Jovens durante caminhada pela Cidade Universitária, em São Paulo - Foto: Eliete Viana / FFLCH

Lugar de reflexão: coletivo da USP quer reavivar interesse e ação política na Universidade

Com manifesto e organização de debates públicos, o coletivo USP pela Democracia busca atrair mais integrantes e criar espaço para o “dissenso”

 27/07/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 29/07/2022 às 15:50

Texto: Tabita Said

Arte: Adrielly Kilryann e Rebeca Fonseca

Um grupo da USP está se movimentando para retirar a ”defesa pela democracia” do âmbito meramente subjetivo. São, em sua maioria, intelectuais, pesquisadores e interessados em se posicionar com relação aos problemas do Estado de uma maneira democrática. O USP pela Democracia tem em seu gene a convicção de que as instituições sociais estão em constante mudança. Sobretudo, de que é necessário estar atento às tensões entre as instituições e a realidade da vida.

Mais de 100 pessoas, entre docentes, estudantes e servidores da USP, integram o coletivo. A motivação, de acordo com o grupo, se deu pela “apatia dos estudantes em sala de aula a respeito dos grandes temas que nos atravessam. E a apatia e/ou desinteresse generalizado, inclusive dos docentes e das entidades de classe, com relação às eleições deste ano”.

O coletivo está em campanha pela adesão de assinaturas da comunidade uspiana no Manifesto pela Democracia, que já conta com pouco mais de 500 apoiadores. O texto foi redigido, apreciado e revisado por docentes da USP, como Adma Fadul Muhana, Carlota Boto, Cilaine Alves Cunha, Íris Kantor, Jean Pierre Chauvin, Kimi Tomizaki, Sonia Maria Portella Kruppa, Tessa Moura Lacerda, Vera Bohomoletz Henriques e Vera Telles.

Inspirados no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932 – que buscou aplicar a função social da escola, ampliando o acesso a uma educação pública, laica e gratuita -, o manifesto do USP pela Democracia se coloca contra a privatização da gestão das escolas municipais de São Paulo. Mas sua atuação não se restringe ao tema da educação

“Nesse momento próximo das eleições, não se trata só de uma disputa partidária, mas uma questão de agir e tomar um posicionamento contra a barbárie que a cada dia se avoluma. Todos os dias nós recebemos uma demonstração de violência, que nos estava incomodando muito e continua nos incomodando”, diz Adma Fadul Muhana, professora e pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A docente conta que o grupo se posicionou como um canal de mobilização, com o intuito de suscitar na Universidade uma discussão mais qualificada sobre a democracia.

Ela acredita que a despolitização não seja uma particularidade brasileira, mas um fenômeno mundial, que tem sido vendido como um discurso obsoleto. “Esse discurso de que nós podemos ir para outras agendas, outras demandas, e que a questão não é política, quando nós pensamos que é fundamental tratar politicamente das mais diversas questões que se colocam para a sociedade.”

Adma Fadul Muhana - Foto: Arquivo pessoal

Parte dessas “diversas questões” mencionadas por Adma tem sido discutida em eventos colaborativos promovidos pelo grupo, como o debate Democracia nas Quebradas, realizado no mês de junho e transmitido pelo Coletivo Paulo Freire. O evento contou com a participação de Guilherme Boulos, Lili da Brasilândia, Raquel Rolnik e Tamires Sampaio. A mesa foi mediada por Tessa Lacerda, professora da FFLCH e integrante do USP pela Democracia, que descreveu um dos desejos do coletivo: relembrar o papel da Universidade enquanto lugar de reflexão e ação política.

Tessa Lacerda - Foto: Arquivo pessoal

Ao Jornal da USP, Tessa diz que o grupo foi concebido por um sentimento de urgência diante do cenário político que se desenha e desdobra até outubro. “Nunca tivemos uma eleição tão dramática, como a que vai ocorrer este ano”, analisa. A professora celebra a pluralidade do grupo, que reúne pessoas de diferentes posicionamentos políticos, e a busca pela diversidade entre os convidados para serem expositores em seus eventos.

“A democracia é um projeto incompleto no Brasil. E o risco é que, agora, ela acabe mesmo. Então, a urgência desses debates todos era sempre [para falar] da democracia e de algum tema que a convoque: pandemia, povos originários, periferia, educação e um projeto de política pública que leve, de fato, a uma transformação da realidade”, afirma.

