A eternidade concreta de Paulo Mendes da Rocha

O arquiteto, que morreu no último dia 23, aos 92 anos,
permanecerá nas cidades onde seus projetos ganharam forma e estrutura

Museu da Língua Portuguesa na estação da Luz – Foto: Fotos Públicas – GOVESP

Por Marcello Rollemberg
Arte: Moisés Dorado

Em uma de suas últimas entrevistas, o arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Paulo Mendes da Rocha afirmou ao jornal Folha de S. Paulo: “Acho que, tendo nascido, não tenho outra alternativa a são ser viver”. E completou, afirmando que esperava “viver para sempre”. Sem querer entrar em conceitos metafísicos, pode-se dizer que a eternidade é algo relativo. No último dia 23, depois de 70 anos dedicados plenamente à arquitetura, os 92 anos de vida de Paulo Mendes da Rocha tiveram um capítulo final. Mas seus projetos, suas ideias, que encontraram espaço concreto mundo afora e são aplaudidíssimos, permanecem. E vão ficar para sempre. Então, sim, nesse contexto, Mendes da Rocha conquistou o que desejava: ele vai viver para sempre.

“Com o seu prestígio e reconhecimento internacional, o professor Mendes da Rocha foi um dos pilares da Universidade de São Paulo e um dos responsáveis pela distinção da arquitetura brasileira”, afirmou o reitor da USP Vahan Agopyan. Tem toda a razão. Paulo Mendes da Rocha era, certamente, o arquiteto mais conhecido do País no exterior, ao lado do incontestável Oscar Niemeyer. Não à toa, os dois foram os únicos brasileiros a receber o prestigiado Prêmio Pritzker, o principal galardão de arquitetura no mundo, considerado o Nobel da área – Niemeyer recebeu em 1988, Mendes da Rocha, 18 anos depois. Em 2016, o arquiteto recebeu também o Leão de Ouro da Bienal de Veneza pelo conjunto da sua obra. Entre seus projetos mais conhecidos estão o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo – pela qual recebeu o Prêmio Mies van der Rohe para a América Latina –, o Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia – o paulistano MuBE –, o Estádio Serra Dourada, em Goiânia, e as novas instalações do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa. Isso, só para ficarmos em alguns (bem) poucos projetos, apenas uma introdução a um trabalho que mesclou tanto a prática arquitetônica quanto a dedicação ao seu ensino – como mencionou o reitor da USP. Mendes da Rocha começou como professor na USP em 1961, foi cassado pelo AI-5 em 1969 e voltou à Universidade nos anos 1980, onde ficou até se aposentar.

Intervenção arquitetônica na Pinacoteca do Estado de São Paulo – Foto: Gaf.arq via Wikipedia / CC BY-SA 3.0

“De 1984 a 1989 frequentei o curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU e tive o privilégio de ser aluno de Paulo Mendes da Rocha. Além de excelente arquiteto, Mendes da Rocha sempre foi um professor apaixonado, gentil e educado, que sempre tinha uma palavra de encorajamento quando avaliava nossos exercícios de projetos arquitetônicos. Lembro-me bem dele, desenhando croquis com giz branco sobre as lousas negras nos estúdios”, recorda o arquiteto e professor da FAU Eduardo Nobre. “Ele explicava com paixão as qualidades da arquitetura da chamada Escola Paulista, da qual foi um dos maiores expoentes. Figura elegante, sempre de blazer e com um cigarro na mão, ele hipnotizava a todos com seu discurso, fosse em uma palestra ou em uma roda de bar. Mas ai de quem criticasse a arquitetura moderna: ele se inflamava e, depois de uma boa meia hora de conversa, conseguia convencer o interlocutor das virtudes do Modernismo”, lembra o professor (leia outros depoimentos sobre Paulo Mendes da Rocha no texto a seguir).

Paulo Mendes da Rocha – Foto: Albert Herring/MinC/CC BY 2.0

Ouça no link abaixo entrevista concedida em 2017 pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha à jornalista Heloisa Granito, da Rádio USP (93,7 MHz)

“Brutalismo” e polêmicas 

A “Escola Paulista” de arquitetura à qual se refere o professor Eduardo Nobre é aquela que teve como seu mentor e principal impulsionador João Batista Vilanova Artigas, um dos grandes nomes da FAU – o prédio da faculdade na Cidade Universitária, em São Paulo, para quem não sabe, é projeto dele. A Escola Paulista preocupava-se essencialmente com a promoção de uma arquitetura “crua, limpa, clara e socialmente responsável” (de uma certa maneira, influenciada pelos ideais estéticos do chamado “Brutalismo europeu”, nascido nos anos 1950 e que reúne elementos do Modernismo). Apresentava soluções formais que poderiam permitir a imediata apreensão, por parte dos usuários da arquitetura, dos ideais de economia e síntese espacial expostos em seus elementos formais, dentro de um raciocínio que alguns chamaram de “verdade estrutural” da arquitetura.

