Inteligência artificial na educação: vislumbrar possibilidades e minimizar desafios

Por Ana Paula Almeida, Cláudia Helena Araújo, Danielle Ferraro, pesquisadoras da Cátedra Oscar Sala, do Instituto de Estudos Avançados da USP, e outros autores*

 Publicado: 23/07/2024
Ana Paula Almeida – Foto: Arquivo pessoal
Cláudia Helena dos Santos Araújo – Foto: Arquivo pessoal
Danielle Soares e Silva Bicudo Ferraro – Foto: Arquivo pessoal
Lívia Carolina Vieira – Foto: Arquivo pessoal
Márcia Azevedo Coelho – Foto: Arquivo pessoal
Paulo da Silva Quadros – Foto: Arquivo pessoal

 

Refletir sobre as aplicações de Inteligência Artificial (IA) na educação no Brasil tem mobilizado muitos profissionais que atuam tanto direta quanto indiretamente na área. Dentre os diversos desafios apresentados pela inserção da IA generativa no contexto social do país, um dos que mais gera atenção dos envolvidos por pensar a educação é, sem dúvida, o de garantir o cuidado nas questões de equidade, ética e representatividade, no contexto dos diferentes territórios do Brasil.

Como pesquisadores em educação, insistimos que o diálogo estabelecido entre a pedagogia e a tecnologia deve necessariamente compreender que as ações com a tecnologia na educação necessitam ser mobilizadas pela intencionalidade pedagógica e nunca ao contrário, como podem direcionar algumas demandas de mercado. Para tanto, é necessário que todas as atividades pedagógicas que se valem da tecnologia e mais especificamente da Inteligência Artificial Generativa (IAG) sejam concebidas de modo a extrapolar o domínio técnico, ratificando a formação que almeja desenvolver plenamente a pessoa, prepará-la para a cidadania e para o mundo do trabalho.

Dessa forma, o debate e a promoção de princípios éticos, que devem acompanhar toda e qualquer utilização de IA na educação, são fundamentais. Isso inclui desde as escolhas técnicas e operacionais até o acompanhamento do uso dessa tecnologia em distintas frentes como educacional, econômica, cultural e social. Entendemos que a ética, mais do que qualquer regulação, será responsável por garantir o bom uso da IA na educação, pautando-se em princípios de justiça, inclusão, equidade, transparência e responsabilidade.

Além da reflexão sobre a ética, é importante que professores, gestores educacionais e demais profissionais que atuam na educação se apropriem do conhecimento sobre a utilização da IA no cenário brasileiro, para fazerem um uso consciente das ferramentas ou mesmo optarem por não utilizá-las em consonância com as necessidades e potencialidades locais, ainda que em diálogo com o contexto global. Assim, nosso GT nomeou alguns desafios e propôs recomendações essenciais para o uso responsável, por meio de uma Carta de Recomendações para o uso da Inteligência Artificial na Educação (IAED) e de um infográfico que apresenta nove desafios.

Desafios e recomendações uso da Inteligência Artificial (IA) na educação – Infográfico: GT Educação Cátedra Oscar Sala

Tanto a carta de recomendações quanto o infográfico têm entre os principais objetivos promover o debate sobre o tema entre educadores, gestores, administradores e outros profissionais da educação, a fim de ampliar o conhecimento sobre o uso da IAED no contexto educativo brasileiro. Acredita-se que essa compreensão permitirá que se faça um uso informado dessas tecnologias, para que seja possível decidir conscientemente quando e como utilizá-las.

O primeiro desafio dos documentos elaborados aborda o risco que os sistemas de IA apresentam de exacerbar desigualdades e exclusões já presentes na sociedade, por diferentes fatores, inclusive pela dificuldade em representar grupos diversos e pelo uso de línguas dominantes. Por se ter a consciência de que a IA pode reforçar narrativas coloniais, étnico-raciais e sexistas, perpetuando a exclusão e limitando o pensamento crítico (Shams, Zowghi, Bano, 2023) é que se torna essencial supervisionar a linguagem para assegurar a representatividade linguística e sociocultural de todos os povos, com abordagens críticas e interculturais para desenvolver tecnologias educacionais inclusivas. Como podemos pensar em sistemas representativos sem a representação de grupos subalternizados nos campos STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática)? Uma das possibilidades é a integração de componentes de inclusão relacionados à diversidade nos currículos escolares, considerando aspectos como gênero, raça e etnia, de modo a assegurar perspectivas educacionais equitativas e representativas.

Outro desafio trata da dependência excessiva de plataformas digitais e a diminuição das interações pessoais em sala de aula e fora dela, que podem prejudicar o aprendizado. Adotar uma abordagem equilibrada, utilizando a tecnologia como um recurso complementar, é indicado, somado à formação contínua dos educadores sobre como integrar eficazmente a tecnologia em suas práticas pedagógicas.

É certo que o desconhecimento sobre IA pode levar a problemas éticos relacionados ao uso de dados dos estudantes, privacidade e discriminação algorítmica, comprometendo a confiança no sistema educacional (Salloum, 2024), por isso, compreendemos que um dos pilares para o uso adequado da IAG na educação é formar professores capazes de orientar a aprendizagem a partir de concepções pedagógicas e natureza educativa, considerando a oferta de um letramento em IA. Assim, espera-se que o professor tenha um pensamento crítico na interação com a IAG de modo a não se valer dos recursos com uma lógica de substituição, mas antes de complementaridade de interação. Se assim for, é possível que consiga, ainda que com todos os desafios que as dinâmicas de sala de aula impõem, equilibrar o uso de tecnologia com outras formas de aprender, garantindo o desenvolvimento de competências como pensamento crítico, criatividade, capacidade de pesquisa e interações colaborativas entre humanos e máquinas no trabalho pedagógico-didático com estudantes.

