Parâmetros editoriais para artigos de opinião no Jornal da USP

Por Marcia Blasques, Luiz Roberto Serrano e Eugênio Bucci, da Superintendência de Comunicação Social da USP

 30/01/2023 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 13/06/2023 às 13:16

Mais relevância, mais responsabilidade

Até abril de 2016, o Jornal da USP era uma publicação impressa. Circulava semanalmente, com 20 páginas. O intervalo entre o fechamento das reportagens, às quartas à noite, e o momento em que a tiragem de 10 mil exemplares começava a chegar ao público era imenso, de pelo menos cinco dias. As dificuldades de distribuição eram crônicas e requeriam operações dispendiosas. Hoje, o Jornal da USP é digital e atualizado de segunda a sexta-feira, com uma média diária de 15 novos posts. O acesso, como tudo na internet, é instantâneo. São cerca de 2 milhões de visualizações mensais, no Brasil e no exterior.

Nessa evolução, registramos um grande aumento do número de artigos escritos por pessoas da comunidade USP que não pertencem ao corpo fixo da redação. Esse volume cresce continuamente. Hoje, são entre 30 e 40 textos inéditos por mês assinados por professoras, professores, pesquisadoras e pesquisadores, que tratam de assuntos de todas as áreas do conhecimento da nossa universidade. Da Cardiologia às Relações Internacionais, da Arquitetura às Artes Plásticas, da Botânica ao Direito, da Odontologia à Agronomia, todos os temas são pauta. Com isso, o Jornal da USP ganhou mais relevância, mais impacto e mais calor jornalístico. Um dos maiores órgãos de divulgação científica em atividade no Brasil, no mesmo patamar do noticiário da Agência Fapesp, é lido assiduamente por gente da academia, do universo da educação e, principalmente, por profissionais da imprensa e das comunicações em geral, que usam o conteúdo para os seus afazeres diários. Por isso, o Jornal da USP tem um potencial multiplicador que cresce a cada dia.

Em decorrência de sua atual configuração, que carrega uma massa de informação muito maior, combinada com a ampliação da diversidade de autores e de pontos de vista, é natural que surjam dúvidas sobre os critérios editoriais que nos guiam. Quais os parâmetros para a publicação de artigos autorais, que se tornaram indispensáveis para a vitalidade e para a abrangência do jornal? Existiriam normas estilísticas mínimas, que pudessem servir de guias para quem escreve? Que vícios devem ser evitados? Que função informativa e formativa se espera de cada novo texto?

Pensando nisso, decidimos compartilhar o presente documento, com o propósito de expor publicamente as balizas que seguimos diariamente. De saída, é bom anotar que nada do que expomos aqui é novidade, mas apenas o prolongamento e o aprofundamento das diretrizes que sempre nos guiaram. Acreditamos que recuperar, compartilhar e explicar os cânones que temos observado ao longo do tempo pode contribuir para melhorar a qualidade editorial.

O primeiro ponto a se levar em conta é a natureza do Jornal da USP. Trata-se de um órgão universitário e de um ente de comunicação pública, não comercial, apartidário e laico. Ele existe para ajudar a Universidade de São Paulo a realizar sua missão. Esse veículo não tem – nem nunca teve – o perfil de um diário comum. Enquanto os jornais convencionais buscam notícias de interesse geral para seus públicos, o Jornal da USP cobre prioritariamente a USP e, ao difundir informações, dialoga com os anseios, as necessidades e as curiosidades do público amplo. Sua atuação é indissociável da atuação da USP como instituição. Seu foco é entregar conhecimento valioso para a sociedade. O Jornal da USP fala sobre a produção acadêmica da USP para a sociedade e fala com a sociedade a partir da produção da USP.

