP. Lá, foram ouvidos diversos mestres de capoeira sobre o processo histórico da capoeira, desde sua marginalização pelas mais antigas Constituições brasileiras, como o crime de “capoeiragem”, do século 19, até seu momento atual de inserção na sociedade e da profissionalização dos capoeiras, que passaram a ser chamados capoeiristas. Mariana conta que buscou relatar todas essas experiências por “seus ouvidos”, de forma que, sendo mulher branca, dentro da universidade, não tirasse a voz e legitimidade dos velhos capoeiras.
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É inevitável o progresso, mas nós temos uma referência. Trabalhamos com cultura de base, ter base é ter uma ancestralidade, é ter um chão. Nossa história de vida é nossa experiência, e a gente vai vivenciando.”
Contramestre Pinguim
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A pesquisa, no entanto, não parou no Recôncavo: Mariana bebeu da fonte de muitos documentos do Rio de Janeiro, onde desde o século 18 até 1961 concentrou-se o poder político e legislativo, e buscou traçar uma relação entre o capoeira e seu Estado. Ao se deparar com os documentos que atestam a presença de capoeiras no Rio de Janeiro ー que frequentemente eram perseguidos e criminalizados ー, Mariana relata que “não existia uma perseguição policial tão intensa formada na Bahia. O jagunço e o coronel resolvem ‘o problema’ na sua região, não há uma polícia formada para resolver aquilo. Então a polícia não perseguia capoeiras; não prendia capoeiras, mas isso não significa que não existiam capoeiras.”
Em sua pesquisa, Mariana infere que essa relação entre o Estado da federação e o capoeira tem forte conexão, também, com o desenvolvimento do mercado. Ela explica isso através da descoberta do historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, de que “todos os presos por capoeiras eram enviados ou para as fronteiras ー Guerra do Paraguai ー, ou para as obras públicas. Não tendo como mobilizar trabalho, o Estado nacional criminalizava as pessoas, prendia-as e as usava como força de trabalho”. A partir desse ponto, Mariana diz que se inicia o processo de mobilização que culmina na transição do capoeira para o capoeirista, na medida em que ocorre um processo de profissionalização. E é nessa discussão para colher opiniões e experiências dos velhos capoeiras sobre o passado e o presente da capoeira que se sustenta a dissertação.
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Núcleo de Artes Afro-Brasileiras
Há 11 anos, o Núcleo de Artes Afro-Brasileiras da USP é reconhecido como parte da Universidade pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU). Membro há sete anos, Mariana Barcellini conta que foi essa vivência dentro do núcleo que a levou à escolha do tema de sua dissertação de mestrado. “Na relação de aprendizagem com o coordenador do núcleo, que é o Contramestre Pinguim, surgiu o interesse de fazer essa pesquisa. Levei ao meu orientador na Geografia e ele aceitou.”
Além do Contramestre Pinguim, ela destaca o apoio de diversas pessoas ー como de seu orientador, Heinz Dieter, e do professor Carlos de Almeida Toledo, também do Departamento de Geografia.
Mais informações: e-mail maribarcellini@gmail.com, com Mariana Barcellini
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