Convenhamos, o cenário mundial está bastante complexo – e perigoso.
No Extremo Oriente, a China trata de ameaçar, com o espectro de uma invasão, Taiwan, que está nas mãos dos herdeiros de Chiang Kai-shek desde que ele fundou a República na ilha, derrotado, no continente, pelas forças comunistas de Mao Tsé Tung.
Na Europa Oriental, a Ucrânia se defende da agressão da Rússia, saudosa do status quo passado, conflito que o governo brasileiro insiste em mediar, sem ter sido chamado. Trata-se, como todos acompanhamos, de um conflito em que estão envolvidos os Estados Unidos e toda a Europa que faz limite com a Rússia, com poucas exceções.
No Oriente Médio, Israel prossegue sua guerra ao Hamas em represália à invasão de seu território que resultou na morte e no rapto de israelenses. A revanche liderada pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Natanyahu, também está causando a morte de milhares de civis palestinos, homens, mulheres e crianças. Conflito que recebe grande atenção no noticiário. Isso sem falar do que acontece pela África e em parte da Ásia, onde conflitos, sobre os quais pouco entendemos, permanecem.
Enquanto isso, convivemos com a aproximação das eleições no EUA, em que Trump, apesar de estar frequentando os bancos dos réus, joga com a possibilidade de ser eleito novamente presidente, reiterada pelo fato de, até agora, estar na frente nas pesquisas eleitorais. Joe Biden, o atual presidente do país, não está já derrotado, mas sim diante de um enorme esforço para poder se manter no cargo no pleito de novembro próximo. Apesar da economia de seu país estar indo bem, seu governo não consegue convencer os norte-americanos de que isso ocorre, o que o prejudica nas atuais pesquisas eleitorais.
Fará grande diferença para o mundo quem vencer as próximas eleições presidenciais nos EUA.
Enquanto isso, El Niño, La Niña…
Simultaneamente a esse clima belicoso, o aquecimento global, produto da atividade produtiva humana, provoca desastres mundo afora, impactando-nos diretamente, nós brasileiros, por intermédio da destruição selvagem provocada no Rio Grande do Sul, cujas consequências acompanhamos direta e diariamente pelo noticiário. Destruição esta, faça-se um parêntese, que trouxe à luz uma imensa solidariedade de todos os brasileiros, que socorrem os gaúchos com o envio de milhares de alimentos, roupas e outros bens. Essa imensa solidariedade é gratificante diante do tamanho da tragédia no Sul do País. Mas tudo indica que esse tipo de problema se multiplica e que os países precisam se capacitar para conviver com eles, enfrentá-los e superá-los. Afinal, tudo indica que El Niño e La Niña mais fortes e mais impactantes, além de outros eventos climáticos extremos ao redor do mundo, vieram para ficar.
Ou seja, a humanidade está em guerra entre si e agora, também, com a natureza. Ou a natureza está em guerra contra a humanidade.
No caso da natureza, as análises e as propostas científicas têm o condão, pelos menos, de propor atenuá-las, tornando palatável a convivência com seus rasgos de destemperança. Desde que os países, principalmente os desenvolvidos, apliquem na prática, em seus sistemas produtivos, os cuidados que, há anos, são recomendados.
Mas não há sinais de que os principais países do mundo tomarão as medidas necessárias para atenuar os desarranjos climáticos. Julgam que sua adoção seria cortar na carne os próprios sistemas produtivos em que baseiam seu desenvolvimento e sua proeminência sobre o resto do mundo.
Estamos, todos, em maus lençóis, portanto? Inevitável nos prepararmos para o pior? Eis um bom e certeiro tema para reflexão.
Não é possível que nos conformemos com essa inevitabilidade aos 2024 anos depois de Cristo e milhares de outros antes dele. Quando a decantada racionalidade humana será capaz de sobrepujar os interesses, também humanos, de acumular riquezas e os meios que a produzem, em detrimento de uma vivência que leve em conta os interesses de toda a civilização, preservação de tudo que já foi construído e conquistado?
A história ensina que esse pensamento é prenhe de ingenuidades. As civilizações caminham em sentido contrário, na direção de práticas de riqueza acumulativas a favor de minorias, em detrimento de maiorias – com todas as suas consequências. Os ensinamentos dessa mesma história caem no vazio, apesar de, vez em quando, patrocinarem a eleição de próceres políticos em alguns países do mundo. Não há sinais, hoje, de que os acontecimentos podem mudar dessa direção que aponta para mais e não menos problemas e distorções. A menos que ressuscitemos uma racionalidade que a humanidade parece ter abandonado.
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