Sua missão, portanto, é rigorosamente educativa, informativa, formativa e comprometida com os pressupostos da convivência democrática. Os artigos opinativos no Jornal da USP, escritos por quem se dedica à pesquisa e ao ensino na nossa universidade, estão vinculados a esse parâmetro geral: também cumprem um papel educativo, informativo, formativo e guardam compromisso com os pressupostos da convivência democrática. Eles têm a finalidade estrita de contribuir para a compreensão expandida dos temas que seus autores estudam, indo além do senso comum e das platitudes. Esses artigos devem trazer informações que acrescentem saber ao repertório médio do público, assim como devem propor novos prismas interpretativos, com didatismo e fundamentação. Dessa maneira, ajudam a sociedade a conhecer mais sobre os tópicos de interesse público.

Ao publicar artigos, o Jornal da USP cumpre seu objetivo de servir à sociedade e ao discernimento da cidadania, seja com soluções aplicáveis a impasses do presente, seja com problematizações críticas que descortinam ângulos novos para pensar e repensar os mesmos impasses. Ao criticar o poder, a Universidade também colabora com a sociedade que a sustenta.

Um pouco de história

Nada disso é novo, não custa insistir. Desde que foi lançado, em junho de 1985, o jornal da nossa universidade segue o mesmo receituário. Aliás, a própria USP nasceu com o compromisso de comunicar o saber: a dimensão comunicacional faz parte de seu DNA. Criada pelo decreto nº 6.283, assinado pelo então interventor federal no Estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, em 25 de janeiro de 1934, ela teve suas finalidades expressas logo no artigo segundo. São elas:

a) Promover, pela pesquisa, o progresso da ciência;
b) Transmitir pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito, ou sejam úteis à vida;
c) Formar especialistas em todos os ramos de cultura, e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística;
d) Realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres.

É cristalino. A comunicação é uma das quatro finalidades da nossa instituição, desde seu primeiro dia de existência. Está na alínea “d”: a USP deve “realizar a obra social de vulgarização” (ou, em termos mais atuais, a popularização, a divulgação) do conhecimento que produz. Isso significa que todas as suas ações de comunicação – as emissoras da Rádio USP (São Paulo e Ribeirão Preto), o Jornal da USP e as incontáveis iniciativas de difusão de laboratórios, núcleos de pesquisa, faculdades, departamentos ou museus – estão subordinadas ao mesmo princípio.

Sim, nada mais óbvio. Mas, em algumas curvas do nosso longo caminho, noções que deveriam ser óbvias se perdem nas sombras. Nesses momentos, nosso dever é restaurá-las.

No ano de 2017, a Superintendência de Comunicação Social (SCS), responsável pelos órgãos de imprensa da Administração Central da Universidade de São Paulo, como as emissoras da Rádio USP e o Jornal da USP, entre outras plataformas, estabeleceu, depois de um ano de seminários internos, a síntese da missão que caberia ao seu jornalismo. Vamos reler esta missão:

“Promover a comunicação jornalística com autonomia e postura crítica, dentro dos padrões da comunicação pública democrática, entre a Universidade e a sociedade, com ênfase em divulgação científica, cultural, institucional e da vida universitária, além da discussão dos temas da atualidade, a partir do conhecimento acumulado na USP”.

Em resumo: a contribuição que a USP procura oferecer à sociedade tem como base o conhecimento que ela consolida. Logo, quando um professor escreve um artigo para o Jornal da USP ou vai à Rádio USP para dar uma entrevista, ele fala de assuntos que estuda e conhece, sobre os quais tem algo de novo e de substantivo a dizer.

Naquele mesmo ano de 2017, a SCS listou os valores que norteiam seu trabalho. São eles:

  • Transparência e Verdade;
  • Excelência e Crítica;
  • Ineditismo e Velocidade;
  • Clareza e Beleza;
  • Entusiasmo e Comprometimento;
  • Integração e Economicidade;
  • Independência e Apartidarismo;
  • Vocação para ensinar.

O que mais chama a atenção nesses valores é o compromisso com a convivência pacífica. A comunicação da USP não prestigia nenhuma forma de linguagem agressiva. O discurso de ódio, em todas as suas formas, pode ter se tornado comum no rumor da mídia, mas aqui não tem lugar.

