Rede Zika: força-tarefa liderada pela USP ganha reforço internacional

Equipe de Dakar vai treinar pesquisadores brasileiros e ajudar a implantar testes de diagnóstico. Cientistas trazem experiência adquirida no combate ao ebola na África Na última sexta-feira,

 03/03/2016 - Publicado há 9 anos     Atualizado: 30/05/2016 às 16:16

Equipe de Dakar vai treinar pesquisadores brasileiros e ajudar a implantar testes de diagnóstico. Cientistas trazem experiência adquirida no combate ao ebola na África

Na última sexta-feira, dia 8 de janeiro, um time de pesquisadores que passou o período de festas dentro do laboratório apresentou à imprensa novidades sobre a rede formada no estado de São Paulo para estudar o Zika vírus. Estabelecida há cerca de um mês, a rede é coordenada pelo professor Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e a partir desta semana passa a contar com a colaboração de uma equipe do Instituto Pasteur de Dakar, no Senegal, que é um dos principais centros de pesquisa em arboviroses – doenças transmitidas por ácaros e mosquitos, como o Aedes aegypti.

Os cientistas desembarcaram no país com a missão de treinar equipes brasileiras, que atuarão como multiplicadoras, com técnicas de isolamento e cultivo do vírus. Liderados pelo pesquisador Amadou Alpha Sall, os especialistas trazem para cá a experiência adquirida no combate ao ebola em 2014, onde aplicaram técnicas inovadoras para poder isolar e estudar o vírus. Eles deixam o país no dia 19, mas as colaborações continuam. A parceria de Zanotto com Sall é de longa data: há mais de 10 anos eles estudam o Zika, investigando, por exemplo, o processo adaptativo do vírus no caminho percorrido do continente africano até a América e a ação do vírus em macacos.

Além da transferência tecnológica, incluindo reagentes para imunologia e sorologia do zZika que o Brasil ainda não tinha, uma das principais contribuições dos senegaleses, segundo o professor Zanotto, será a transferência de cultura. “É um exemplo muito bom para nossos estudantes e pesquisadores acompanhar como eles trabalham com o problema. Eles são rápidos, eficientes e focados”, afirma.

Mobilização

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Professor Paolo Zanotto mostra a distribuição do Zika no mundo | Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A rede Zika, como vem sendo chamada a força-tarefa, envolve 42 laboratórios que estão trabalhando para compreender melhor o vírus, tornando possível aperfeiçoar o diagnóstico e desenvolver terapias e vacinas, já se antecipando a um possível surto no verão. “É como um exército que, mesmo sem saber o que há do lado de lá da colina, está se preparando para uma batalha. Não podemos baixar a guarda”, explica o coordenador da iniciativa. O esforço, complementa, também envolve o Ministério da Saúde, a Anvisa, o governo, tanto em âmbito federal como estadual, e agências de fomento à pesquisa, que tornaram possível uma resposta rápida à chegada do vírus ao país.

É como um exército que, mesmo sem saber o que há do lado de lá da colina, está se preparando para uma batalha.

“Estamos trabalhando para encontrar respostas, com discussões técnicas de altíssimo nível. É uma mobilização importante e coisas boas estão acontecendo. Até 20 dias atrás não tínhamos o diagnóstico molecular e agora já temos”, lembra o pesquisador. Um dos principais objetivos da rede é desenvolver um teste sorológico que possa identificar o vírus mesmo após o período de infecção, que é curto. Segundo o cientista, estão sendo estudadas formas de detecção pela urina e pela saliva, já que descobertas recentes mostram que o vírus permanece por mais tempo nessas vias, ou seja, são alternativas que oferecem mais tempo para que o vírus seja achado.

Refinar o diagnóstico é importante para que se tenha uma visão aprofundada sobre os efeitos do Zika na saúde da população. “Estamos vendo apenas a ponta do iceberg, que são os casos de microcefalia”, pontua. No caso da dengue, que é transmitida pelo mesmo mosquito, o acompanhamento vem acontecendo há vários anos, permitindo acumular estatísticas e saber exatamente a quantidade de pessoas infectadas e de mortes provocadas pela doença. Com o Zika, as informações ainda são escassas – e é por isso que compartilhá-las é um dos mantras da rede formada para estudar o vírus.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Microcefalia

Professor do Departamento de Microbiologia do ICB, Paolo Zanotto comenta que embora a associação entre os casos de microcefalia e a infecção pelo Zika esteja clara, pois ocorrem no mesmo tempo e espaço, não se sabe ainda se há, de fato, uma relação causal direta e quais mecanismos estariam envolvidos entre os dois fenômenos. Uma possibilidade para explicar a ligação entre Zika e microcefalia seria uma reação do próprio organismo contra o vírus, que acaba afetando os bebês. Ainda assim, reforça que os cientistas estão trabalhando com a hipótese de que a causalidade existe, como forma de reforçar a prevenção.

Estamos vendo apenas a ponta do iceberg, que são os casos de microcefalia.

As grávidas de São Paulo estão sendo acompanhadas por hospitais, clínicas e laboratórios que compõem a rede. Com o diagnóstico molecular, muitos casos suspeitos foram negativados, mas os pesquisadores se mantêm alertas. Zanotto conta que a equipe também está buscando acesso ao material (plasma) de mães que tiveram filhos com microcefalia, como forma de validar os testes em desenvolvimento e fazer avançar os estudos.

Ao mostrar o mapa de espalhamento da doença no Brasil, cujo epicentro foi a região nordeste, o pesquisador enfatiza que a causa da microcefalia não pode ser atribuída à vacinação, como alguns boatos têm sugerido.

Leia também: Especialistas da USP desmentem boatos sobre o Zika vírus

Pasteur no Brasil

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A vinda dos cientistas de Dakar faz parte de um acordo de cooperação firmado em junho do ano passado entre a USP, o Instituto Pasteur e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A parceria prevê, entre outras ações, a criação de uma sede brasileira do Pasteur na Universidade, viabilizando o desenvolvimento de uma rede científica de pesquisa biológica, biomédica e biotecnológica. O vice-diretor do ICB, professor Luis Carlos de Souza Ferreira, que lidera a iniciativa de trazer a unidade para a USP, afirma que a expectativa é que isso se conclua até 2017.


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