Auxílio emergencial não diminuiu a mobilidade dos beneficiários, indica estudo

Pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária compararam a mobilidade dos elegíveis para renda emergencial que receberam ou não o auxílio

 14/07/2020 - Publicado há 4 anos
De acordo com o levantamento da Rede de Pesquisa Solidária, pessoas não beneficiadas pelo auxílio emergencial saíram de casa em 3,43 dias em duas semanas. Os que receberam saíram em 3,51 dias; não há evidências de que a mobilidade diminuiu no grupo beneficiado – Foto: Omni Matryx/pixabay

Novo levantamento da Rede de Pesquisa Solidária ouviu 1.654 moradores de Fortaleza, Goiânia, Manaus, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre para comparar as práticas de distanciamento social dos que receberam a Renda Básica Emergencial (RBE) com as de quem pode se candidatar ao benefício, mas não o recebe. Nas duas semanas anteriores às entrevistas, os não beneficiados pelo programa deixaram suas casas em 3,43 dias enquanto os que os que receberam o auxílio deixaram suas casas em 3,51 dias. De acordo com os pesquisadores, não há evidências de que a mobilidade foi menor no grupo beneficiado pelo programa do governo federal.

Desde março, o governo federal implementa o programa de Auxílio Emergencial – com pagamentos de R$ 600,00. Esse benefício equivale a quase 60% do salário mínimo nacional e atingiu 48.720.875 pessoas em abril e 5.198.765 em maio de 2020. Isso significa que quase um em cada quatro brasileiros recebeu o auxílio. Em 30 de junho, o governo decretou o recebimento por mais dois meses, com o mesmo valor de pagamento.

O levantamento avalia dinâmicas ainda pouco conhecidas do Programa de Renda Emergencial. Em primeiro lugar, os pesquisadores observaram a mobilidade daqueles que são elegíveis e se candidataram ao programa, que se diferenciam daqueles que são elegíveis, mas não se candidataram. Em segundo lugar, foi avaliado se o auxílio incentivou os beneficiários a “ficar em casa” em comparação aos que somente se diferenciavam por não terem recebido. Por fim, analisou-se a relação entre o auxílio e o risco de infecção pela covid-19.

Os dados utilizados têm sua fonte em uma consulta realizada por pesquisadores das universidades
de Oxford, da USP e da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) em uma amostra colhida em oito capitais brasileiras. A pesquisa foi realizada por telefone entre os dias 6 e 27 de maio. A amostra foi aleatória e estratificada por idade, sexo, renda e nível de escolaridade. Foram entrevistados 200 moradores de sete capitais, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre, e outros 250 em São Paulo.

A produção da nota técnica foi coordenada por Lorena Barberia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, José Eduardo Krieger e Marco Antonio Gutiérrez, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e Kelly Senters Piazza, da United States Air Force Academy (DFPS). O levantamento teve a participação dos pesquisadores Wedgide Bourdeau (United States Air Force Academy), Ingrid Castro Silva (USP) e Maria Letícia Claro de F. Oliveira (USP e FGV). A nota técnica pode ser lida na íntegra aqui.

 

 

Renda e mobilidade
Os pesquisadores pediram aos entrevistados que relatassem sua eventual elegibilidade para o programa de auxílio emergencial. A proporção de respondentes em cada uma das categorias de resposta é resumida na tabela abaixo.

A análise da Rede de Pesquisa Solidária concentrou suas atenções nas pessoas que declararam ser elegíveis para o auxílio. Dos entrevistados, 41% se autodeclararam elegíveis (680 de 1654 pessoas). No entanto, apenas 564 pessoas relataram que se inscreveram (ou se qualificaram automaticamente para o programa, por serem beneficiários do programa Bolsa Família, por exemplo). Em outras palavras, apenas 34% dos respondentes solicitaram o benefício. Dos que integram esse grupo, 68% (ou 385) receberam o pagamento e o restante (179) ainda aguardava o dinheiro. No total, 116 pessoas que declararam ser elegíveis para receber o auxílio não se inscreveram no programa.

De acordo com o levantamento, nas duas semanas anteriores às entrevistas, os não beneficiados pelo programa saíram de casa em 3,43 dias enquanto que os que receberam o auxílio saíram em 3,51 dias. Não há evidências de que a mobilidade diminuiu no grupo beneficiado pelo programa do governo federal. Apesar dos problemas de concepção e de operacionalização, o programa emergencial atingiu segmentos vulneráveis da população, o que confirma análises já apresentadas em outros boletins.

