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Quando a luz encontra um obstáculo, por exemplo, uma lente, ela muda de direção. A luz do sol, ao passar pelos cristais de gelo na atmosfera, que funcionam como uma lente, altera sua trajetória e forma figuras luminosas no céu. Em uma lente magnética, feita com partículas de ferro colocadas entre duas placas de vidro, o ferro pode agir como os cristais de gelo e modificar a direção da luz. Para isso, é preciso usar um ímã, o qual gera um campo magnético que altera a disposição das partículas de ferro na lente e, consequentemente, o percurso da luz. Esse fenômeno já era conhecido em fontes de luz comuns, como o sol, lâmpadas ou LEDs, mas e quando a luz vem de uma única direção?
A resposta para essa pergunta está em uma pesquisa da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, que usou lentes magnéticas para entender o comportamento da luz emitida em uma única direção, chamada de polarizada (utilizada, por exemplo, para criar as imagens em telas de cristal líquido), quando recebe um campo magnético. Este campo é gerado por ímãs ou bobinas, e o experimento verificou que, conforme a sua intensidade, ele muda a maneira com que as partículas de ferro se arranjam dentro da lente, fazendo a luz mudar de caminho. A descoberta abre caminho para futuras aplicações em que seja necessário o controle da luz, como chaves para comunicação por fibra óptica ou telas de aparelhos eletrônicos. Atualmente, a luz que gera a imagem dessas telas é controlada por um campo elétrico, que seria substituído pelo campo magnético.
O estudo utiliza o ferrofluido, um líquido que contém nanopartículas de ferro envolvidas em um detergente, também chamado de “fluido inteligente” (smart fluid). “Esse líquido possui propriedades magnéticas, ou seja, se aplicar um campo magnético, ele sofre efeitos”, conta o professor Alberto Tufaile, que realizou a pesquisa. “O ferrofluido é usado para produzir lentes magnéticas, conhecidas como ferrocell, feitas com o fluido dissolvido em placas de vidro.” Elas são empregadas em experimentos de magneto-ótica, ou seja, que verificam quais são os efeitos do magnetismo dos materiais na difusão da luz, a partir do conceito de difração, que é a capacidade da luz de alterar sua trajetória diante de obstáculos, como as lentes.
Tufaile aponta que o Laboratório de Matéria Mole da EACH já realizava experimentos de ótica com espumas, para entender os padrões luminosos gerados pela incidência dos raios solares na atmosfera. “Isso permitiu entender a formação de círculos luminosos em torno do sol (círculos parélicos ou cães solares), pois a luz incide na espuma e forma padrões como os dos cristais de gelo nas nuvens quando recebem a luz solar”, diz. “O resultado chamou a atenção do inventor da Ferrocell nos Estados Unidos, Timm Vanderelli, que relatou os padrões luminosos das lentes magnéticas. Isso levou o laboratório a pesquisar o fenômeno”.
Lentes magnéticas
Nas lentes magnéticas, os padrões são criados pela geração de um campo magnético, seja por uma bobina ou por um ímã permanente, como os superímãs, por exemplo. “O campo magnético é aplicado na lente e modifica as propriedades óticas das nanopartículas de ferro, ou seja, a maneira que elas interagem com a luz”, explica o professor. “Dessa interação surgem os padrões luminosos, que variam conforme a intensidade do campo magnético, e permitem observar seus efeitos.”
De acordo com Tufaile, os efeitos óticos do campo magnético já eram conhecidos, porém não se sabia com exatidão como ele atuava na presença de luz polarizada, que se propaga em uma única direção, usada em monitores de cristal líquido (LCD) e para criar o efeito tridimensional em óculos 3-D, nos quais a trajetória da luz é controlada por meio de campos elétricos. “O objetivo da pesquisa era entender os princípios físicos que atuam no ferrofluido na incidência de luz polarizada, e obter uma explicação dentro das leis do eletromagnetismo.”
O experimento demonstrou que sob o efeito do campo magnético, o ferrofluido funciona como uma grade de difração, que se altera com o campo magnético. “Isso quer dizer que o campo magnético tem a capacidade de controlar o deslocamento da luz, conforme a sua intensidade”, destaca o professor, “modificando os padrões luminosos criados pelas lentes magnéticas”.
De acordo com o professor, embora a pesquisa seja básica, entender o comportamento da luz sob efeito do campo magnético abre caminho para estudar futuras aplicações. “Um exemplo seria o uso em chaves óticas, nas quais o campo magnético controla a difração da luz, o que poderia ser aplicado nas comunicações por fibra ótica”, diz. “Outra possibilidade é a criação de um novo tipo de display baseado em campos magnéticos, pois as telas atuais de cristal líquido usam campos elétricos para formar as imagens.” Os resultados do estudo são descritos em artigo publicado em 29 de março na revista científica Condensed Matter.
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Mais informações: e-mail tufaile@usp.br, com o professor Alberto Tufaile