A formação de professores precisa contemplar os desafios da IA no trabalho pedagógico-didático e as questões éticas da IA no trabalho docente. Isso inclui desde a compreensão da IA generativa ao conhecimento das questões curriculares e pedagógicas como os usos de tecnologias de IA como chatbots para planejamento didático, usos na pesquisa, desenvolvimento de uma aprendizagem que considere a colaboração entre os sujeitos educativos e comunidade local das escolas, além do reconhecimento do desenvolvimento do algoritmo preditivo na interação entre os estudantes e as interfaces de IA utilizadas.

Conhecer os usos da IA nos alerta para o fato de que instituições de ensino e empresas desenvolvedoras de tecnologias de IA devem coletar apenas os dados estritamente necessários para fins educacionais específicos, estabelecendo políticas de privacidade transparentes e compreensíveis, além de implementar medidas de segurança para proteger os sistemas e dados contra possíveis ataques ou vazamentos.

Outro desafio apresentado é sobre a predominância de empresas privadas, especialmente dos EUA e do Norte Global no setor educacional, fornecendo produtos e serviços, limitando a transparência e a verificação da eficácia dessas tecnologias. Conforme dados do relatório AI in Education Market Size, Share & Trends Analysis Report (2022-2030), no ano de 2021, o mercado mundial de IA na educação foi avaliado em aproximadamente 1,82 bilhão de dólares, com previsão de crescimento anual de 36% no período de 2022 a 2030. Além disso, observou-se que a América do Norte teve uma expressiva participação de 35% nas tecnologias de IA no ano de 2021, destacando-se empresas no campo da educação como Amazon, IBM, Microsoft, Google, Pearson, entre outras.

Esse crescimento é impulsionado por fatores como o aumento dos investimentos em tecnologias de IA e educação tecnológica por entidades privadas. Nesse caso, recomenda-se que o governo apoie infraestruturas que reduzam a dependência de soluções privadas e visando fomentar pesquisas que articulem a IA com os objetivos educacionais. Políticas públicas devem garantir a avaliação independente e contínua da utilização de IA na educação para assegurar sua qualidade e alinhamento com os objetivos prioritariamente pedagógicos.

Estes são alguns dos desafios a serem observados e acompanhados na utilização responsável da IA, para que tanto professores quanto estudantes desenvolvam um olhar crítico e compreendam os potenciais e o funcionamento da IA, estando mais preparados para interagir com esse recurso de forma responsável e contribuir para a solução dos problemas da sociedade contemporânea, aproveitando suas potencialidades.

Desta forma, o conhecimento das possibilidades da IA no contexto educacional brasileiro requer o desenvolvimento da formação inicial e continuada dos educadores por meio de inclusão nos currículos, cursos de extensão, minicursos, oferta de pós-graduações, oficinas, workshops, e materiais de apoio com o objetivo de não apenas garantir o uso instrumental dos recursos de tecnologias, mas também promovendo entendimentos e reflexões sobre usos da IA na educação.

As orientações da Unesco (2021, 2022, 2023) e do Council of Europe (2022) apontam para a necessidade de garantir que o desenvolvimento tecnológico tenha o ser humano no gerenciamento dos processos e como agente principal nas tomadas de decisões. Espera-se que os resultados educacionais incluam habilidades para a resolução de problemas, integrando a colaboração humano-IA e a avaliação crítica do conteúdo gerado pela IA. Essas habilidades devem também abranger as novas exigências do mundo do trabalho tecnológico e profissões que ainda não existem, o que requer um compromisso com a aprendizagem ao longo da vida, flexibilidade curricular e a promoção de habilidades transversais como criatividade, empatia e adaptabilidade.

Por fim, ao abordar as questões relacionadas à IA na educação, não se pode ignorar os efeitos da divisão digital entre pobres e ricos e a necessidade de investimento nas escolas, especialmente nas escolas públicas. Sem políticas públicas governamentais sérias, que realmente venham a colaborar e proporcionar melhores condições educacionais para estudantes e professores, o fosso entre aqueles que possuem melhor acesso educacional e os que não têm continuará a se expandir.

Regulamentar não é tarefa fácil; é preciso compreender os problemas para legislar. Nesse contexto, seria adequado realizar audiências públicas para que os envolvidos possam participar abertamente do processo, apresentando não somente suas opiniões, mas também preocupações e sugestões em relação à adoção e uso da IA nas escolas. Isso fortaleceria a participação democrática, permitindo que as vozes de todos os envolvidos sejam ouvidas no processo de tomada de decisão.

O Grupo de Estudos IA Responsável, GT de Educação, segue investigando o cenário, refletindo sobre as possíveis soluções e divulgando algumas das ações por meio do site https://www.educamaisai.com.br/. Entendemos que é necessário vislumbrar as possibilidades da IA e agir em diferentes frentes para minimizar os desafios que esse novo contexto impõe aos setores e sujeitos da educação no país.

* Lívia Carolina Vieira, Márcia Azevedo Coelho e Paulo da Silva Quadros, pesquisadores da Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da USP

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