Qual o resultado do avanço da direita nas eleições para o Parlamento Europeu?

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 Publicado: 11/06/2024

O primeiro a reagir foi o presidente da França, Emmanuel Macron. Antes mesmo que os resultados oficiais da eleição para o Parlamento Europeu, realizadas no último fim de semana, fossem anunciados, ele comunicou via TV francesa que realizaria, em breve, uma consulta eleitoral para renovar a casa de leis do próprio país. Trata-se de uma manobra arriscada na qual constatará o aumento da representação de direita no Parlamento Francês ou a elevação da representação de deputados liberais e de esquerda.

O fato é que as eleições para a renovação do Parlamento Europeu, realizadas no último fim de semana, registraram um já esperado avanço da direita e da extrema direita, que não chegará a tirar a preponderância dos partidos liberais de centro e de esquerda, que, juntos, ainda continuarão majoritários na casa europeia. Mas o avanço dos direitistas franceses, italianos, húngaros, espanhóis e de outros países estimulará os debates no Parlamento Europeu sobre o direcionamento de suas decisões, o seu alcance e, até mesmo, em último grau, por parte da direita, a própria existência do Parlamento Europeu – construída ao longo de mais de 70 anos a partir do fim da conflagração da Segunda Guerra Mundial.

Vale lembrar que poucos dias antes da realização das eleições europeias comemorou-se, com a presença do presidente norte-americano Joe Biden, os 70 anos da vitória dos aliados contra o nazismo alemão e o fascismo italiano – com a participação, como sempre, dos governos atuais dos dois países. Refletindo o momento da guerra da Rússia com a Ucrânia, o presidente Vladimir Putin, ao contrário de outras celebrações, não compareceu, nem enviou representantes. Pelo contrário, quem esteve presente e foi bastante saudado foi o presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia que, no momento, está sendo invadida pela Rússia, que lhe disputa territórios. Os tempos mudaram.

O fato é que a União Europeia resultou de um processo de duração demorada, antecedido pelo Benelux, tratado que unia a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo. Nos seus primeiros passos, o processo resultou no Mercado Comum Europeu, uma união dos principais países europeus, que conviviam, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com a União Soviética e seu domínio, que incluía até a então Alemanha Oriental.

Essa proximidade com os soviéticos foi fortemente contrabalançada pela influência dos EUA, que passou a ser a potência dominante no Ocidente desde o fim daquele conflito. A longa e demorada construção do Mercado Comum Europeu, que resultou na União Europeia, objetivou desde o seu início que a Europa Ocidental tivesse o mínimo de condições econômicas para conviver com a crescente economia norte-americana e enfrentar a soviética.

Desde a dissolução da União Soviética, a maioria dos países do Leste Europeu aderiu à atual União Europeia, mas mais sensível do que essa adesão foi a extensão da proteção das forças militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a todos eles, proteção esta que chega às fronteiras da Rússia. Além de ter tomado da Ucrânia regiões que considera tradicionalmente suas, a Rússia, atualmente, não quer que a Ucrânia adira à Otan, alegando a sua segurança nacional. A presença de Zelensky na comemoração dos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial retratou que novos eixos se definiram, com a Rússia se afastando do Ocidente e reforçando seus laços, especialmente econômicos, com a China e a Índia, mas contando, dentro da zona da Europa, com algumas simpatias, pelo menos, da Hungria, um membro atualmente reticente da UE.

Evidentemente, toda essa variação de cenário se refletirá no funcionamento do próprio legislativo da União Europeia, apesar das forças políticas majoritárias, com poucas variações, tenderem a manter o atual alinhamento com os objetivos ocidentais. Mas, claro, haverá mais debates, discussões, argumentações em defesa de posturas menos modernizantes e progressistas para todo o bloco – justamente as posturas que visam manter condições para que as sociedades europeias ofereçam um bom nível de vida aos seus habitantes. E num momento em que persiste uma guerra nas suas fronteiras, as mudanças climáticas assustam e a assimilação da imigração de populações desassistidas do continente africano precisa ser equacionada.

No que resultará a decisão de Macron de antecipar as eleições legislativas na França? Perderá ou ganhará espaços de poder? De acordo com ele, “a subida de nacionalistas e demagogos (no Parlamento Europeu) é um perigo para a nossa nação e para a Europa”. E será, também, para todos os países-membros da União Europeia.

União esta que também enfrenta desafios importantes na área econômica pois vem perdendo espaço no mercado mundial diante dos Estados Unidos e dos avanços da China. A região “precisa de uma estratégia clara que não tem”, defende o ex-primeiro ministro da Itália e ex-presidente do Banco Central da região, Mário Draghi, segundo o correspondente do Valor em Genebra, Assis Moreira. Para Draghi, a União Europeia “precisa passar por reformas radicais” para se adaptar e resistir à atual competição internacional.

Conseguirá?

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