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Os indivíduos da espécie de fungo causadora do pé de atleta são tão parecidos geneticamente entre si que podem ser considerados parte de uma população clonal. Isso ocorre porque o Trichophyton rubrum raramente se reproduz de forma sexuada. É o que apontam os resultados de um estudo publicado na revista científica Genetics.
O Trichophyton rubrum é um dermatófito – um tipo de fungo que causa infecções na na pele e no couro cabeludo – que afeta exclusivamente humanos. A espécie é um complexo que pode ser subdividido em diferentes morfotipos. São muito parecidos, mas apresentam pequenas variações de cor, de estrutura ou dos compostos produzidos.
O acasalamento já foi observado em alguns dermatófitos em estudos de outros grupos, mas até hoje nunca foi observado no T. rubrum. Para analisar os hábitos sexuais do fungo, em uma primeira etapa da pesquisa, os cientistas analisaram a variabilidade genética de 100 morfotipos isolados em diversas partes do mundo. Para isso, utilizaram um método conhecido como Multi Locus Sequence Typing (MLST), que não avalia o genoma inteiro e sim alguns pontos-chave específicos.
“Para complementar a pesquisa, 12 isolados foram submetidos ao sequenciamento completo do genoma”, conta a pesquisadora Gabriela Felix Persinoti, que desenvolveu o estudo durante o pós-doutorado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e em estágio no Broad Institute, nos Estados Unidos, realizado com o apoio da Fapesp.
Essa amostra analisada mais profundamente foi composta com 10 morfotipos de T.rubrum e outros dois isolados da espécie T. interdigitale, também capaz de infectar humanos (mas não exclusivamente) e para a qual ainda não havia nenhum genoma descrito.
Após o sequenciamento, o grupo se concentrou na análise de uma região do genoma conhecida como mating type (MAT, que em inglês significa tipos de acasalamento). Para que possa ocorrer o cruzamento entre indivíduos, eles precisam apresentar MATs complementares – um deles precisa ter o MAT do tipo 1 e, o outro, o MAT do tipo 2, por exemplo.
“Ao avaliarmos essa região do genoma, notamos que quase todos os morfotipos de T. rubrum apresentavam MAT do tipo 1. Somente um deles apresentava o tipo 2”, diz Persinoti.
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Análises genômicas
Embora tenham tentado nos experimentos feitos em laboratório, os cientistas não conseguiram fazer os indivíduos com MAT do tipo 2 se reproduzirem sexuadamente com outros indivíduos do tipo 1.
“Isso nos leva a concluir que, muito provavelmente, a reprodução sexuada nessa espécie não acontece. Ou, para acontecer, requer uma condição muito específica”, disse Persinoti.
A conclusão foi reforçada por análises complementares, segundo as quais o índice de similaridade no genoma dos indivíduos analisados se mostrou superior a 99%.
De acordo com a pesquisadora, porém, os genes necessários para a reprodução sexuada encontrados em outros dermatófitos ainda estão presentes no T. rubrum. Tal fato sugere que a transição para o modo de reprodução assexuada é um evento recente na espécie – possivelmente associado à especialização desse fungo em infectar humanos.
“Fizemos uma série de comparações filogenéticas entre os diferentes morfotipos e os resultados permitirão que seja feita uma delimitação mais correta das espécies. Um dos morfotipos, conhecido como soudanense, se mostrou divergente dos demais e pode vir a ser considerado uma espécie separada”, diz Persinoti.
Resultados da investigação sugerem que a reprodução assexuada é a regra na espécie, ou seja, o acasalamento entre os indivíduos não é comum e, se eventualmente ocorre, requer condições muito específicas. Como consequência, a variabilidade genética da população é pequena – mesmo comparando exemplos de diferentes partes do mundo.
Sabe-se que quanto maior é a variabilidade genética entre os indivíduos de uma determinada espécie, maior é a chance de eles se adaptarem e sobreviverem a situações adversas. “A variabilidade genética é um fator a ser considerado, por exemplo, quando se está desenvolvendo uma nova droga, pois pode indicar o risco de o patógeno desenvolver resistência ao tratamento”, explica Nilce Martinez-Rossi, professora da FMRP e supervisora da pesquisa.
“Buscamos desvendar os mecanismos moleculares de patogenicidade desses dermatófitos, ou seja, entender como eles causam a infecção. Revelar as ‘armas’ que estes fungos utilizam durante o processo infeccioso auxilia no desenvolvimento de fármacos para combatê-los”, completa Martinez-Rossi.
A infecção causada pelo T. rubrum é, em geral, crônica e superficial, pois o fungo alimenta-se da queratina presente na pele e na unha. Causa desconforto, coceira e danos estruturais às unhas, acarretando uma diminuição na qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Em raros casos, geralmente associados à baixa imunidade, a infecção pode se disseminar pelo organismo e se tornar uma ameaça à vida do paciente.
Com informações de Karina Toledo / Agência Fapesp