De várias formas, o que Paulo Mendes da Rocha defendia era que arquitetura, urbanismo e cidade deveriam viver irmanados. Para ele, a vida estava nas ruas das cidades. “A cidade é uma escritura da nossa presença no lugar. É preciso deixar no chão o nosso traçado. É uma história falante sempre. A melhor maneira de conservar qualquer coisa numa cidade é transformando pelo uso”, afirmou ele certa vez à colunista Fabíola Cidral, do site UOL. Suas opiniões sempre foram fortes e muito bem fundamentadas, mas nem sempre compreendidas por todos  – seu pensamento requintado podia até intimidar.

Justamente por ter opiniões concretas e fortes é que Paulo Mendes da Rocha acabou se envolvendo em algumas polêmicas. Defendeu a derrubada do Minhocão – “Transformar em parque é um blefe. Um dia aquilo cai na cabeça de todo mundo” –, revelou em entrevista à Deutsche Welle Brasil em 2016 que nunca teria feito Brasília – “Não faz sentido nenhum. É um tropeço histórico. Não tem nada a ver com a obra de Niemeyer” – e era flagrantemente contra a reforma do Vale do Anhangabaú – “Aquilo foi um grande desastre”. A última de suas polêmicas foi a doação de seu acervo de cerca de 8.800 itens à Casa da Arquitectura de Lisboa, no ano passado. São 6.300 desenhos feitos à mão, slides, 3 mil fotografias, 300 publicações e várias maquetes, que correspondem a mais de 320 projetos. De um lado ficaram aqueles que acreditavam que o acervo deveria ficar no Brasil, de outro, os que defendiam sua manutenção, seja onde for. A todos, Mendes da Rocha tinha uma resposta pronta, como à que deu a Fabíola Cidral, do UOL: “E os prédios que eu construí? Estão todos aqui. Cuidem disso. Isso ninguém tira daqui. Eu serei sempre um arquiteto brasileiro. É um patrimônio que nunca sairá daqui”.

Esse patrimônio ao qual se referiu o arquiteto está realmente à vista, pronto para ser observado, admirado – contestado, até. Mas está pelas ruas, de forma definitiva. E as polêmicas, se permanecerem de alguma forma, ficam para trás. Porque a história segue, como ele mesmo lembrou à Folha de S. Paulo, se referindo, entre outras coisas, à ditadura que o cassou, mas que é bem atual. “A história não é feita de gracinhas. Ela é difícil, dolorosa, e deve servir de exemplo para que não se repitam desastres tão estúpidos.”

Pórtico e cobertura na Praça do Patriarca em São Paulo - Foto: LiaC via Wikipedia / CC BY-SA 3.0

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Estádio Serra Dourada - Foto: AcervoGoiás via Wikipedia / CC BY-SA 4.0

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Sesc 24 de Maio - Foto: Matheus José Maria / Divulgação via MMBB

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Museu Nacional dos Coches, em Lisboa - Foto: Cherub51 via Wikipedia / CC BY-SA 4.0

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Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia - Foto: Ghiraldini via Wikipedia CC BY-SA 4.0

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Espaço das Artes - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Interior da Capela de São Pedro Apóstolo, em Campos do Jordão - Foto: Gabriel de Andrade Fernandes / Flickr CC BY-SA 2.0

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Área do piso inferior do prédio da Fiesp: integração realçada pela reforma - Foto: Kênia Hernandes/Divulgação/Fiesp

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"A beleza consiste na capacidade de propiciar liberdade"

Por Claudia Costa

Leia abaixo depoimentos de professores da USP que conviveram com o arquiteto e urbanista Paulo Mendes da Rocha.

