Durante o estudo de doutorado de Paulo Franco Marcelino, na área de biotecnologia industrial, foi desenvolvida uma nova tecnologia de produção de biossurfactante sustentável, utilizando o bagaço de cana-de-açúcar como matéria-prima. “Os surfactantes de origem sintética, são compostos muito presentes no dia-a-dia, nas indústrias química e farmacêutica, em produtos como cremes, xampus, detergentes e até em alguns medicamentos”, explica o professor Silvio Silvério, orientador do trabalho.
“Sua estrutura química, com regiões polares e apolares, altera a tensão superficial dos líquidos, diminuindo a ‘elasticidade’ da membrana liquida e fazendo com que qualquer coisa localizada na superfície aquosa tenda a afundar, fenômeno chamado de redução da tensoatividade. Além disso, as diferentes polaridades da molécula do tensoativo fazem com que ele facilite a mistura de substâncias (emulsionamento), como no caso do óleo e da água. É assim que os detergentes, por exemplo, conseguem se juntar à água e às partículas de gordura em objetos de cozinha, fazendo a sua limpeza.”
O biossurfactante desenvolvido pelo grupo de pesquisa, por utilizar uma matéria-prima natural, apresenta elevada biodegradabilidade. “Ele não agride o meio ambiente e apresenta toxicidade baixa ou nula para animais, vegetais e seres humanos”, ressalta. Após o depósito da patente do composto, surgiu a ideia de testar sua aplicação no combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e do zika vírus. “O objetivo era testar uma alternativa para o controle do inseto, a partir de uma matéria-prima sustentável, no caso o bagaço de cana”.
Larvas
O Aedes aegypti pousa na superfície da água para colocar seus ovos. Em poucos dias, eles dão origem a larvas, que se desenvolvem e se tornam insetos adultos. “Os surfactantes sintéticos, ao alterarem a tensão superficial da água, dificultam a respiração das larvas. Além disso, a polaridade dual das moléculas do surfactante causam modificações no sifão respiratório das larvas”, relata Paulo.
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Nos experimentos realizados durante a pesquisa, as larvas foram destruídas em até 24 horas. Por meio da Agência USP de Inovação, foi feito o registro da patente do biossurfactante (biodetergente), que é a base do biolarvicida. “Agora que foi comprovada a eficiência do composto, será preciso apoio para a realização de novos testes, visando o lançamento de um produto que possa ser feito em escala industrial”, planeja Silvério.
O biossurfactante, obtido do bagaço de cana, além de dificultar as trocas gasosas das larvas, também desestrutura o seu exoesqueleto, desintegrando-as. Esse efeito não é observado com o composto sintético.
Segundo o professor da EEL, o objetivo inicial do estudo era proporcionar um aproveitamento mais nobre ao bagaço, que é o subproduto da moagem da cana. “O Departamento de Biotecnologia da EEL tem uma tradição em trabalhar com aproveitamento de resíduos”, diz. No Laboratório de Bioprocessos e Produtos Sustentáveis, coordenado pelo professor Silvério, é estudado o aproveitamento biotecnológico do bagaço da cana para a obtenção de bioprodutos. “No Brasil, há uma grande produção de cana-de-açúcar, e apesar de aproximadamente 70 % do bagaço ser aproveitado na geração de energia, o restante ainda não tem nenhum aproveitamento mais nobre pelas indústrias”.
O desenvolvimento do biossurfactante tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os testes para verificar a eficiência do biossurfactante com as larvas do Aedes aegypti tiveram a colaboração dos professores Cláudio Van Zuben e Jonas Contiero e o doutorando Vinícius da Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro.
Mais informações: email silvio@debiq.eel.usp.br, com o professor Silvio Silvério