Jorge Beloqui e a construção da vida solidária

Por Elizabete Franco Cruz, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, e Deborah Raphael, professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP

 15/03/2023 - Publicado há 1 ano
Jorge Adrián Beloqui - Foto: IME/USP
Elizabete Franco Cruz – Foto: Reprodução/ ALESP
Deborah Raphael – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Perdemos o nosso querido amigo Jorge Adrián Beloqui, professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP e ativista incansável nos movimentos em defesa de pessoas vivendo com HIV/aids. Faleceu subitamente em Buenos Aires, no dia 9 de março de 2023, possivelmente de parada cardiorrespiratória decorrente de pneumonia.

Jorge nasceu na Argentina em 1949 e veio para o Brasil em 1975. Cursou Matemática na Universidade de Buenos Aires, fez doutorado no IMPA, Instituto de Matemática e Pesquisa Aplicada no Rio de Janeiro, e ingressou no IME em 1981, onde sempre foi muito querido por colegas e funcionários e fez amizades profundas. Somos testemunhas da sua lucidez e da sua valentia e tivemos o privilégio de conviver com seu bom humor e sua risada generosa e espalhafatosa. 

Gostava de ser professor e se dedicava com prazer às aulas da graduação, que ministrava como professor sênior, sobretudo para estudantes dos anos iniciais da Escola Politécnica. Também gostava de ser matemático e, na sua trajetória como militante e ativista, estão sempre presentes o professor e o matemático.

Homossexual assumido iniciou sua trajetória de militância no movimento gay e nas lutas contra o autoritarismo na Argentina. Com o advento da AIDS, foi um dos precursores da luta contra a pandemia. Participou da criação e fortalecimento de várias ONGs e redes com destaque para o GIV- Grupo de Incentivo à Vida e para a ABIA – Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, entidades das quais fazia parte como diretor e conselheiro, respectivamente.

Jorge também participou da construção do Grupo pela Vidda São Paulo, Fórum Estadual de ONG AIDS de São Paulo, Movimento Paulista de Luta contra aids, RNP+ – Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV Aids, GTPI – Grupo de Trabalho Propriedade Intelectual, Nepaids/USP – Núcleo de Estudos e Prevenção à AIDS da Universidade de São Paulo.

Nos anos 90, foi representante do movimento de aids no Conep tendo grande preocupação com a ética em pesquisa, especialmente as pesquisas que ofertam medicamentos. Era um defensor intransigente do SUS – Sistema Único de Saúde, acompanhando o acesso a medicamentos.

É gigante e indescritível a contribuição de Jorge para a resposta brasileira em relação ao HIV e aids. Estudou patentes, vacinas e medicamentos e fez com brilhantismo um trabalho voluntário no movimento social, levando informação qualificada e de ponta que permitia às pessoas vivendo com HIV lutarem pelos seus direitos. No GIV, foi responsável por pela produção do Boletim de Vacinas e contribuiu com inúmeras publicações dentre elas material voltado para prevenção de HIV aids junto a jovens gays e comunicação sobre prevenção combinada.

Também teve destaque no cenário internacional contribuindo para o fortalecimento do movimento social de luta contra a aids na América Latina, participando de Conferências Mundiais de aids e estimulando a cooperação do Brasil com outros países.

Acima de tudo, Jorge era um ser humano especial, tão duro e firme na intransigente defesa dos direitos das pessoas com HIV / aids e LGBTQI + quanto doce e carinhoso no cuidado com seus amigos, amigas e amigues. Tão direto nas suas análises quanto acolhedor com quem dele se aproximava.

Por isso tudo estamos tão indescritivelmente tristes com a perda deste querido amigo, um ser humano ímpar que dedicou à vida à construção de uma sociedade inclusiva, justa, com direitos e equidade.

Em um texto, Jorge disse que depois que descobriu ser portador do HIV, passou do grupo dos imortais para o grupo dos mortais. Agora, diante de sua morte, por tudo o que fez da sua vida como força de produção de uma vida coletiva mais solidária – em uma sociedade fortemente marcada pelo estigma e discriminação – dizemos que Jorge passou do grupo dos mortais para o grupo dos imortais, cujo legado é tão importante que sobrevive à morte.

Jorge Beloqui, presente!

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