Escola de Economia Ecológica de Barcelona

Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 28/03/2023 - Publicado há 2 anos

Impossível negar a centralidade da temática ambiental para a reflexão sobre o nosso futuro. Excluindo grupos negacionistas mais radicais, a preocupação com a preservação do meio ambiente e com as formas de interação entre sociedade e natureza está na agenda da sociedade civil, das políticas de governos e dos fóruns internacionais. Não obstante a relevância da temática, políticas para reverter as consequências das mudanças climáticas ainda têm alcançado resultados bastante tímidos. Os limites dos programas ambientais podem ser compreendidos tanto por conta da complexa dimensão política de sua promoção, mas também por problemas das métricas econômicas dominantemente usadas para encarar os impasses ambientais.

Uma perspectiva alternativa para enfrentar os desafios ambientais pode ser encontrada nas contribuições da Escola de Economia Ecológica de Barcelona. Tal escola se constituiu como área a partir da crítica da chamada Economia Ambiental, perspectiva em que os pressupostos da teoria econômica neoclássica definem a relação entre economia e meio ambiente. A exploração da natureza e a poluição tornam-se questões de oferta e procura ajustadas pelos preços do mercado. A concorrência entre empresas, por exemplo, incentiva a redução dos custos e a utilização mais eficiente do “capital natural”. Em suma, enquadrando as variáveis ambientais na fundamentação microeconômica, economistas neoclássicos advogam que as leis do mercado são capazes e suficientes para mediar os impasses ambientais.

A Economia Ecológica, por outro lado, expande o método de análise, sem enclausurar o meio ambiente nas variáveis econômicas. Ao incorporar a Ciência Econômica ao lado de outras áreas do conhecimento – da antropologia, demografia, tecnologia, termodinâmica, teoria dos sistemas e ecologia –, a Economia Ecológica ilumina a complexidade dos sistemas socioecológicos, reconhecendo variáveis naturais e políticas desses processos.

Partindo da ampliação das fronteiras da Ciência Econômica, as contribuições da Escola de Economia Ecológica de Barcelona se alicerçam fundamentalmente em três pilares: na dimensão biofísica do sistema econômico; nos aspectos políticos e históricos na evolução do meio ambiente no capitalismo contemporâneo; e na defesa de caminhos alternativos para o conhecimento sobre o meio ambiente e para a organização da vida social.

Sobre o primeiro pilar, a dimensão biofísica dos sistemas econômicos remete ao conceito entropia, incorporado da física por Nicholas Georgescu-Roegen para os estudos econômicos em The Entropy Law and the Economic Process. Negando a perspectiva neoclássica de uma economia industrial fechada e circular, “um carrossel entre consumidores e produtores” que interagem nos mercados, para o matemático e economista romeno, os processos econômicos produziam transformações biológicas e físicas, com fluxos de energia e matéria, que revelavam os limites ambientais para o crescimento econômico.

A dimensão histórica e política da análise ambiental, o segundo pilar da escola, ressalta a complexidade dos sistemas ambientais com campos de disputas políticas e sociais. Como indica o Atlas da Justiça Ambiental, os conflitos ambientais estão crescendo conforme os efeitos das mudanças climáticas se aprofundam e o mercado mostra-se incapaz de enfrentar adequadamente os interesses envolvidos. Afinal, não é possível que crimes ambientais, como o rompimento das barragens de brumadinho e de Mariana, sejam tratados apenas como um tema econômico, resolvidos com indenizações ambientais; não é possível debater um projeto de privatização da Sabesp apenas por critérios de uma suposta eficiência econômica da empresa; não é possível fechar os olhos para a ampliação dos eventos climáticos extremos, que atingem com maior gravidade grupos econômicos e sociais mais carentes; tampouco fechar os olhos para o comércio ecologicamente desigual, que reforça a assimetria internacional tanto sobre os fluxos físicos como sobre os custos ambientais.

A Escola de Economia Ecológica, por fim, tendo como princípio abrir a reflexão para novas abordagens, um pluralismo de sistemas de conhecimento e de projetos de transformação social, tem oferecido novas e alternativas abordagens para lidar com os impasses ambientais contemporâneos. Tais abordagens permitem não somente questionar os parâmetros de avaliação da economia contemporânea, a ideia de um crescimento econômico ilimitado, exigindo novos indicadores ambientais e métricas de bem-estar social. A revisão do método permite vislumbrar outros projetos de futuro, como o “decrescimento econômico”, em que países ricos devem reduzir suas taxas de consumo de bens e de exploração do meio ambiente; a defesa da agrobiodiversidade e da agroecologia; dos saberes das comunidades locais, dos povos indígenas e agricultores familiares.

Essa história sobre a formação da Escola de Barcelona e uma excelente síntese sobre suas contribuições para o campo da economia ecológica podem ser conhecidas pela recente publicação The Barcelona School of Ecological Economics and Political Ecology.

Organizado por Sergio Villamayor-Tomas e Roldan Muradian, a obra faz homenagem ao economista ecológico catalão, Joan Martínez-Alier, uma das mais respeitadas lideranças na área. Professor emérito da Universidade Autônoma de Barcelona, há décadas Martínez-Alier forma gerações de economistas ecológicos, é responsável por relevantes contribuições para a constituição da área e atuou, desde meados da década de 1980, para a formação da Associação Internacional de Economia Ecológica (com Robert Costanza e Herman Daly).

Por sua trajetória, dia 14 de março de 2023, Joan Martínez-Alier foi laureado com o Prêmio Holberg. Oferecido pela Universidade de Bergen, Noruega, o prêmio reconhece personalidades com contribuições para as áreas de humanidades e ciências sociais. Martínez-Alier, por suas atividades na área de Economia Ecológica, se une agora a personagens como Jürgen Habermas, Manuel Castells, Bruno Latour e Sheila Jasanoff.

O reconhecimento de Joan Martínez-Alier deve ser compreendido como um sinal de que precisamos urgentemente rever os pressupostos hegemônicos na política ambiental mundial. Partindo da evidência de que os limites da natureza para o crescimento econômico e de que as injustiças sociais estão cada dia mais presentes, talvez seja o momento de amplificar as iniciativas teóricas e práticas como as conduzidas pela Escola de Economia Ecológica de Barcelona.

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