As mulheres e aqueles que não se identificam como brancos foram o que mais receberam o auxílio
do governo. Ao mesmo tempo, os maiores de 55 anos receberam menos. Aqueles que receberam, saíram mais de casa para ir ao banco e para fazer compras de comida e produtos essenciais, enquanto que os que não receberam deixaram suas casas para outras atividades, com destaque para as esportivas e, em menor extensão, para trabalhar. O indicador de risco de contaminação pela covid-19 foi maior entre os beneficiados.

A pandemia tem sido uma fonte significativa de instabilidade econômica para as famílias, o que foi confirmado pela consulta, que revelou os seguintes números: apenas 18,7% dos entrevistados afirmaram que sua renda permaneceu inalterada desde fevereiro. Os mais atingidos entre os 81,3% restantes da população são, inequivocamente, aqueles que ocupam as faixas de renda mais baixas e os que são elegíveis para o auxílio. Entre os que receberam o beneficio, 50,85% afirmam que ele foi inferior a 50% da renda familiar. Cerca de 44,5% dos beneficiários afirmaram que não estão mais trabalhando e 18,8% afirmaram que passaram a trabalhar menos. 15,1% declararam trabalhar em casa e 3,7% mudaram de emprego. Os resultados indicam que aqueles que experimentaram uma queda na renda familiar (excluído o auxílio) foram os mais propensos a solicitar o benefício.

Auxílio e risco de infecção

Como no Brasil não foi realizado volume razoável de testes para o coronavírus, os pesquisadores desenvolveram um sistema de pontuação de risco com base na prevalência de sinais e sintomas da covid-19 em mais de 50 mil pessoas infectadas. A partir desses dados, foi criado um algoritmo de aprendizado de máquina (machine learning) para calcular a probabilidade de infecção pelo coronavírus para a amostra utilizada neste estudo. Após cruzamento dos sintomas com os dados indicativos de quem recebeu ou não o auxílio emergencial, foi possível concluir que o risco de infecção variou entre 0 e um valor máximo de 5,09.

Ao segmentar esses dados, verificou-se que aproximadamente 25% dos entrevistados receberam valores maiores do que zero, mas que apenas 8,1% da amostra receberam valores no intervalo entre 1 e 5,09. O importante é que a média foi maior para as pessoas que receberam (0,352) em comparação com as que não receberam (0,120). Na amostra dos que tiveram um risco de covid-19 maior do que 0, a média também foi maior para os que receberam o auxílio (1,714) em comparação com quem não recebeu (0,497). Os resultados dessa projeção, realizada com base em instrumentos de Inteligência Artificial, indicaram que os indivíduos que receberam o auxílio emergencial passaram a ter maior probabilidade de serem portadores da covid-19.

A partir dos dados observados, os autores da nota sugerem que o auxílio emergencial, para cumprir pleno papel de diminuição do risco de contágio e de contenção da covid-19, precisa ser complementado por programas de informação voltados para reduzir a mobilidade das pessoas. Sem essa atuação complementar, cuja responsabilidade primeira é do setor público, o programa pode contribuir para a quebra do distanciamento físico e mostrar-se ineficaz na diminuição do contágio pelo vírus. Como mostrado em boletins anteriores, as ações integradas são as que possuem maior chance de êxito no combate à pandemia, concluem os pesquisadores.

A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas. O alvo é melhorar o debate e o trabalho de gestores públicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadêmica e empresários, todos preocupados com as ações concretas que têm impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biológicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que está em contato com centros de excelência no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.

A coordenação científica está com a professora Lorena Barberia, da FFLCH. No comitê de coordenação estão: Glauco Arbix (FFLCH e Observatório da Inovação), João Paulo Veiga (FFLCH), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fábio Senne (Nic.br) e José Eduardo Krieger (Incor). O comitê de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o Nic.br e o Incor. A divulgação dos resultados das atividades será feita semanalmente através de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, João Paulo Veiga e Lorena Barberia. São mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os Estados tomam diante da crise.

Rádio USP

Ouça a entrevista realizada no Jornal da USP no ar, na Rádio USP,  com a professora Lorena Barberia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, uma das coordenadoras do estudo.

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As notas anteriores estão disponíveis neste link.

 


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