Depressão, consumo excessivo de álcool, estresse pós-traumático e até mesmo suicídio são algumas das sequelas que podem atingir pessoas em situações de crise humanitária de grandes proporções, como foi o caso do rompimento da barragem 1 do complexo Córrego do Feijão, em Brumadinho. A Organização Mundial da Saúde tem diretrizes sobre ações de saúde mental que devem ser implementadas neste contexto de crise. O governo federal e o estadual de Minas Gerais designaram atendimento psicológico às vítimas da tragédia de Brumadinho. Mas o Brasil, que não tem histórico de crises humanitárias frequentes, possui políticas de saúde mental que atendam diversas populações que sofrem traumas em catástrofes?
Para o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, diretor dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), nessas situações o enfoque também deve ser direcionado à assistência da saúde mental. “A gente pouco fala e não existe essa cultura de veicular as sequelas psicossociais que permanecem nas pessoas ao entorno. Se temos, digamos, 400 vítimas fatais no desastre de Brumadinho, a gente tem um impacto de — no mínimo — 2 mil pessoas, que são os familiares, que são as pessoas que trabalhavam juntas, amigos. São pessoas que correm risco de adoecimento psíquico e que precisam de uma atenção continuada a partir de agora e não só agora, nos holofotes do desastre, mas um acompanhamento longitudinal durante meses e até anos.”
Além do mais, Leite chama a atenção para as situações que passam despercebidas na área de assistência médica e que podem vir a acontecer na região de Brumadinho. “A preocupação que nos assola neste momento é o abastecimento de medicamentos e insumos hospitalares e de outras unidades básicas de saúde, pois muitas pessoas podem ficar privadas de assistência por conta de uma ruptura na rede de transporte local, no atraso de recebimento de medicamentos. Muitos pacientes da saúde mental — e de outras condições clínicas também — fazem uso continuado de medicamento e isso precisa ser garantido e priorizado no gabinete de crise constituído pelo poder público local. Então, temos uma carga de pessoas que já estavam adoecidas psiquicamente e as que podem desenvolver transtornos associados à tragédia.”
E também deve-se pensar nas pessoas envolvidas nos resgates, como os bombeiros e os voluntários. Segundo o psiquiatra, “nesses momentos de catástrofe, e como o Brasil não tem uma política pública organizada para assistência em catástrofe, vemos uma proliferação de iniciativas de ONGs e voluntariado onde não se tem uma centralização das ações que possa garantir que todas estas iniciativas, por mais bem-intencionadas, sejam efetivas”, trazendo problemas para os populares e para essas pessoas que tentam prestar assistência. Para o especialista, isso se dá por conta de uma situação restritiva no que diz respeito ao atendimento de crise humanitária no Brasil, e os impactos serão duradouros na região de Brumadinho. “No caso da saúde mental, é necessária a intervenção precoce, é importante para que esses casos não se cronifiquem, para evitar que — além da problemática social e humanitária — ainda se some o transtorno mental”, complementa Leite.