Já são três meses de manifestações populares ininterruptas na Argélia, motivadas pela candidatura a um novo mandato do presidente Abdelaziz Bouteflika, que implicaram em sua demissão em abril. Na terça-feira (21), milhares de estudantes e professores manifestaram-se em Argel para reafirmar a rejeição das eleições presidenciais previstas para 4 de julho. Nesse contexto, desde o último dia 9 de maio, a secretária-geral do Partido dos Trabalhadores da Argélia, Louisa Hanoune, encontra-se presa por decisão do Tribunal Militar de Blida, após atender convocação a prestar depoimento como testemunha. Ela é militante de larga trajetória, candidata a presidente da república em três oportunidades, além de deputada da Assembleia Nacional por cinco mandatos consecutivos desde 1997. Em 2004, foi a primeira mulher argelina a candidatar-se à presidência do país. O Jornal da USP no Ar conversa sobre o tema com o professor Everaldo de Oliveira Andrade, do Departamento de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
A Argélia é um país no norte da África, com 40 milhões de habitantes e uma economia importante vinda do petróleo, tendo uma significância geopolítica também no contexto europeu. De acordo com Andrade, o regime político da Argélia (implantado após o fim da guerra) está se destruindo pelas mobilizações do povo na rua. “Tem milhões de argelinos saindo às ruas contra o regime, que tenta sobreviver através de manobras políticas. Esse regime, nos últimos meses, vem atacando uma série de acordos, feitos nos últimos anos, que preservavam a soberania da Argélia e sua democracia.”
O professor contextualiza: as mobilizações populares foram liberadas em grande parte pelo partido de Louisa Hanoune, uma liderança política importante na Argélia. Ela decidiu sair da Assembleia para se juntar aos milhões de argelinos que pedem uma Assembleia Constituinte. “Esse papel protagonista da Louisa Hanoune, na Argélia, acabou levando a uma perseguição do regime contra ela, e ela está presa desde o dia 9 de maio”, afirma o especialista. Isso provocou campanhas em defesa da liberdade de Louisa, como a aprovação de uma moção pelo Parlamento Nacional e o manifesto de personalidades culturais e políticas na França.
A mobilização popular que acontece na Argélia contesta as eleições do dia 4 de julho por serem vistas como tentativa de sobrevivência do velho regime, de Abdelaziz Bouteflika. Com 82 anos e muito doente, as mobilizações o obrigaram a renunciar à eleição do quinto mandato em 11 de março deste ano. Depois disso, o exército começou a tomar medidas através do chefe de Estado-Maior, Ahmed Gaid Salah, a dirigir o processo político e a impedir que haja qualquer tipo de mudança. A proposta de Louisa Hanoune e dos partidários é fazer uma Assembleia Constituinte que mude profundamente o regime e estabeleça, de fato, uma democracia na Argélia.
O especialista comenta que está tentando desenvolver uma atividade, na USP, “com colegas intelectuais e ativistas que queiram defender os direitos humanos em liberdade de Louisa, que representa milhões de argelinos que desejam a paz e a liberdade”. Para ele, a prisão dela é um sintoma de como o regime se encontra em situação-limite, que pode chegar a uma situação de conflito militar armado, “mas espero que não seja esse o caminho e que possa gerar uma situação de abertura democrática”.
Essa situação séria “infelizmente é pouco divulgada”, aponta Andrade. “Há um silêncio constrangedor do governo francês”, porque o caso está próximo de uma instabilidade política muito maior e que pode gerar reflexos não apenas na Argélia, como no mundo árabe e na Europa também. O regime atual é ministrado por militares, pelo chefe de Estado-Maior. “Por isso, eu acho que é importante que a gente acompanhe de perto: porque é um processo que se aproxima também de muitos processos que acontecem aqui na América Latina em que o povo vai às ruas e vai decidir o destino do seu país de fato.”
Para o professor, dois fatores podem reverter a situação. De um lado, a capacidade dessas mobilizações de alterar o regime e abrir uma via democrática pela Assembleia Constituinte. De outro, a solidariedade internacional pela liberdade imediata de Louisa Hanoune. “Acho uma questão que a gente pode se solidarizar, apoiar e divulgar esse movimento também. Reafirmar as liberdades democráticas, tanto na Argélia quanto no Brasil também.”