O estudo foi produzido com dados de 2013 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE.Foto: Paula Quiyahora / Pixabay

Doenças crônicas farão brasileiros de baixa renda os mais afetados pela covid-19

Projeção é de relatório produzido pela economista Laura Carvalho; na outra via, professora Marta Arretche alerta que pandemia fará pobreza aumentar já no curto prazo

08/04/2020

Por Ivanir Ferreira e Matheus Souza

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Baixa escolaridade e desigualdades sociais são determinantes para elevação da taxa de transmissão e severidade da covid-19 no Brasil e, e em face dessa condição, seria necessário pensar em políticas sensíveis voltadas exclusivamente para a população em estado de vulnerabilidade. É o que sugere relatório produzido pela professora Laura Carvalho, do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, em parceria com outras duas pesquisadoras, Luiza Nassif Pires, da Levy Economics Institute  (LEI), e Laura de Lima Xavier, da Harvard Medical School (HMS). O estudo foi elaborado a partir de dados de 2013 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Laura Carvalho cita no relatório dados do estudo norte-americano We need class, race, and gender sensitives policies to fight the covid-19 crises, de autoria das pesquisadoras da HMS e da LEI, entre outros, e que mostra que a covid-19 e a severidade dos casos foram maiores na população de baixa renda. Com base nos dados da PNS, a professora da FEA fez uma estimativa da proporção de brasileiros que se enquadrariam no grupo de risco para covid-19. “Além de estarem mais sujeitos à contaminação, os mais pobres estão desenvolvendo quadros mais graves da doença”, disse a professora ao Jornal da USP.  O trabalho também sugere que uma das explicações para essa desproporção seja a maior incidência de doenças crônicas associadas aos casos mais graves da covid-19.

Gráfico da proporção da população em risco de contaminação pela covid-19 por grau de escolaridade. Foto: Relatório de pesquisa dados PNS (IBGE/2013)

Nesse contexto, considerando pessoas com idade acima de 60 anos, diagnosticadas com diabete, hipertensão arterial, problemas cardíacos e respiratórios e insuficiência renal crônica, a PNS apontou que 42% da população se encontrava em 2013 em algum grupo de risco. Esse porcentual se elevava quando se levou em conta o nível de escolaridade dos entrevistados: 54% para os que declararam ter frequentado apenas o ensino fundamental; 28% para os que disseram ter o ensino médio e 34%  para os com ensino superior ou pós-graduação.  As comorbidades também atingiram em maior proporção os brasileiros que frequentaram o ensino fundamental: 42%, contra 33% para os demais grupos.

Desigualdades de acesso aos sistemas de saúde

Laura Carvalho, pesquisadora do Departamento de Economia, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP - Foto: Arquivo pessoal

Laura Carvalho, pesquisadora do Departamento de Economia, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP – Foto: Arquivo pessoal

Para a pesquisadora brasileira, tais evidências preocupam ainda mais pelas desigualdades de acesso aos sistemas de saúde. Os dados da PNS indicaram que, entre os 20% mais pobres, 94% não tinham plano de saúde, embora 10,9% se autoavaliassem com saúde regular, ruim ou muito ruim.  Entre os 20% mais ricos, esses índices eram de 35,7% e 2,2%, respectivamente. O número disponível de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo era quase cinco vezes inferior para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) – 1,04 leito por 10 mil habitantes – do que para quem tem acesso à rede privada – 4,84 leitos por 10 mil habitantes.

Diante desse quadro que mostra evidências de que a pandemia pode atingir de maneira desigual pessoas mais vulneráveis, a pesquisadora brasileira defende que sejam pensadas políticas públicas específicas para esse grupo. Nesse sentido, Laura Carvalho recomenda que a renda básica aprovada recentemente no Congresso Nacional seja liberada o mais rapidamente possível para garantir à população algum meio de subsistência –  e a possibilidade de permanecer em casa com menos risco de ser infectada pela covid-19. Além dessa proposta, Laura Carvalho também é favorável à realocação de leitos do sistema privado de saúde e destinação maior de recursos para o SUS.

Epidemias como motor de mais desigualdade

Não é só a desigualdade que afeta a o modo como uma epidemia é sentida. Uma epidemia de grandes proporções pode deixar marcas socioeconômicas profundas, influenciando a dinâmica de distribuição de renda nos locais afetados. No último dia 2, a professora Marta Arretche, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, falou sobre este tema em um seminário on-line promovido por Lorena Barberia, também professora da FFLCH.

Marta Arretche - Foto: Arquivo pessoal

Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – Foto: Arquivo pessoal

Conforme explicou Marta Arretche, cada epidemia se espalha de maneira distinta, e esse é o primeiro fator que determina seu impacto socioeconômico. “Uma epidemia em que todos são igualmente atingidos (ricos e pobres), como é o caso das ocorridas na Idade Média, aumenta-se a pobreza, mas se reduz a desigualdade. Já quando só os mais pobres são impactados, a desigualdade aumenta.”

Outro ponto importante é o impacto na capacidade produtiva de cada país. Por causa do número de pessoas que acabam mortas ou doentes, as epidemias costumam ter como consequência o aumento da escassez da força de trabalho, mas não necessariamente diminuem a capacidade produtiva das empresas. Quando isso acontece, um cenário possível é que os trabalhadores possam negociar melhores salários, bem como a regulação das condições de trabalho.

A professora explica que essa é uma condição necessária para redução de desigualdade, mas sozinha não é suficiente – outros fatores também  precisam ser observados no modo como cada região é impactada. A peste negra, por exemplo, fez com que a renda do trabalho crescesse na Europa Ocidental, mas não na Europa Oriental.

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Quanto à pandemia atual, causada pela disseminação do novo coronavírus, ainda é muito cedo para saber qual será seu impacto na desigualdade no Brasil e no mundo. Porém, uma consequência certa é o aumento da pobreza já no curto prazo. O isolamento social, apesar de necessário, tem um papel direto nisso, uma vez que seus efeitos estão condicionados à desigualdade preexistente. Por isso, favorece as pessoas que possuem empregos formais e podem trabalhar remotamente, que possuem reservas de emergência e que moram em residências de baixa densidade e com acesso à TV e internet. Os demais acabam sofrendo um impacto muito mais duro.

“No cenário atual, causa muita preocupação a velocidade que a pobreza extrema vai aumentar como resultado imediato das estratégias de isolamento social, em comparação à velocidade com que os governos tomarão medidas em relação a isso”, comentou a pesquisadora.

Para conferir o seminário na íntegra, acesse o vídeo no YouTube.

Mais informações: e-mail l.carvalho@usp.br, com Laura Carvalho ou pelos telefones (11) 3091-6054/6070