Saída de universidades alemãs do X é ato de resistência contra ultradireita, afirmam especialistas

Lideradas pela Universidade de Düsseldorf, mais de 60 instituições alemãs deixam a plataforma X após Elon Musk estreitar laços com a ultradireita durante live. No Brasil, pesquisadores alertam sobre a normalização do extremismo nas redes

 Publicado: 21/01/2025 às 13:15
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Fotomontagem Jornal da USP com imagens de: wal_172619/Pixabay; Freepik; kues1/Freepik

Mais de 60 instituições acadêmicas alemãs anunciaram, em 10 de janeiro, sua saída da plataforma X (antigo Twitter). A decisão veio um dia após o bilionário e proprietário da rede social, Elon Musk, realizar uma transmissão ao vivo com Alice Weidel, líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Entre as universidades que abandonaram a plataforma estão a Universidade de Düsseldorf, a Universidade de Heidelberg e a Universidade Livre de Berlim.

Glauco Arbix – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A movimentação das instituições alemãs não é isolada. No Reino Unido, diversas universidades já haviam se afastado da rede social devido à mesma razão, entre elas diversas escolas pertencentes à Oxford e Cambridge. “Há uma semana, no Reino Unido, Elon Musk fez exatamente a mesma coisa: deu apoio direto à liderança do partido de ultradireita e também elevou a pressão sobre universidades, cientistas e pesquisadores, levando-os a se afastarem da rede X”, explica o professor Glauco Arbix, coordenador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Neste contexto, o professor reforça a dimensão global da influência de Musk e sua aproximação com setores conservadores: “Não é à toa que Elon Musk está buscando apoio e estreitando laços com partidos de ultradireita na Alemanha e no Reino Unido. Ele está fortalecendo conexões com Orbán na Hungria e com o governo italiano”. Na opinião de Arbix, é como se Musk estivesse, hoje, “tentando construir uma ‘internacional’ de apoio a visões extremamente conservadoras, que desprezam direitos, limitam liberdades e rejeitam qualquer ideia de justiça digital”, avalia.

Além do impacto na academia, o especialista alerta que esse movimento de alinhamento das big techs com a extrema direita pode ter ramificações econômicas e políticas profundas. “Os grandes bancos estão suspendendo políticas de diversidade, e grandes investidores, como a BlackRock, já decidiram cancelar essas políticas. Todas as políticas que visavam ao investimento em empresas com objetivos de redução de carbono estão sendo abandonadas”, afirma. Para ele, o realinhamento empresarial tem consequências diretas na regulamentação das plataformas digitais e no futuro da economia global.

Na avaliação do docente, a retirada das universidades alemãs da plataforma pode indicar uma tendência mais ampla de resistência acadêmica ao avanço da ultradireita no espaço digital. “Do ponto de vista acadêmico, a decisão das universidades alemãs expressa uma posição extremamente corajosa. Elas estão se retirando de uma plataforma que deixou de ser um espaço de livre pensamento e diversidade, tornando-se um veículo a serviço de posições políticas bem definidas”, argumenta Arbix.

Normalização do discurso extremista

Letícia Cesarino – Foto: Arquivo pessoal

Para Leticia Cesarino, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a decisão das universidades alemãs reflete um entendimento profundo do risco representado por essa aproximação entre Musk e setores da ultradireita. “Não é por acaso que essa posição veio de um conjunto de universidades alemãs, por exemplo. A Alemanha viveu o fascismo histórico em sua forma mais contundente, e eles sabem — principalmente no meio acadêmico — que o fascismo é um processo. Não foi de repente que a Alemanha dos anos 1930 virou fascista. Foram anos de normalização, de aceitação de Hitler e de seu grupo dentro do governo e do Estado”, conta a professora.

Cesarino também ressalta o papel das plataformas digitais na ampliação da polarização política. “Com o Musk explicitando sua identidade de extrema direita, essa divisão, que antes acontecia dentro das plataformas, agora ocorre entre plataformas, entre sites e redes sociais. Hoje, há uma espécie de geopolítica das plataformas que não era tão evidente antes.”

Para ela, existe uma conexão clara entre esse movimento e o conceito da Janela de Overton, que descreve como ideias antes consideradas radicais vão, aos poucos, se tornando aceitáveis dentro do debate público. “Hoje na internet há camadas mais opacas e fechadas, como o Telegram, imageboards e fóruns. Antes, os discursos abertamente racistas, transfóbicos e misóginos ficavam restritos a esses espaços. Mas, agora, esse conteúdo começa a emergir para a superfície da internet e do mainstream, em parte devido a essa reconfiguração do X, por exemplo”, explica ela. “Quando esses discursos começam a emergir na superfície, abre-se uma janela de possibilidades que impulsiona a fascistização”, pontua.

Na opinião da pesquisadora, a saída das universidades alemãs é uma tentativa de resistir a esse processo de normalização do extremismo. “Se você está numa plataforma que permite todo tipo de conteúdo transfóbico, racista, anti-imigrante, anti-árabe, anti-Palestina, como o X, acho apropriada aquela metáfora: sentar-se à mesa com nazistas. Se você está sentado à mesa com um nazista, você está ajudando a normalizar aquilo”, conclui ela.


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