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Com este legado histórico de participação e subordinação feminina na política mexicana, Claudia Sheinbaum, do partido Morena, em vários sentidos é um enorme passo à frente no legado das Adelitas mexicanas. Ela chega investida de ampla legitimidade, é a presidente mais votada da história política do México (quase 36 milhões de votos, ou 59% dos votos válidos).
Porém, Claudia enfrenta desafios cuja solução tradicionalmente emanava da figura masculina do político mexicano. O primeiro destes desafios é a relação entre as forças armadas e a luta contra o crime organizado, especialmente os cartéis de drogas. Andrés Manuel López Obrador (AMLO) optou por militarizar a luta contra o crime organizado, empoderando as forças armadas para combater o crime, deixando de fora instituições de segurança pública, como a polícia civil e os procuradores. Sob AMLO foram criadas instituições como a Guarda Nacional, e o próprio presidente pregava uma política de “abrazos y no balazos” no confronto direto com os cartéis da droga. Além disso, AMLO empoderou as forças armadas com funções para além da segurança pública, tais como a construção e gestão de grandes projetos de infraestrutura. Então, até onde a presidente Claudia estaria disposta a manter esses espaços para as forças armadas, e de que espaços aquelas estariam dispostas a abrir mão?
Um outro grande desafio que a presidente enfrentará é o financiamento necessário para continuar com os atuais programas sociais desenvolvidos na gestão de AMLO – que representam cerca de 11,5% do PIB – e ainda mais: o México já tem um grande déficit público que ascende a quase 6% do PIB. Este é um desafio difícil para a nova presidente porque implica que, para reduzir esse déficit, terá de cortar pontos do PIB destinados ao investimento em programas sociais. O problema é que fazer esse tipo de corte implica perder grande parte da clientela social que lhe garantiu quase 60% de votos válidos com que se elegeu. É certo que terá uma grande maioria parlamentar para exercer a governabilidade política (o Morena e aliados políticos controlarão ambas as casas legislativas com 2/3 da maioria legislativa, e o Morena governará neste próximo mandato 24 dos 32 estados do país), porém a governabilidade social pode ficar comprometida e pressionada quando os cortes sociais se tornarem difíceis de ser suportados entre a população de mais baixa renda. Para completar, a estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), símbolo do nacionalismo quase ortodoxo de López Obrador e garantia de recursos para programas sociais, mantém um modelo energético poluente e cada vez mais deficitário.
Também um dos mais difíceis desafios de Claudia Scheibaum é a questão migratória e comercial com os Estados Unidos. Esses dois aspetos foram muito tensos nas administrações Trump e AMLO no passado recente, muito em parte devido à construção de muros e restrições migratórias de Trump, e também ao próprio pensamento nacionalista econômico do republicano. Ambos os aspectos melhoraram muito no período de Joe Biden, em que houve uma intensa coordenação de políticas migratórias entre os dois países, período esse em que o México se transformou no país do mundo que mais exporta para os EUA. Então o principal dilema político que decorre para Claudia Scheibaum nessa relação é se uma hipotética volta ao poder do republicano Donald Trump, em novembro deste ano, condicionará cenários e margens de manobras mais cooperativos, ou mais conflitivos, com os Estados Unidos.
Finalmente, a polarização política mexicana e a sombra de AMLO que paira sobre Claudia Scheibaum serão desafios intensos para a presidente. Como líder de massas e com um estilo de diálogo direto com as massas, AMLO conseguiu polarizar, na política e na sociedade, grupos de oposição e também grupos sociais feministas, ambientalistas e de direitos humanos. A tarefa de despolarizar a sociedade não é simples: AMLO puniu e excluiu as lideranças políticas e sociais que ousaram discordar dele. Claudia enfatiza o “diálogo” e a “harmonia”, mas AMLO tem um legado político e social forte no México. A questão-chave aqui é como ela trabalhará esse frágil equilíbrio entre a continuidade do legado (tenso) de López Obrador e as possibilidades de ajustes e mudança de rumos. Poucas horas após o triunfo de Claudia, AMLO afirmou que não influenciará o governo de sua sucessora, e que não aspira a “ser [nem] um líder moral, nem o maior chefe, nem o caudilho, nem menos o cacique”. Será? AMLO é a figura mais marcante na política mexicana dos últimos 80 anos. Por outras palavras, será Claudia Scheibaum suficientemente hábil para superar a sombra de López Obrador e a herança política sexista que caracterizou mais de 500 anos de Adelitas na política mexicana?
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