Quando “gastei dois parágrafos” para evidenciar que, “ao definir o exercício profissional da homeopatia como uma farsa ou um crime”, ele estava cometendo calúnia, injúria e difamação contra os milhares de especialistas homeopatas, “afetando a imagem, a reputação e a dignidade dos mesmos perante a sociedade”, eu não estava, “furiosamente” como ele coloca, “ameaçando a sua pessoa com argumentos jurídicos” (pois esse é um papel que cabe às entidades de classe) e sim mostrando que ele estava “exagerando nos impropérios e extrapolando os limites do debate ético-científico” em todos os âmbitos possíveis, inclusive, perante seus colegas pesquisadores da USP. O fato de o biólogo ser um notório pesquisador na sua área não lhe permite denegrir outros pesquisadores que atuam numa área de pesquisa que ele se nega a conhecer. Isso sim caracteriza “covardia intelectual”. Verdade ou pós-verdade?
Embora atribua a responsabilidade do título inicial “A homeopatia é uma farsa criminosa” à “editoria do Jornal da USP”, manteve o título “A homeopatia é uma farsa” no artigo, incorrendo nas mesmas faltas éticas anteriormente citadas ao definir a homeopatia ‘apenas’ como uma “farsa”.
Bastante utilizado no debate político, o termo “pós-verdade” é um neologismo que descreve situações em que os fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que os apelos às emoções e crenças pessoais. Apesar de infundadas, essas “mentiras” fazem parte de uma bem-sucedida estratégia de apelar a preconceitos e radicalizar os posicionamentos das pessoas.
Ao criticar as evidências científicas, por nós citadas, que respaldam o modelo homeopático, o pesquisador afirma que são “bobagens, vazias de conteúdo significativo, ou pior, de conteúdo falso”. Ao expor sua explicação professoral sobre “a prática atual de publicação de artigos científicos”, despreza a qualidade da maioria das referências citadas por serem artigos publicados em “revistas de homeopatia” que, segundo ele, não apresentam qualquer “rigor de avaliação” e “carecem de credibilidade perante a comunidade médico-científica, sendo apreciadas somente pelos seguidores da prática da homeopatia”. Ao contrário do que o pesquisador afirma, as revistas homeopáticas citadas apresentam o mesmo rigor de avaliação (revisão por pares, etc.) que os demais periódicos de outras especialidades; além disso, a publicação de pesquisas sobre determinada especialidade em periódicos da própria especialidade não é uma exclusividade da homeopatia (artigos de ginecologia são publicados em revistas de ginecologia, assim como ocorre nas demais especialidades) e, nem por isso, essas revistas carecem de credibilidade. Numa avaliação imparcial sobre o tema, o pesquisador deveria ter citado também os conflitos de interesses das pesquisas e respectivas publicações científicas relacionadas a grandes laboratórios farmacêuticos, indústrias de equipamentos médicos e empresas de biotecnologia, bastante comuns em diversas especialidades e ausentes na homeopatia. Verdade ou pós-verdade?
Em sua postura preconceituosa, o pesquisador nega a fundamentação científica do princípio de cura homeopático perante o estudo sistemático do efeito rebote dos fármacos modernos com interpretações pueris e falsas, negando centenas de “evidências extraordinárias” que confirmam o similia similibus curentur “proposto por Hahnemann há mais de 200 anos”, demonstrando não ter lido qualquer das revisões citadas (fake knowledge). Buscando demonstrar que a similitude terapêutica homeopática é um “princípio ou lei natural” e que pode ser aplicada com qualquer tipo de substância e dose, desde que a individualização sintomática característica seja respeitada, desenvolvemos o citado ensaio controlado e randomizado (RCT) publicado no European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology, seguindo as premissas da proposta Novos medicamentos homeopáticos: uso dos fármacos modernos segundo o princípio da similitude. Neste RCT, aplicamos o efeito rebote “curativo” do estrogênio dinamizado (ultradiluído ou “água”, segundo o pesquisador) para tratar a dor pélvica associada à endometriose (DPAE), em vista de o estrogênio causar, como eventos patogenéticos ou adversos, proliferação endometrial e um conjunto de sintomas (depressão, ansiedade, DPAE, insônia, enxaqueca e constipação, dentre outros) muito semelhante à síndrome da endometriose. Mostrando eficácia clínica perante o placebo, o estrogênio dinamizado propiciou melhoras significativas tanto na DPAE quanto nos sintomas mentais e na qualidade de vida, em casos pouco responsivos ao tratamento convencional.
Ao expor sua explicação professoral sobre “a prática atual de publicação de artigos científicos”, despreza a qualidade da maioria das referências citadas por serem artigos publicados em “revistas de homeopatia” que, segundo ele, não apresentam qualquer “rigor de avaliação” e “carecem de credibilidade perante a comunidade médico-científica, sendo apreciadas somente pelos seguidores da prática da homeopatia”.
