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Avanço do mercado imobiliário na periferia de SP dificulta o acesso de pessoas de baixa renda à habitação
Estudo realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP teve como base a situação da Subprefeitura de Itaquera, zona leste de São Paulo, entre 1990 e 2020
Os grandes empreendimentos imobiliários vêm causando transformações nas periferias da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e provocando aumentos nos valores de moradias, dificultando o acesso de famílias de menor renda e favorecendo o surgimento de favelas e assentamentos precários. “Os grandes condomínios residenciais estão assumindo um protagonismo cada vez maior na reprodução de espaços nas periferias”, afirma a arquiteta Isadora Fernandes Borges de Oliveira. Ela é autora de uma pesquisa de mestrado apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP que analisa as transformações ocorridas no bairro de Itaquera, na zona leste da capital paulista.
O estudo intitulado O avanço da produção imobiliária sobre a “periferia” da metrópole: o “segmento econômico” e as transformações na produção do espaço em Itaquera, São Paulo, contou com a orientação da professora Maria Beatriz Cruz Rufino, da FAU, e teve como objetivo compreender, a partir do caso de Itaquera, o que acontece nas periferias da Região Metropolitana de São Paulo frente ao avanço do mercado imobiliário e às transformações provocadas ao longo do tempo.
“Em termos de método, eu analisei Itaquera como um estudo de caso que pudesse me auxiliar a pensar esse avanço do mercado imobiliário por todas as periferias da metrópole”, conta a pesquisadora ao Jornal da USP. O estudo de Isadora teve início em 2018 e o recorte de tempo utilizado por ela foi a partir da metade dos anos 1990 até 2020, mesmo ano da conclusão da pesquisa.
Segundo a arquiteta, o avanço da produção imobiliária sobre a periferia, no caso de Itaquera, pode ser dividido em três momentos principais: entre 1995 e 2000, influenciado pelo retorno de linhas de financiamento habitacional após o fim do Banco Nacional da Habitação (BNH), criado na ditadura militar; de 2009 a 2013, quando houve a generalização do avanço do mercado imobiliário nos territórios periféricos da RMSP, fortemente vinculada ao lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida; e entre os anos de 2017 e 2019, quando houve uma diversificação de produtos imobiliários lançados pelo mercado nas periferias em um momento de crise econômica e imobiliária pela qual passava o País. Isadora classifica esses três momentos como o “momento da criação”, o “momento da expansão” e o “momento da generalização” dessa produção habitacional promovida pelo mercado imobiliário.
O interesse de Isadora em realizar um estudo sobre a região se deu pelo fato de a arquiteta ter atuado profissionalmente na Prefeitura de São Paulo. “Participei ativamente na revisão do Plano Regional da Subprefeitura de Itaquera, que durou cerca de um ano, e fez parte de um Programa de Residência em Gestão e Planejamento Urbano desenvolvido pela FAU em parceria com a Prefeitura de São Paulo”, conta.
“Foi a partir dessa experiência e de tudo que presenciei nas diversas visitas realizadas à Subprefeitura que fui para o mestrado refletir sobre as transformações que eu estava vendo nesse território”
Características habitacionais
Itaquera está na porção central do extremo leste da cidade de São Paulo. Como aponta Isadora, “está inserida na zona leste 2 do município”. Ela faz divisa com as Subprefeituras de Aricanduva e Penha, pertencentes à zona leste 1 e com outras seis Subprefeituras da zona leste 2: Ermelino Matarazzo, São Miguel, Itaim Paulista, Guaianases, Cidade Tiradentes e São Mateus. Totalizando uma área de 55,32 quilômetros quadrados (km²), a Subprefeitura de Itaquera corresponde a 0,69% da área de toda RMSP, que possui 7.946,96 km². Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, em termos populacionais, Itaquera abriga 523.848 habitantes, o que representa 2,66% dos 19.683.975 residentes na RMSP.
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Hoje em dia, a Subprefeitura de Itaquera é composta de quatro distritos administrativos, sendo eles: Cidade Líder, Itaquera, Parque do Carmo e José Bonifácio (ver quadro abaixo), que somados representam uma área de 54,3 km², correspondendo a 3,6% da área total do município de São Paulo, enquanto abriga cerca de 520 mil habitantes, o que corresponde a 4,7% de toda a população da cidade de São Paulo.
Produção de moradias
A análise da região de Itaquera, como descreve Isadora, é interessante pelo histórico da produção habitacional nessa região. Entre os anos 1950 e 1980, o bairro ficou conhecido pela implementação das autoconstruções de moradias, ou seja, as casas erguidas pelos próprios moradores. A partir de então, já na década de 1980, o bairro recebeu uma intensa produção pública de moradias, os chamados conjuntos habitacionais.
Em toda a zona leste, estima-se a construção de 116 mil unidades habitacionais, promovidas tanto pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) quanto pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), onde moravam cerca de 454 mil pessoas em 1999. Somente na região de Itaquera, foram mais de 30 mil unidades habitacionais produzidas pelo Estado.
Mas é na metade dos anos 1990 que o mercado imobiliário tradicional, representado por grandes incorporadoras, passa a atuar na região e vai transformando esse território. De acordo com a arquiteta, ao longo dos anos essa produção passa a se dar de modo cada vez mais intensivo no território, inclusive sob relações de produção cada vez mais mercantilizadas.
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Os mapas (abaixo) confrontam a produção imobiliária com os conjuntos habitacionais e loteamentos e ocupações precárias, as favelas:
Mesmo com a intensa produção de moradias realizadas pelo mercado imobiliário nos últimos 30 anos, Isadora explica que a produção autoconstruída (doméstica), não deixou de existir. Ao contrário, ela se intensifica mediante a ineficiência do próprio mercado em assegurar condições de habitação à toda a população.
De acordo com a pesquisadora, “o número de favelas na Subprefeitura de Itaquera passou de 48 no ano 2000 para mais de 64 em 2017 (crescimento de 33%), sendo que o porcentual de favelas na região em relação ao próprio município de São Paulo se ampliou de 2,38% para 3,74% nestes anos”.
“Os dados do déficit habitacional na metrópole também nos ajudam a problematizar este processo”, diz a arquiteta. “Entre 2011 e 2018, o déficit habitacional na RMSP dobrou, passando de 507,8 mil moradias para 1,024 milhão de unidades habitacionais, sendo que apenas o ônus excessivo com aluguel corresponde a 46,3% do déficit habitacional na metrópole”, contabiliza a pesquisadora. Os altos preços imobiliários vislumbrados na metrópole de São Paulo evidenciam os desafios para pensar políticas e formas de produção habitacionais mais inclusivas, que garantam às populações mais pobres o acesso à moradia.
Mais informações: isadoraborges@usp.br
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