“Governar a inteligência artificial antes que ela nos governe!”

Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 18/09/2024 - Publicado há 2 meses

Algo raro aconteceu em março durante uma Assembleia Geral das Nações Unidas. Uma resolução foi aprovada com a unanimidade dos 193 países-membros: tratava-se da primeira resolução global sobre inteligência artificial. O título deste artigo estava no discurso feito pela embaixadora dos EUA, Linda Tomas-Greenfield, presente ao ato. O fato é que a Inteligência Artificial (IA), ao mesmo tempo em que descortina perspectivas positivas — como descobertas científicas inimagináveis até há pouco tempo ou a libertação do trabalho humano em situações insalubres ou perigosas —, também traz temores de que a tecnologia possa ser usada para perturbar processos democráticos, aumentar fraudes ou levar a dramáticas perdas de postos de trabalho, entre outros danos.

A resolução da ONU é muito importante, mas ela é simplesmente um balizador. Agora compete aos países criarem suas respectivas regulamentações. Claro que se trata de um tema altamente complexo e, para isso, basta ver que nações têm adotado caminhos bastante diferentes. Por exemplo, enquanto nos Estados Unidos tudo caminha para que as principais definições sejam feitas pelo próprio mercado (e aqui leia-se, as principais empresas de tecnologia), na China optou-se pelo intenso controle do Estado acerca de tudo que diz respeito à IA. A Europa tende a ficar numa posição intermediária.

No Brasil existe um projeto de lei – o PL 2338/2023 – que já está sendo discutido há mais de um ano no Congresso brasileiro. Esperamos que nossos parlamentares sigam a tradição e apresentem uma legislação moderna como já aconteceu em situações parecidas, com o Marco Civil da Internet e com a Lei Geral de Proteção de Dados. Claro que nossos problemas são também muito complexos. A IA, ao mesmo tempo em que precisa contribuir para aumentar a produtividade do País, não pode permitir nem o aumento da desigualdade nem o do desemprego.

Legislar e criar princípios que sejam ao mesmo tempo interesse da nação e permitam o desenvolvimento da IA são desafios que estão colocados. Por exemplo, é fundamental que exista algum órgão ou agência que autorize a aprovação de produtos de IA. Isto é imprescindível na medida em que um dos maiores riscos está na disseminação de produtos que sejam danosos à sociedade, como ameaçar direitos humanos, o resultado livre e isento das eleições e a própria democracia.

Também neste ano uma outra instituição internacional, o Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgou seu relatório com diretrizes para todos os países a respeito da IA. Trata-se do documento IA generativa: A Inteligência Artificial e o Futuro do Trabalho. O FMI focou sua análise nos impactos sobre a mão de obra e tem o grande mérito de apresentar previsões numéricas sobre o que pode acontecer com as profissões e o trabalho. Sua conclusão é que inicialmente o impacto no mundo desenvolvido será maior.

O relatório estima que 60% dos empregos nos países desenvolvidos estarão muito brevemente expostos à inteligência artificial, enquanto nos países emergentes, como o nosso, esse índice será de apenas 40%. Ou seja, para o FMI, os países avançados estão num estágio onde contam proporcionalmente com mais profissões que serão beneficiadas pela IA, mas também poderão sofrer antes dos países emergentes problemas como o desemprego tecnológico.

Não há mais dúvida que impactos negativos serão muito maiores nos países emergentes, pelo simples fato de que a mão de obra nesses países apresenta níveis mais baixos de qualificação, o que é fruto direto do nível educacional recebido. Esse fato é ainda mais grave no Brasil, onde o ensino básico e fundamental só deixa a desejar e, o que é pior, tem se deteriorado com o passar dos anos vide o último Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

Em suma, a IA tanto pode trazer grandes benefícios como pode agravar nossos problemas e mazelas, que não são poucos. O importante é que exista uma legislação adequada que proteja a sociedade e que os governos – federal, estaduais e municipais — se estruturem não apenas para serem usuários da nova tecnologia, mas que estimulem seu uso sempre que dessa forma se consiga aumentar a produtividade e beneficiar o cidadão comum.

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