Evento na USP homenageia o escritor Dalton Trevisan

Celebração na Biblioteca Brasiliana discute e prestigia o “Vampiro de Curitiba”, que completa 99 anos

 Publicado: 10/06/2024

Texto: Lara Paiva*

Arte: Joyce Tenório**

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A vida e obra do escritor Dalton Trevisan serão homenageadas na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM-USP) no 12 de junho, em comemoração ao mês de seu aniversário de 99 anos. Trevisan, nascido em Curitiba em 1925, publica contos há oito décadas. O evento foi organizado pelos professores Fernando Paixão, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), e Hélio de Seixas Guimarães, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e vice-diretor da BBM-USP. Os professores são também os organizadores do livro de ensaios Uma literatura nada exemplar (2024), sobre a obra de Trevisan.

O livro (disponível online), uma parceria entre o IEB e a editora Tinta-da-China Brasil, reúne ensaios sobre o universo daltoniano apresentados originalmente no Colóquio Dalton 90 em 2016. Os textos são assinados pelos organizadores e pelo ensaístas Michael Wood, Eliane Robert Moraes, Alcides Villaça, Bruno Zeni, Arnaldo Franco Júnior e Jorge H. Wolff. O volume traz ainda um conto de André Sant’Anna e uma entrevista com Berta Waldman, considerada a mais importante intérprete do escritor.

O evento também celebrará a doação de obras de Trevisan ao acervo da BBM e a reedição de três livros pela Editora Record: Cemitério de elefantes (1993), Macho não ganha flor (2006) e Contos eróticos (2020). Durante o encontro na BBM serão feitas leituras de trechos de contos e romances de Trevisan, realizadas pelo escritor e professor Alcides Villaça e pelos escritores Amara Moira, Andréa del Fuego, Reinaldo Moraes e Rodrigo Lacerda. A homenagem será mediada por Ana Lima Cecilio, curadora da 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), e contará com a presença de Fabiana Faversani, agente literária do escritor.

A potência dos 80 anos de carreira literária de Trevisan refletem nos inúmeros prêmios literários que já recebeu: quatro vezes o Prêmio Jabuti (1960, 1965, 1995 e 2011), o Prêmio Camões (2012), o Prêmio Machado de Assis (2012), entre outros. A Biblioteca Brasiliana possui uma vasta obra do autor do acervo original de José Mindlin, que acompanhou sua obra de maneira sistemática dos anos 1940 a 1980. A doação de Dalton Trevisan deixará ainda mais completa a coleção daltoniana da BBM. “Esse é um momento singular, de celebrar a vida desse escritor gigante que não só está vivo, mas também acompanhando reedições e o evento que estamos organizando”, diz Guimarães.

Dalton Trevisan é conhecido por seu estilo sintético e temas decadentes. Publicou dois romances, mais de 700 contos, e é fiel ao universo literário que criou. “Alguns podem considerar repetitivo mas, na verdade, ele é coerente”, explica Fernando Paixão. “Os temas não são nobres, os personagens são degradados, e ele foi evoluindo e enxugando até fazer contos com cinco, quatro ou três linhas.” Elementos e conflitos específicos, arquétipos e personagens como o “Vampiro de Curitiba” – apelido que o autor herdou de sua mais conhecida obra, publicada em 1965, devido à sua natureza reclusa – perpassam diferentes contos. “São poucos os escritores que constroem um universo e um tipo de escrita que se reconhece imediatamente”, complementa.

Fernando Paixão - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Fernando Paixão - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Capa do livro "Dalton Trevisan: Uma literatura nada exemplar" - Foto: Reprodução/IEB-USP

O projeto literário de Trevisan

Em sua extensa obra, o autor insiste em conflitos como a agressividade do desejo sexual masculino, as desigualdades ao seu redor e a perversidade da luta entre classes. “Ele flagra essas situações de maneira crua. Convivemos com isso cotidianamente, mas os contos dele revelam essa faceta mal resolvida da sociedade brasileira; a desigualdade, a opressão e a ideologia pervertida”, afirma Paixão. Para Guimarães, a singularidade da literatura de Dalton Trevisan ocorre por esta tocar nas questões fundamentais do ser humano, como o atrito, o provincianismo e o rebaixamento. “O voo curto dos seres humanos está sendo apresentado naquelas narrativas. Ele fala de coisas terríveis, mas sempre com graça. Isso é sedutor, por mais que as situações e personagens sejam aflitivos.” Trevisan usa seu vasto repertório, de religiosidade bíblica a referências literárias e mitos, e condensa sua observação do mundo somente ao essencial. “Ele leva o gênero a um paroxismo limite, ao conto moderno e conciso, com muita técnica. Em poucas linhas se tem um personagem, situação e conflito delineado”, conclui Guimarães.

O homenageado publica desde a década de 1940 e, até os dias de hoje, continua publicando coletâneas e antologias. Foi grande difusor do Modernismo e suas ideias em Curitiba com a revista Joaquim, que trouxe ao cenário local ideias revolucionárias sobre arte e cultura. Trevisan fundou Joaquim com mais dois amigos e foi seu editor de 1946 a 1948. Escritores como Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resende e José Paulo Paes publicaram na revista. “Essa operação foi em diálogo com um Modernismo maior, com vários escritores de vários lugares do Brasil que colaboraram nesse veículo pequeno do Paraná”, afirma Guimarães.

O professor da Universidade de Princeton Michael Wood, autor do ensaio que abre Uma literatura nada exemplar, credita Trevisan como o criador do gênero miniconto. “Ele mostrou a possibilidade de fazer literatura em um mundo de mínimos recursos”, explica Paixão. O professor do IEB aponta que esta forma, hoje saudada e amplamente moderna, já era usada por Dalton Trevisan há 40 anos. “Dalton é um construtor de silêncio, ele constrói com poucas palavras. Isso cria sugestões e o leitor faz associações”, complementa Guimarães. “Tudo que não é essencial, ele retira, deixando várias lacunas. O leitor complementa o sentido da história.”

Homenagem a Dalton Trevisan: 99 anos ocorrerá na quarta-feira, 12 de junho, das 18h30 às 20h30, no Auditório István Jancsó do Espaço Brasiliana, Rua da Biblioteca 21 – Cidade Universitária, São Paulo. O evento é grátis e não há necessidade de agendamento prévio.

*Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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