Ao contrário do que o pesquisador afirma, falaciosamente, seguimos nesse RCT todas as premissas do modelo homeopático, incluindo a “individualização do medicamento perante a totalidade de sinais e sintomas das pacientes”. Se tivesse lido o artigo completo (assim como o protocolo previamente publicado e citado) e não apenas o resumo do mesmo (fake knowledge), teria observado em Materials and methods/Participants a descrição da pré-individualização sintomática realizada [“secondary (homeopathic-related) inclusion criteria (a priori or pre-individualization of patients vis-a-vis the adverse events caused by estrogen, i.e., pathogenetic effects of estrogen)”], pela qual foram alocadas no estudo apenas as pacientes que apresentavam um conjunto de sinais e sintomas semelhantes aos eventos adversos do estrogênio. Outra mentira citada pelo pesquisador foi que as críticas ao desenho do estudo, apresentadas por um grupo de pesquisadores céticos espanhóis, não haviam sido respondidas até o momento. Essa resposta está disponibilizada no canto direito (“Related Articles”) da página do artigo original desde 05.05.17 (Reply to “Letter to the Editor” by Moran et al.), justificando todas as críticas. Verdade ou pós-verdade?
Mais uma vez, reitero que as falhas metodológicas observadas na segunda análise da metanálise publicada no Lancet em 2005 impedem que ela seja usada, indistintamente, como evidência da falta de eficácia do tratamento homeopático perante o placebo ou como indicativo de “que a homeopatia acabou”, pós-verdade citada pelo pesquisador. Ao contrário, na primeira e principal análise, com todos os ensaios levantados (110 ensaios homeopáticos e 110 ensaios alopáticos, pareados segundo as mesmas doenças), a homeopatia mostrou eficácia significativa perante o placebo, com resultados semelhantes à metanálise do Lancet de 1997 (eficácia da homeopatia 2,45 maior do que a do placebo). Além dos inúmeros RCT que mostraram melhoras significativas da homeopatia perante o placebo, as conclusões das metanálises citadas indicam que “existe evidência da eficácia do tratamento homeopático perante o placebo”, apesar dos efeitos serem pequenos e específicos a alguns tipos de tratamentos.
Entretanto, vale ressaltar que essas conclusões também não são exclusividade da homeopatia, sendo descritas em metanálises que avaliaram diversos tratamentos alopáticos. Como exemplo, diversas metanálises evidenciaram que a eficácia dos antidepressivos se assemelha ao placebo em depressões leves a moderadas, mostrando pequeno efeito positivo apenas nas depressões muito severas (Kirsch et al., 2008; Khan et al., 2017). No entanto, quantos milhares de pacientes com depressão leve-moderada utilizam os antidepressivos como tratamento usual?
Finalizando, reiteramos as linhas de pesquisa existentes que confirmam o efeito das ultradiluições homeopáticas em modelos físico-químicos e biológicos (in vitro, plantas e animais), citando dezenas de estudos que evidenciam a sua ação. “Extraordinárias” ou não, muitas delas são reproduzidas e replicadas como exige o método científico. Em relação aos estudos em modelos físico-químicos citados, reproduzo o artigo O papel da água na homeopatia do professor Álvaro Vannucci, livre-docente do Instituto de Física da USP, no qual discorre sobre os clusters e a teoria da memória água.
Assim como os homeopatas não devem bradar, indistintamente, que as evidências homeopáticas são indiscutíveis e conclusivas, os céticos também não devem vociferar contra o campo de pesquisas existente, negando-as, sistematicamente. A mesma postura equilibrada e de bom senso deve ser aplicada na prática clínica: a homeopatia, assim como as demais especialidades, não deve ser indicada, de forma generalizada e isolada, para tratar qualquer problema de saúde, mas pode trazer um grande contributo à resolutividade de inúmeras doenças quando empregada de forma complementar e adjuvante às demais terapêuticas. Infelizmente, excessos são observados como em qualquer área, comprometendo a boa prática clínica homeopática.
Apesar das evidências citadas durante o debate serem suficientes ao esclarecimento de pesquisadores abertos a novos conhecimentos, elas podem ser insuficientes a outros com posturas mais dogmáticas, que clamam por “evidências extraordinárias”. Prova disso é a existência do ensino e da pesquisa em homeopatia na USP, endossada por pesquisadores e professores do mais alto nível. Concordo que “a ciência pode ser vista como uma vela no escuro”, trazendo evidências que iluminem o fenômeno em estudo, no entanto, “não adianta, a um cego, mostrar uma vela acesa”. Parafraseando o mesmo Carl Sagan citado pelo pesquisador, “a ausência da evidência não significa evidência da ausência”.