Na pandemia, adolescentes da Fundação Casa visitam a família por chamadas de vídeo

A professora Marina Bazon comenta a ação da Fundação Casa diante do absoluto confinamento dos jovens na pandemia

 24/03/2021 - Publicado há 3 anos
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A família cumpre um papel muito importante no processo de ressocialização dos adolescentes em confinamento – Foto: Fundação Casa

 

Atualmente, mais de 5,5 mil adolescentes estão internados na Fundação Casa em todo o Estado de São Paulo. Desse total, cerca de 2,6 mil – pouco mais de 47% – cumprem medida socioeducativa por tráfico de drogas. Em Ribeirão Preto, no interior do Estado, são 208 jovens apreendidos, sendo mais da metade também por tráfico de drogas. Os números podem assustar e mostram a dura realidade de milhares de jovens brasileiros.

Alinhada com a educação, a família cumpre um papel muito importante no processo de ressocialização desses adolescentes, dando apoio e, muitas vezes, confiança. Mas, com a chegada da pandemia, a distância e a saudade, que já eram grandes, ficaram ainda maiores.

Para não prejudicar o processo de ressocialização, a Fundação Casa precisou recorrer às visitas remotas, com ligações e até mesmo chamadas de vídeo, já que as visitas familiares presenciais ficaram suspensas entre março e outubro de 2020, voltaram gradativamente, mas já estão novamente adiadas. “A convivência do adolescente com a família não foi comprometida”, garante o secretário da Justiça e Cidadania e presidente da Fundação Casa, Fernando José da Costa.

Ele reconhece que o contato virtual é diferente do presencial, mas afirma que os adolescentes gostaram da novidade, “porque puderam ver novamente o ambiente onde moravam e pessoas que não podiam ou não conseguiam ir a uma visita semanal”.

A professora Marina Bazon, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, destaca que, neste momento, “os jovens, que já vivem em confinamento, ficaram ainda mais confinados”, pois perderam totalmente o contato com o mundo exterior, o que poderia agravar de maneira significativa a saúde mental dos adolescentes que, muitas vezes, já é bastante abalada. 

Conta ela que “a delinquência juvenil pode caminhar de mãos dadas com aspectos de sofrimento do jovem”, como falta de perspectiva, exposição precoce a violência, aspectos de negligência ou fracasso escolar. Com a pandemia, houve um maior isolamento do que aquele que já é produzido pela própria internação e o confinamento foi ainda maior, “como se ele tivesse sido exacerbado”.

Processo de ressocialização

Para ajudar no processo de ressocialização, a Fundação Casa oferece ensino formal, cursos profissionalizantes, atividades culturais, atividades de lazer e esportivas e até mesmo projetos musicais – Foto: Fundação Casa

 

Faihra Beirigo Shimamura, assistente social da Fundação Casa, em Ribeirão Preto, resume o processo de ressocialização de jovens infratores internados na unidade: “A educação é o caminho para a transformação”. O acesso à educação, arte, cultura e esporte tem ajudado a Fundação Casa a diminuir cada vez mais a taxa de reincidência desses jovens, que em até 80% dos casos não retornam mais ao local.

Ao longo do processo socioeducativo, o adolescente e a família são acompanhados pela equipe de referência, composta de assistentes sociais, psicólogos, agentes educacionais, agentes socioeducativos e auxiliares de enfermagem, como explica Faihra. “Essa equipe acompanha todo o processo socioeducativo com a família e com o jovem, ajuda na construção do Plano Individual de Atendimento (PIA), que auxilia na individualização da medida, para trabalhar as vulnerabilidades específicas daquele jovem e da família.”

Para ajudar nesse processo de ressocialização, a Fundação Casa ainda oferece ensino formal, cursos profissionalizantes, atividades culturais, atividades de lazer, atividades esportivas e até mesmo projetos musicais.

Segundo estudo do Instituto Sou da Paz, cerca de 68% dos jovens apreendidos não frequentam a escola. “Sem dúvida nenhuma, a educação é o principal caminho de ressocialização desses jovens”, afirma Faihra. Ela ainda conta que muitas vezes os jovens abandonam a escola ou, então, nunca tiveram contato com cursos profissionalizantes, arte e, muitas vezes, nem cultura.

O trabalho da Fundação Casa segue as diretrizes da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que garantem aos adolescentes os direitos à alimentação, educação, profissionalização, cultura, lazer e também ao atendimento psicossocial.

“O trabalho das equipes é prover os direitos e fazer com que os jovens passem pelo processo de reflexão sobre o ato infracional que praticou, para modificar sua trajetória de vida, deixando o envolvimento com o mundo do crime”, explica o presidente da Fundação.

Baixa reincidência ou maioridade?

A Fundação Casa tem uma taxa de reincidência entre 20% e 25%, como aponta pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com jovens que cumpriram medida socioeducativa entre 2015 e 2019. De acordo com o levantamento, dos 5,5 mil jovens internados na Fundação Casa na época, houve apenas 1,3 mil casos de reincidência. E como em parte desses casos a Justiça considerou que não houve infração penal, ou seja, que o adolescente era inocente, a taxa de reincidência caiu ainda mais, para quase 14%.

Costa afirma que cerca de 80% dos jovens não retornam para a internação, mas o grande desafio do adolescente é no retorno à sociedade. “O jovem precisa do apoio da família, da sociedade e do Estado para que o mundo do crime não seja uma opção ou necessidade.”

Já para a professora Marina Bazon, não é possível medir o índice de reincidência desses jovens, já que, segundo ela, “os adolescentes que passam pela Fundação Casa muitas vezes são monitorados, em termos de reentrada no sistema socioeducativo”. Mas como a média de idade dos meninos que entram na Fundação fica entre 16 e 17 anos, e como eles ficam, em média, entre um e dois anos, a professora afirma que “a chance de reentrada no próprio sistema socioeducativo é muito baixa”.


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