“Fui aluno de Paulo Mendes da Rocha em 1985. Ele, Jon Maitrejean e Vilanova Artigas tinham sido reincorporados ao quadro docente da FAU havia poucos anos, depois de terem sido cassados em 1969 pela ditadura militar. Eram tempos de abertura e os alunos da FAU receberam esses professores com enorme alegria e esperança. Paulo Mendes da Rocha, com seu discurso sempre provocativo e eloquente, nos mostrava seu ponto de vista dentro de argumentações lógicas, racionais e ao mesmo tempo apaixonantes. Impossível não reconhecer, em seu tom assertivo, uma enorme coerência entre seu discurso e sua arquitetura, ainda que pudesse haver, entre alguns estudantes nos quais me incluo, certa dúvida sobre suas ideias urbanísticas. Todos concordávamos com a necessidade de um mundo mais justo, uma cidade acessível, bela, onde uma arquitetura generosa não deveria ser privilégio de poucos, mas direito de todos. Paulo Mendes da Rocha nos mostrava como a força das ideias em arquitetura nasce da seleção de justos problemas. Entre tantas qualidades, a que eu mais admirava no professor era sua radicalidade, o que nada tem a ver com formalismos arquitetônicos, mas sim com uma postura ética, que se traduzia no campo estético, que não admitia concessões.” (Eugenio Fernandes Queiroga, vice-diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP)

“Paulo Mendes da Rocha, esse arquiteto gigante, importantíssimo, é o mais premiado arquiteto brasileiro no mundo, mais que o Niemeyer, inclusive. O legado que ele deixa é o de uma grande indignação com o estado do mundo, com a ignorância que reina de forma generalizada, com a transformação da arquitetura e da cidade em objetos de consumo e de especulação. Ele orientava toda a atividade dele para se confrontar com isso, para construir aquilo que ele chamava de ‘cidade para todos’, uma cidade mais generosa, mais aberta. Como a do térreo do Sesc 24 de Maio, um térreo inteiramente poroso, aberto, convidativo, sem segregações, que atraia o passante, o pedestre, a entrar no edifício, convidando-o a subir por rampas e a chegar até uma piscina pública, na cobertura, no meio do centro histórico e denso da cidade. Essa é uma visão muito importante da arquitetura como um horizonte público, muito mais do que privado, do que fechado, do que residencial. Essa ideia de que, como ele dizia, ninguém deveria mais morar em casa, em subúrbio, em condomínio, e sim morar em um apartamento no centro, andar de metrô e desfrutar das benesses da cidade. E ele dizia isso tudo de uma maneira muito provocativa e sempre insistindo sobre o componente erótico da vida e da criação, isto é, sobre o prazer, sobre a sedução e sobre a imprevisibilidade da vida, que era o horizonte da construção da arquitetura.” (Guilherme Wisnik, professor da FAU e colunista da Rádio USP)

Paulo Mendes da Rocha deve ser lembrado por contribuições em múltiplos campos. O primeiro deles é como professor. Ele foi professor da FAU até 1969, quando foi afastado pelo AI-5 e só pôde voltar à faculdade em 1980, num importante movimento da própria FAU e da Universidade para reintegrá-lo e a Villanova Artigas e Jon Maitrejean, e com isso possibilitar um convívio que ele estabeleceu com os alunos até 1998, quando se aposentou compulsoriamente, aos 70 anos. O reconhecimento desse trabalho na FAU lhe rendeu o título de Professor Emérito. Ele influenciou gerações de arquitetos através de sua arquitetura, uma arquitetura reconhecida internacionalmente. Ganhou o Pritzker Prize, um dos mais importantes prêmios da arquitetura. Lembro aqui arquiteturas que marcam a paisagem de São Paulo, como o Mube (Museu Brasileiro da Escultura, atual Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia), aquela laje enorme, pesada, de concreto, que flutua no céu, e que está absolutamente presente na paisagem da cidade. Lembro também o projeto de restauro na Pinacoteca, onde ele intervém num prédio antigo, dialoga entre o antigo e o novo e estabelece uma nova possibilidade de leitura.” (Raquel Rolnik, professora da FAU e colunista da Rádio USP)

“Se por acaso nós pudéssemos perguntar ao arquiteto e professor Paulo Mendes da Rocha como ele gostaria de ser lembrado num momento como este, ele certamente pediria para que nós cortássemos todos os adjetivos. Nada mais antagônico ao discurso e à obra do arquiteto do que essa noção tradicional do grande gênio, o maior, o grande arquiteto brasileiro, o mais importante. O discurso e a obra de Paulo Mendes da Rocha têm como característica ou premissa, justamente, nos mostrar que a beleza não reside na exuberância da forma isolada da arquitetura, mas na sua capacidade de propiciar felicidade e liberdade. Eu acho que o discurso do arquiteto e, principalmente, suas obras, a saber, as suas obras implantadas na cidade de São Paulo, são exemplares desse discurso movido pela esperança no futuro.” (Rodrigo Queiroz, professor da FAU)

