Como instrumento de arte, a cartografia torna visível os sistemas de redes ocultas das relações de poder do mundo contemporâneo. Tese André Mesquita
Arte sobre fotos da tese: Cleber Siquette/ Jornal da USP
Em vários momentos da história, em contextos de transformação política, econômica e ou social, as narrativas artísticas sempre se colocaram como instrumento de resistência ao poder. Nessa linha de análise, uma pesquisa do Departamento de História da USP investigou a expressividade de mapas produzidos entre as décadas de 1960 e 2010, por artistas e ativistas durante conflitos
geopolíticos da Guerra Fria e as mudanças estruturais do capitalismo global. A tese defendida na USP também resultou na publicação do livro Mapas Dissidentes: Contracartografia, poder e resistência, de autoria de André Mesquita, pela editora Humanitas, que será lançado no dia 3 de outubro, às 18h30, na livraria Martins Fontes (Avenida Paulista, 509, São Paulo).
Para fazer a análise, Mesquita se debruçou sobre um conjunto de mapas e diagramas produzidos por três gerações de artistas estrangeiros: o sueco-brasileiro Öyvind Fahlström (1928-1976), o norte-americano Mark Lombardi (1951-2000) e os coletivos de arte Bureau d’Études (França), Counter-Cartographies Collective (Estados Unidos) e o Iconoclasistas (Argentina). Para Mesquita, a importância da cartografia crítica está na “apreensão de fenômenos locais e globais e na capacidade de tornar visível os sistemas de redes ocultas das relações de poder do mundo contemporâneo”, diz.
Partindo do pressuposto de que a arte cartográfica é uma forma de pensar e reinterpretar o mundo, a escolha dos artistas também se deu pelo fato de eles terem conseguido fazer diferentes articulações entre a arte, a política e o ativismo, repensando os usos e as formas de distribuição dos mapas. Segundo o pesquisador, “a apropriação politizada das práticas de mapeamento dos artistas-ativistas colaborou para transformar a cartografia em uma ferramenta de crítica e contra poder”, aponta.
Mudanças sociais
Nas obras de Fahlström, a pesquisa realizou uma abordagem sobre as mudanças sociais, políticas e econômicas que começaram a ocorrer no final dos anos 1960. O artista interpretou essas transformações recriando o mapa geopolítico do planeta usando figuras e cenas para dramatizar dados e histórias sobre a exploração econômica e movimentos revolucionários de esquerda. Os mapas anteciparam também o surgimento da doutrina neoliberal nos países desenvolvidos e nas nações massacradas por regimes militares.
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De Mark Lombardi, o estudo procurou analisar as redes internacionais de poder e transações financeiras obscuras envolvendo bancos, governos e elites dominantes da sociedade neoliberal presentes na obra desse artista. Mesquita cita como exemplo um diagrama que trata das relações financeiras das empresas de petróleo comandada pela família do ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, com investidores sauditas, incluindo a família de Osama Bin Laden.
Sobre os trabalhos dos coletivos artísticos, Mesquita destaca os mapeamentos coletivos realizados pelo Iconoclasistas com movimentos sociais. Um desses mapas, América Latina Rebelde (2010) evidencia questões relacionadas à exploração econômica das indústrias extrativas dos bens naturais da América Latina. Identifica locais de exploração e indica zonas de conflito e de resistência.
A tese Mapas Dissidentes: proposições sobre um mundo em crise (1960-2010) teve a orientação de Marcos Antônio da Silva, professor da FFLCH.
Mais informações sobre o livro: https://editorahumanitas.commercesuite.com.br/lancamentos/mapas-dissidentes