Os objetivos estabelecidos pelo planejamento da SCS em 2017 deixam patentes esses parâmetros. São eles:

1 – Noticiar e explicar com ineditismo as pesquisas científicas desenvolvidas na USP, em linguagem acessível, atraente e criativa;
2 – Fomentar e difundir as diversas expressões culturais do Brasil (a partir do conhecimento cultivado na USP), com o propósito de qualificar o gosto do público e aprimorar seus padrões de convivência com a arte e as formas de conhecimento que ela propicia;
3 – Expor aos públicos os contextos que elucidam os sentidos menos imediatos do noticiário de interesse geral e explicar os acontecimentos do Brasil e do mundo a partir do conhecimento produzido na USP;
4 – Aproximar a USP da vida dos cidadãos brasileiros, abrindo janelas para que a população possa enxergá-la, conhecê-la, compreendê-la, fiscalizá-la e valorizá-la como merecedora do imposto que a sustenta;
5 – Contribuir com seus meios para a comunicação interna e para a comunicação institucional da USP.

Resta alguma dúvida sobre o que nos norteia? Especialmente no terceiro objetivo, a elucidação dos acontecimentos vem ligada aos estudos que ela desenvolve. Os professores que escrevem artigos para o nosso jornal devem se ancorar nas pesquisas que realizam ou nos debates intelectuais de que participem. Nossa universidade conta com especialistas de notável projeção nacional e internacional. Quanto mais essas pessoas escreverem para o Jornal da USP, mais visibilidade a Universidade terá e maior será seu impacto positivo. Óbvio, não?

Quatro pontos de atenção para artigos opinativos

Com o objetivo de aprimorar e aprofundar a colaboração de docentes com o Jornal da USP, para que ela seja mais frequente e mais habitual, sintetizamos aqui quatro critérios balizadores.
Repetimos: eles não são uma criação recente, mas o legado fiel de uma construção histórica. Postos em conjunto, dão uma visão mais nítida sobre as nossas guias editoriais cotidianas. Vamos a eles:

Quem assina artigos no Jornal da USP sabe do que está falando.

Cada autora e cada autor se compromete a escrever sobre aquilo que efetivamente pesquisa, estuda e conhece. Não que uma professora ou um professor só deva se manifestar dentro do perímetro estrito de sua especialidade acadêmica. Claro que há professores de economia que são grandes conhecedores de música clássica, assim como há estudiosos da literatura que são intérpretes qualificados do futebol. Em todas as situações, porém, as pessoas que assinam um artigo opinativo devem trazer, por sua vivência e por sua experiência intelectual, uma bagagem reconhecida sobre o tema de que tratam. Em outros termos, devem ter um acúmulo de elaboração que as credencie socialmente a opinar sobre aquela área. Nesse ponto, embora não se defina como um jornal convencional, como os grandes diários do mundo, o Jornal da USP segue critérios análogos. Nas publicações jornalísticas mais respeitáveis do mundo, os articulistas são aqueles que sabem do que falam.

O Jornal da USP não veicula discurso de ódio, manifestação de intolerância ou preconceitos de qualquer espécie.

O Jornal da USP dedica respeito, profundo respeito, a cada um e a cada uma que se dispõe a lê-lo. Grato e receptivo, não fustiga, não assedia e não instrumentaliza a boa-fé e a confiança de ninguém. Não tem a intenção de magoar ou ferir pessoas ou grupos. Não lança infâmias contra pessoas, etnias, comunidades, igrejas. Não se vale de prosa virulenta. A linguagem ultrajante ou injuriosa não é admissível, em nenhuma hipótese e sob nenhuma justificativa.

O Jornal da USP prefere sempre a urbanidade e a civilidade.