Todos os alunos e ex-alunos de Paulo Mendes da Rocha têm como lembrança bastante forte o jeito dele de ensinar arquitetura num sentido amplo, como um campo aberto que nos fazia perceber a vida da cidade, dos habitantes, do lugar como um meio de entender a razão de ser dos projetos. Através dos atendimentos longos e detalhados, ele sempre nos encantou com a sua eloquência e poesia. O meu contato com ele, logo após a FAU, foi marcado por algumas visitas numa entrevista, mas, sobretudo, pela generosidade com que ele cedeu alguns desenhos para minha tese de doutorado. É um episódio curioso porque, quando eu saí com o envelope com os desenhos, eu confessei a ele que estava muito preocupada porque não tinha registrado os desenhos que estava levando, e aí ele me disse: ‘Não se preocupe, se por acaso você perder os desenhos eu faço todos eles novamente, eles estão na minha cabeça’. Achei isso genial, esse desapego e ao mesmo tempo essa certeza de que as ideias dele estavam lá cristalizadas através de um pensar muito particular e único.” (Myrna Nascimento, professora da FAU)

A obra de Paulo Mendes da Rocha, desde o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, em coautoria com João De Gennaro, o pavilhão brasileiro na Exposição Universal de Osaka, em 1970, o Museu Brasileiro da Escultura, de 1988, a reforma e intervenção no edifício da Pinacoteca do Estado, concluído em 1998 (com a participação dos arquitetos Eduardo Colonelli e Welliton Torres), até o Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, de 2015, tem um valor inestimável para a arquitetura brasileira. Valor reconhecido internacionalmente, tendo recebido o Prêmio Mies van der Rohe de arquitetura latino-americana em duas oportunidades: em 1999, pelo projeto do Mube, e em 2000, pelo projeto da Pinacoteca de São Paulo. Em 2006, tornou-se o segundo arquiteto brasileiro — depois de Oscar Niemeyer, em 1988 — a vencer o Pritzker, talvez o maior prêmio internacional de arquitetura. Em 2016, foi agraciado com o Leão de Ouro de Veneza e com o Prêmio Imperial do Japão, em 2017 recebeu a medalha de ouro do Riba (Royal Institute of British Architects) e receberá a Medalha de Ouro 2021 da União Internacional do Arquitetos (UIA), no 27º Congresso Internacional, que se realizará este ano no Rio de Janeiro.” (Joubert José Lancha, diretor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Carlos)

“Numa entrevista no seu escritório no edifício do Instituto de Arquitetos do Brasil, em São Paulo, com o colega Givaldo Medeiros e com as então estudantes Miranda Zamberlan Nedel e Lívia Camargo Marinelli, inquirido sobre os significados dos pátios nas escolas que projetou, Paulo Mendes da Rocha, de forma clara, explicou que esses ambientes eram concebidos como lugares do exercício da liberdade e assim, também, o da criatividade, duas dimensões fundamentais para a formação da cidadania. As ideias sociais que compartilhou com vários colegas, longe de encolher a forma arquitetônica, foram matéria-prima da elaboração dos seus projetos, que com isso conheceram soluções inusitadas, belas e formalmente instigantes.” (Miguel Antonio Buzzar, vice-diretor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Carlos)

“Paulo Mendes da Rocha defendia suas ideias com vigor, sempre em nome de nova proposição, de outra maneira de se enxergar o mundo, portanto, sempre extremamente enriquecedor para trazer novos conteúdos e principalmente para se confrontar com um raciocínio diferenciado, peculiar, específico de seu jeito muito determinado. Personalidade autônoma, assim, fica claro por que nunca formulou sua arquitetura como ‘escola’, sempre a colocou como absolutamente particular, pessoal, dizendo que cada um deveria desenvolver seu próprio caminho, ninguém deveria segui-lo. Afirmou isso inúmeras vezes, mesmo diante do círculo de arquitetos aficionados e desejosos de fazer parte dessa possível ‘escola’, seguir algum caminho orientado. Por isso é tão perceptível que Paulo, embora muito próximo ao emblemático Vilanova Artigas, mestre e, este sim, formulador de uma possível ‘escola’, tenha mantido uma obra diferenciada e pessoal, marcando distância da obra de Artigas. Tudo isso traduziu-se em uma obra que muitas vezes foi alcunhada de dura, difícil ou inóspita, além do inevitável adjetivo catalográfico e apressado de brutalista. Se enfocada sob a ótica do conforto burguês, era, sim, inóspita e dura. Mas suas proposições estruturais e de emprego de materiais são de maestria incomum, a relação entre obra, espaço urbano e território é admirável antevisão desse mundo novo, diferente, talvez alcançável um dia, muito atraente e aconchegante, tal que soa até doméstico e familiar.” (Marcelo Suzuki, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Carlos)