Em parceria com o GT Em Defesa da Escola Pública, da Faculdade de Educação (FE) da USP, o Coletivo USP pela Democracia se juntou a entidades e movimentos sociais e promoveu outro debate, desta vez sobre o Projeto de Lei 573/2021. O PL autoriza o Poder Executivo municipal de São Paulo a implementar o sistema de gestão compartilhada em escolas de ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, em parceria com organizações da sociedade civil.

Debate Democracia nas Quebradas ocorreu no dia 23 de junho, no Auditório da História (FFLCH), e contou com transmissão ao vivo do Coletivo Paulo Freire

Espaço de dissenso

“Sem dúvida é uma questão de educação, mas eu poderia dizer, igualmente, que é uma questão de cultura, como eu poderia dizer: é uma questão da saúde e uma questão dos direitos humanos”, observa Sônia Portella Kruppa, docente da Faculdade de Educação da USP, experiente formadora de professores e autora do livro Sociologia da Educação. Ela argumenta que a universidade pública está ligada aos problemas que afligem o Estado, que a sustenta. Mas, apesar da ligação, Sônia ressalta o caráter plural que a distingue. “É próprio do modus operandi de uma universidade que ela tenha diferentes posições. Elas têm um espaço de convivência e de debate, porque a ciência não progride só pelo consenso; ela precisa do dissenso, da problematização, da dúvida”, diz.

Sônia Portella Kruppa - Foto: Arquivo pessoal

Traçando uma linha do tempo dos movimentos que organizaram e modificaram a educação no Brasil, a professora lembra que a primeira Lei Nacional de Diretrizes e Bases levou quase 15 anos para ser promulgada, em 1961. Dois anos antes, em julho de 1959, outro manifesto atualizava as reivindicações de 1932, intitulado como Manifesto dos Educadores Democratas em Defesa do Ensino Público. “Fernando de Azevedo escreve, Florestan Fernandes encabeça, mas Fernando Henrique Cardoso assina esse manifesto; os próprios liberais da Faculdade de Educação, como Roque Spencer Maciel – que era ultraliberal –, estavam juntos, defendendo aquilo que é público como direito”, conta.

Partindo da educação, Sônia, Adma e Tessa afirmam que estão reunidas contra o retrocesso “na educação, na saúde, no acesso aos meios culturais, ao mínimo de qualidade de vida, nas questões de violência e da desigualdade brutal”. A busca do movimento é pela ampliação da discussão, em um cenário de encolhimento da esfera pública. “Parece que democracia é uma palavra velha, gasta, que estava perdendo o sentido. Mas, nesse momento que a gente enfrenta um muro de violência, o que se pode fazer frente a isso é acolher e dialogar com o diverso”, defende Adma.

Foi com este espírito que o grupo fez sua primeira aparição, na 50ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP). Realizada nas cidades de Roma (Itália) e de São Paulo, o tribunal examinou a ocorrência de violações e crimes contra a humanidade cometidos pelo governo Bolsonaro e de que forma atingiram as populações negras, os povos indígenas e trabalhadores da área de saúde ao longo da pandemia de covid-19.

Tribunal Permanente dos Povos - 50ª Sessão: Pandemia e Autoritarismo contou com transmissão ao vivo da FFLCH/USP

Coletivo USP pela Democracia realizou a leitura de seu manifesto durante o evento transmitido pelo Núcleo de Avaliação Institucional, da FE/USP

O coletivo deverá marcar presença nas redes sociais, inclusive com vídeos curtos sobre a importância de se pensar a democracia, “que está em risco”, alerta.

“Em minha opinião sempre estará [em risco]. Teremos de estar para sempre vigilantes. Ela nos é cara, principalmente porque a democracia proporciona o espaço do convencimento de que os direitos fundamentais, a justiça social, a igualdade econômica e a equidade são bens dos quais não podemos abrir mão e precisam ser para todos”, afirma Marinês Mendes, técnica administrativa na USP e membro do grupo.

Como um movimento orgânico e que se pretende enraizar encontrando outras entidades pela democracia que o fortaleçam, o grupo deseja representar a comunidade uspiana, sem, no entanto, utilizar equipamentos ou sistemas de sites da Universidade. “Também em observância à lei eleitoral”, lembra Marinês.

Para saber mais e participar, é possível contatar o coletivo USP pela Democracia pelo e-mail
usppelademocracia@gmail.com


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