Investimentos em tecnologias quânticas 2.0 ganham o mundo

Gabriel Landi é professor do Instituto de Física e coordenador do grupo de Termodinâmica Quântica e Transporte Quântico da USP

 18/02/2019 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 21/02/2019 às 10:23

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Gabriel Landi – Foto: Arquivo pessoal

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A mecânica quântica é, sem dúvida, a teoria mais peculiar de toda a física. Desenvolvida em meados da década de 1920, ela é capaz de explicar com enorme precisão o comportamento de sistemas microscópicos, como átomos e moléculas. Hoje, ela forma a base para o nosso entendimento de diversos ramos da ciência, como a física nuclear, a química e a ciência dos materiais. Tecnologias essenciais ao nosso dia a dia, como computadores, smartphones, lasers, telecomunicações etc., só existem graças ao desenvolvimento da mecânica quântica. Estima-se que pelo menos 30% do PIB mundial esteja diretamente relacionado a ela.

O que torna a mecânica quântica tão peculiar é o fato de que, apesar deste enorme sucesso, ela é altamente contraintuitiva. A lógica por trás dela é estranha ao nosso jeito de pensar e drasticamente diferente das outras teorias físicas, como a mecânica e o eletromagnetismo. A mecânica quântica prevê, por exemplo, que uma partícula possa estar simultaneamente em duas configurações diferentes (princípio da superposição). Ou que duas partículas arbitrariamente distantes estejam correlacionadas de tal forma que uma perturbação em uma é sentida imediatamente pela outra (emaranhamento). Devido à fragilidade de sistemas quânticos, esses efeitos são extremamente sensíveis e difíceis de serem observados experimentalmente. Consequentemente, por muito tempo pouca atenção foi dada a eles.  Usávamos a mecânica quântica para entender diversos problemas, mas pouco se fazia para entender a mecânica quântica em si.

Isso começou a mudar em meados da década de 1980. Efeitos quânticos são fortemente degradados pelo contato do sistema com o ambiente ao seu redor, um fenômeno conhecido como decoerência. O caráter quântico de um sistema é, portanto, determinando pelo tempo de decoerência – ou seja, o tempo médio que ele retém suas propriedades quânticas. Em sistemas usuais, esse tempo é absurdamente baixo. Blindar o sistema dos efeitos deletérios do ambiente é, portanto, o primeiro passo para que possamos ter acesso a propriedades como superposição e emaranhamento. Avanços nesse sentido começaram com o desenvolvimento dos lasers e relógios atômicos e ganharam força na década de 1980 com o desenvolvimento de técnicas para o aprisionamento de átomos com lasers, o que rendeu o prêmio Nobel de 1997 para Steven Chu, Claude Cohen-Tannoudji e William Phillips.

Desde então, os avanços na manipulação de sistemas quânticos vêm ocorrendo em passos largos. Hoje, quase um século após o advento da mecânica quântica, podemos experimentar com um único átomo ou um único fóton de luz. Somos capazes de controlar o grau de emaranhamento entre duas partículas em regiões distantes do planeta. Até sistemas mesoscópicos, como finas membranas ou gases atômicos, podem ser preparados em estados de superposição. O tempo de decoerência de qubits supercondutores, tecnologia que forma a base dos computadores quânticos atuais, aumentou de alguns nanossegundos nos anos 2000, para alguns segundos nos dias de hoje, um ganho de nove ordens de magnitude.

Esse novo paradigma no controle de sistemas quânticos abre uma série de novas aplicações em potencial, popularmente chamadas de Tecnologias Quânticas 2.0. Após anos de investimentos modestos advindos essencialmente de agências de fomento, o potencial impacto dessas tecnologias finalmente conseguiu atrair a atenção de governos e da indústria. Os investimentos nessas tecnologias no ano de 2018 foi sem precedentes. E isso promete se intensificar ainda mais em 2019.

Investimentos recentes em tecnologias quânticas 2.0

Em 2016 a Comissão Europeia anunciou o European Flagship for Quantum Techonologies, que promete investir €1 bilhão em 10 anos. Em dezembro de 2018, o presidente americano sancionou o National Quantum Initiative Act, que define computação quântica como uma tecnologia de interesse estratégico para os Estados Unidos, prevendo um investimento de $1,2 bilhão em 5 anos. Isso inclui, inclusive, investimentos militares. O DARPA, agência do Departamento de Estado americano responsável pelo financiamento de pesquisas militares, criou recentemente o programa QuASAR para investimentos em sensores quânticos com aplicações militares.

Diversos países estão investindo em centros especializados em tecnologias quânticas. Singapura foi pioneira, com a criação em 2007 do Center for Quantum Technologies, no qual continua investindo de forma substancial. Em 2014 os Países Baixos criaram o QuTech, que hoje realiza parcerias com a Intel na área de computação quântica. Esta semana o ICTP, centro de física teórica financiado pela Unesco e com filial em São Paulo, anunciou a inauguração de um novo centro dedicado exclusivamente à tecnologias quânticas 2.0. O caso mais surpreendente, no entanto, é o da China, que está supostamente investindo exorbitantes $10 bilhões no novo National Laboratory for Quantum Information Sciences na cidade de Hefei.

A interação com a indústria também mudou drasticamente nos últimos anos. O furor inicial causado pela empresa canadense D-Wave em 2007 ao anunciar o primeiro computador quântico foi seguido por uma mudança de postura da Google, IBM e Microsoft, que passaram a investir substancialmente em computação quântica. A chamada IBM-Q, inciativa da empresa para tecnologias quânticas, disponibiliza um de seus computadores quânticos para qualquer pessoa do mundo utilizar. Tudo é feito remotamente através da nuvem e há até uma linguagem de programação específica, denominada Qiskit.

Empresas de outros ramos, inclusive, vêm manifestando interesse. Ano passado a Airbus anunciou um desafio para premiar quem conseguir resolver, através da computação quântica, cinco problemas em aberto da indústria da aviação que são intratáveis com computadores clássicos. A Lockheed Martin, empresa do ramo de defesa e aeroespacial, foi um dos primeiros investidores por trás da D-Wave. Essa movimentação está criando um novo ecossistema. Em 2018 foram criadas diversas dezenas de startups ao redor do mundo, focadas especificamente em tecnologias quânticas. Já existem até mesmo empresas de consultoria especializadas, como é o caso da Inside Quantum Technology.

 

 

 

 


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