Expectativa de vida é impactada pela desigualdade econômica e social

Fernando Aith aponta que a desigualdade entre as regiões do Brasil também promove um impacto negativo, porque há uma desproporcional concentração de serviços de saúde e médicos

 Publicado: 18/07/2024

Texto: Felipe Bueno*
Arte: Diego Facundini**

Nas regiões periféricas, principalmente as mais violentas, os índices de mortalidade são muito mais altos do que em bairros de classe média – Fotomontagem Jornal da USP com imagens de: Vilar Rodrigo/Wikimedia Commons; juicy_fish/Freepik

A desigualdade existente no Brasil impacta diferentes setores da sociedade, tanto na parte econômica, a exemplo do desequilíbrio na distribuição de renda, quanto na social, como o número de habitantes em situação de rua — que, segundo relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), obteve um salto de cerca de 1000% entre os anos de 2013 e 2023. Assim, esses e outros fatores destacam como essa realidade desigual influencia na expectativa de vida dos cidadãos.

Por exemplo, um estudo realizado em 2021 pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, apontou que os bairros periféricos do município de São Paulo tiveram três vezes mais mortes por covid-19 do que os bairros centrais e, por outro lado, tiveram menor taxa de vacinação. Além disso, a Rede Nossa São Paulo revelou, em seu mapeamento de 2022, que a expectativa de vida do cidadão paulistano pode variar em até 21 anos a depender de onde ele mora.

Combate à desigualdade na saúde

Segundo Fernando Aith, especialista em Direito Sanitário e diretor geral do Centro de Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, o principal meio para combater a desigualdade na expectativa de vida é o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de financiamento público para reforçar a atenção primária, prevenção e promoção da saúde. “A OMS estima que uma atenção primária bem organizada consegue suprir 90% das necessidades de saúde da população de média e alta complexidade. Os outros 10% ficariam sob cuidados médicos que vamos precisar algum dia na vida, mas é exceção”, completa.

Ainda para ele, é necessário que haja melhorias na formação de médicos especialistas, ao mesmo tempo em que eles devem ser espalhados para trabalhar ao redor do país, e, dessa forma, evitar que se mantenha a desigualdade entre as regiões do Brasil

Fernando Aith - Foto: ResearchGate

Outro meio apontado por Aith é a ampliação da saúde digital: “É um campo que se abre e que é promissor para levar esses serviços públicos de saúde para áreas mais desabastecidas e de difícil acesso”. O fenômeno foi acelerado por conta da pandemia de covid-19, que obrigou a população a viver pela internet e, mesmo após esse período, ele vem sendo continuado — o que estimula o aprendizado desse novo formato para garantir serviços de qualidade.

Outros fatores

De acordo com o especialista, doenças crônicas não transmissíveis — tabagismo, obesidade, diabetes — tendem a afetar mais os grupos sociais menos favorecidos, os quais tendem a possuir uma sobrevida menor devido à ausência dos cuidados médicos e medicamentos necessários. Mas Aith ressalta que existem outros indicadores que determinam essa desigualdade na expectativa de vida no Brasil.

A violência e a mortalidade infantil, por exemplo, são responsáveis por diminuir esse índice: “No município de São Paulo, os bairros de Moema e Pinheiros possuem mortalidade infantil com índices europeus, de cinco a seis por mil nascidos vivos. Agora, nas regiões periféricas, principalmente as mais violentas, como o Jardim Ângela, você vai encontrar índices de mortalidade acima de vinte por mil nascidos vivos”, aponta .

Papel do Estado

Segundo a Constituição brasileira de 1988, a saúde é um direito constitucional, isto é, todos os cidadãos devem ter acesso a esse benefício, que deve ser garantido pelo Estado. No entanto, apesar da criação do SUS — um sistema público, universal e gratuito de saúde, que possui uma rede de serviços que garantem seu acesso integral —, o Brasil possui uma defasagem no financiamento desse setor, visto que recebe 9,6% de investimento do PIB, porém somente 3,8% é do poder público.

“Embora a gente tenha um financiamento público do Estado por um sistema que, supostamente, deveria ser universal, o Estado investe menos em saúde do que a população investe no sistema privado”, diz o professor. Essa realidade, aliada ao fato de que 150 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS, escancara que o seu subfinanciamento não consegue solucionar os problemas.

Além disso, a desigualdade entre as regiões do Brasil também promove um impacto negativo no papel estatal diante dessa problemática, porque há uma desproporcional concentração de serviços de saúde e médicos de alta qualidade e complexidade na região Sul e Sudeste. Dessa forma, as áreas menos desenvolvidas atraem menos esses profissionais que são fundamentais para a garantia desse atendimento — desde o pré-natal até os cuidados da primeira infância —, que é capaz de evitar a mortalidade infantil e, consequentemente, a diminuição da expectativa de vida.

“Nascer em um local adequado — não precisa ser necessariamente hospitalar, mas tem que ter os cuidados de saúde dedicados a essa gestante para o nascimento e na primeira infância — é muito importante e é de mais fácil acesso para a população de média e alta renda do que para a população de baixa renda. Tudo isso impacta em expectativa de vida”, finaliza Aith.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

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