Como há de estar evidente, as boas maneiras, aqui, são um pilar estilístico e um valor de fundo. Vale frisar que a polêmica de imprensa não está entre as finalidades da nossa comunicação. Controvérsias são comuns, normais e até desejáveis na esfera pública, mas essa não é a especialidade jornalística do Jornal da USP. Ele vibra em outra frequência. Não está atrás de uma audiência inflada por meio de “caça-cliques” ou de arestas artificiais. O seu tempo é mais o da razão, não o da exasperação.

O Jornal da USP e seus artigos não fazem proselitismo, propaganda ou publicidade de nenhum tipo.

A propaganda e as técnicas de dissuasão – que podem ser empregadas legitimamente pelo discurso publicitário, pelo proselitismo religioso ou pelas campanhas eleitorais – não cabem na comunicação da nossa instituição. As melhores universidades do mundo – e a USP entre elas – rejeitam a prática do proselitismo, considerado em toda parte como uma forma de má prática acadêmica. No nosso caso, o Código de Ética da Universidade de São Paulo (Resolução 4.871/2001) afirma, em seu artigo 3º:

“A ação da Universidade, respeitadas as opções individuais de seus membros, pautar-se-á pelos seguintes princípios:
I – a não adoção de preferências ideológicas (…);
II – a não adoção de posições de natureza partidária”.

A Universidade é pública. É de todas e de todos. Ela não assume partido. Docentes, sim, podem e devem se manifestar politicamente. Podem e devem enfrentar o arbítrio e, especialmente agora, não podem nem devem recuar diante do negacionismo e do obscurantismo. O detalhe a ser observado é que professoras e professores não empregam meios públicos para favorecer causas particulares, nem permitem que isso seja feito. Usar nossos equipamentos de comunicação para interesses pessoais ou privados – religiosos, comerciais ou partidários – seria um desvio patrimonialista. Em todos os sentidos, como já foi afirmado aqui, a propaganda de ideários escapa à nossa comunicação.

O nosso jornal não faz as vezes de palanque, de púlpito, de canal para ambições pessoais ou familiares, de agência de publicidade ou de marketing, ou de posto avançado de igrejas ou de seitas. Tampouco publicamos artigos com erros factuais flagrantes. O que publicamos só tem sentido quando ajuda a melhorar o grau de cultura e de informação do público – exatamente para libertá-lo do jugo de todas as formas de proselitismo. O ideal do Jornal da USP não é cooptar seguidores, mas libertar cada uma e cada um para que sigam livremente suas próprias inclinações. O Jornal da USP não prega para convertidos nem quer arregimentar convertidos. Ao contrário, quer cidadãs e cidadãos livres. Nós existimos para distribuir ciência, cultura, arte e filosofia, não para arrebanhar adeptos.

Para concluir

Bem sabemos que esses parâmetros são permeáveis diuturnamente às asperezas da vida prática. Sabemos, por experiência própria e reiterada, que não é fácil. Qual a linha que separa a propaganda da informação? O que distingue a ênfase argumentativa da prosa agressiva? Não são critérios simples nem mecânicos. O que faz com que esses valores ganhem efetividade é o exercício diário da edição criteriosa, em permanente entendimento com os diversos interlocutores da nossa atividade. Mesmo assim, mesmo com todas as dificuldades, a USP tem sabido manter a excelência em sua comunicação. Temos segurança de que prosseguiremos na mesma ascendente.

A Universidade só existe em liberdade. No seu labor diário, tende a conquistar e a expandir os limites e a densidade da liberdade, de modo ininterrupto e crescente. A Universidade só vive à medida que questiona o mundo com abertura, desprendimento, inteligência e coragem. Ela só progride quando é capaz de se apoiar na sua própria reputação. Uma universidade que não tem uma reputação a zelar, que não cuida dela, não é nada. Devemos levar em conta, o tempo todo, que as palavras, as imagens e os áudios do Jornal da USP constroem a reputação da USP. Tenhamos em mente essa responsabilidade.

O Jornal da USP existe para ser o jornal do corpo docente da USP. Está aberto a isso. Precisa disso. A USP será tanto maior e melhor quanto mais a sua comunidade compreender que é a grande autora da sua comunicação.


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