Entidades e personalidades lamentam a morte do arquiteto

“A atuação de Paulo Mendes da Rocha na FAU foi definitiva para a formação de gerações de profissionais e, ainda hoje, determinante para discentes e docentes. Sua obra e suas amplas contribuições permanecem como legado insubstituível”, informa o comunicado oficial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, da qual o arquiteto Paulo Mendes da Rocha foi professor entre 1961 e 1998, recebendo em 2010 o título de Professor Emérito, maior honraria acadêmica. A nota ainda diz que, afastado da docência pela ditadura militar a partir de 1969, seu retorno, nos anos 1980, foi um marco na redemocratização e na reafirmação dos compromissos políticos e sociais da FAU.

Em nota de pesar, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) lamenta o falecimento de Paulo Mendes da Rocha e agradece por seu legado. “Paulo Mendes contribuiu profundamente para a formação da cultura arquitetônica e urbanística brasileira e mundial.” O instituto também destaca os prêmios recebidos pelo arquiteto, entre eles o Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, em 2006, o Leão de Ouro, da Bienal de Veneza, na Itália, na categoria Arquitetura, pelo conjunto da obra, o Prêmio Imperial do Japão, um dos mais prestigiosos do mundo, cuja premiação aconteceu em Tóquio, entregue pelo príncipe Hitachi, em 2016, e a Medalha de Ouro Real, de 2017, do Royal Institute of British Architects (Riba), além da medalha de ouro da União Internacional de Arquitetos (UIA), em 2021. O IAB também antecipa que será feita uma homenagem oficial durante o Congresso Mundial de Arquitetos, em julho deste ano.

Já o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Brasil manifesta “imenso pesar” pelo falecimento do arquiteto e urbanista Paulo Mendes da Rocha, “um dos mais destacados e premiados nomes internacionais da profissão nas últimas décadas”, segundo nota assinada por Nadia Somekh. E continua: “Paulo Mendes da Rocha foi um educador generoso, não apenas como professor, mas também na convivência diária com os colegas com quem trabalhou em projetos e em obras. Expressamos nossos sentimentos aos familiares, aos amigos, aos colegas e à sociedade brasileira como um todo, que perdeu um humanista que expressava com vigor o compromisso social da arquitetura e urbanismo”.

O Instituto Itaú Cultural também lamentou a morte de Paulo Mendes da Rocha, destacando o amplo material sobre o arquiteto em seus canais digitais. “A lucidez e consistência das ideias de Paulo farão falta, ainda mais em tempos tão sombrios. Mesmo nos projetos mais simples, a sua arquitetura viva se baseava na constituição de cidades mais humanas”, disse Eduardo Saron, diretor do instituto. “No projeto que ele fez conosco, em setembro de 2018, para a ocupação em sua homenagem, chamou-me a atenção o interesse dele em mostrar as obras que não se realizaram para um grupo de estudantes de arquitetura, revelando em seu rosto a beleza de ouvir e compartilhar conhecimento.”

A Pinacoteca do Estado de São Paulo se manifestou no Instagram: “Faleceu hoje Paulo Mendes da Rocha, 92, arquiteto premiado e responsável pela grande reforma e readequação do edifício da Pinacoteca de São Paulo. A Pina Luz, como a conhecemos hoje, é fruto do trabalho de Paulo e sua equipe, que nos anos 1990 reformou e atualizou as partes internas do edifício histórico de Ramos de Azevedo para receber com dignidade as obras da coleção, as exposições temporárias e, claro, o público”.

O trabalho de Paulo Mendes da Rocha no Museu da Língua Portuguesa foi enaltecido em nota da Fundação Roberto Marinho, destacando o arquiteto como “responsável, juntamente com seu filho, Pedro Mendes da Rocha, pelo projeto arquitetônico do Museu da Língua Portuguesa. A reabertura do museu, no segundo semestre, será uma homenagem a ele, como parte do seu grande legado ao País”.

Já o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, também publicou nota oficial em que lamenta a perda de uma das principais referências arquitetônicas e urbanísticas para o Brasil e para o mundo. “Ao longo de sua vida, o mestre desenvolveu vários projetos reconhecidos pela comunidade internacional. Grande parte de sua obra está na capital paulista, muitas das quais tombadas pelo Patrimônio Histórico”, disse, dando como exemplos a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu Brasileiro de Escultura, a remodelação da Praça do Patriarca e, mais recentemente, o projeto do Sesc 24 de Maio.


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