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Universidades públicas de São Paulo buscam soluções para uma educação antirracista
No mês da consciência negra, série de eventos unificou agenda das instituições federais e estaduais de ensino superior, discutindo o acesso e a permanência de pessoas negras na universidade
Abertura do evento com a cantora Thulla Melo junto ao Coral Unifesp - Foto: Divulgação/Léo Rodrigues
Há 13 anos, foi instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser celebrado, anualmente, no dia 20 de novembro. A data marca o dia do falecimento de Zumbi dos Palmares, uma das maiores figuras de resistência e liderança negra do Brasil. Desde 2013, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) organiza a Semana da Consciência Negra (SCN), evento anual com o propósito de promover a celebração e conscientização da herança cultural afro-brasileira. Neste ano, o evento comemorou também os 20 anos de outra conquista para o movimento negro: a implementação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do País.
Em 2023, pela primeira vez, o evento foi unificado com as demais universidades públicas de São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e Universidade de Campinas (Unicamp), por meio da participação dos núcleos de estudos afro-brasileiros de cada instituição. A 11ª SCN contou ainda com a colaboração da Fundação Cultural Palmares, órgão federal de proteção e promoção da afro-brasilidade.
“Esse é o tipo de parceria e apoio que as universidades federais precisam, não só por conta do financiamento, mas com o tipo de organização realizada, nós capilarizamos o evento, que deixou de ser uma atividade apenas dos campi de Guarulhos e da Baixada Santista, ampliando e potencializando a Semana da Consciência Negra”, afirma Diana Mendes, professora, coordenadora do evento e do Observatório da Violência Racial, ambos da Unifesp.
Diana Mendes - Foto: Lattes
Com o tema “Os 20 anos da lei 10.639 e os desafios da educação antirracista”, a Semana da Consciência Negra foi realizada entre os dias 21 e 24 de novembro, e promoveu atividades presenciais, on-line e híbridas em todos os campi da Unifesp. O evento visa reunir a comunidade acadêmica em torno de temas como religião, política e culturas africanas e afro-brasileiras. A ideia é que possam ser cada vez mais reconhecidas e incorporadas ao cotidiano da instituição. Além disso, busca promover ações que incidam em políticas públicas comprometidas com a equidade racial.
Para Diana, a Semana da Consciência Negra celebra a luta contra a discriminação e desigualdade racial a partir de atividades culturais, acadêmicas e científicas, evidenciando a importância da presença negra na universidade, na sociedade e na cultura. “E, dessa forma, fazer com que as pessoas que não são negras também reflitam sobre seu papel face ao racismo”, afirma a mestre e doutora em História pela USP.
Cerimônia de encerramento conta com apresentação de Mumu de Oliveira - Foto: Divulgação/Léo Rodrigues
Políticas Antirracistas no Ensino Superior
As atividades da SCN 2023 tiveram início em junho, quando representantes dos núcleos de estudo afro-brasileiros da Unifesp, USP, UFSCar, Unesp e Unicamp se reuniram como palestrantes nas mesas do seminário Políticas Antirracistas no Ensino Superior. O seminário analisou as faces do racismo no ensino superior e as propostas dos docentes para combatê-lo no âmbito das políticas públicas.
Com quatro temas, o seminário reuniu diferentes atores nas universidades parceiras. Confira o que foi discutido em cada uma das mesas de debate:
Mesa 1
Identidade, pertencimento e presença negra na Universidade (23/06, Unifesp)
Mesa 2
Políticas de contratação de docentes negras e negros em universidades públicas (31/08, Faculdade de Educação da USP)
Mesa 3
Currículo antirracista e Ensino Superior (13/09, UFSCar e Unicamp)
Mesa 4
Financiamento público e institucionalização dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (06/10, UFABC)
Além de participar da primeira mesa como palestrante, a professora Iracema foi mediadora na segunda data. “A USP não poderia ficar fora desse evento. [Ela] foi uma das últimas universidades públicas a ter aderido ao sistema de reserva de vagas para ingresso de estudantes PPI – pretos, pardos e indígenas – na graduação. Então, é importante que participemos da Semana da Consciência Negra Unificada e especialmente do Seminário Sobre Políticas Antirracistas no Ensino Superior, para que a USP aprenda com as experiências das outras instituições de ensino que estão muito mais avançadas na implementação de políticas de ação afirmativa”, salienta a professora ao Jornal da USP.
Iracema Santos do Nascimento - Foto: Arquivo Pessoal
O principal fruto, que será resultante do seminário, é a elaboração de um documento coletivo por parte das pessoas que integram a comissão organizadora, com reivindicações e proposições para a implementação de políticas de ação afirmativa, de educação antirracista nas universidades, que serão apresentadas às autoridades públicas do estado de São Paulo”
Iracema do Nascimento
Propostas efetivas
Dentre as propostas do documento, a organizadora do evento, Diana Mendes, destaca a sugestão de mudança no formato da contratação de docentes, ampliando para três o número mínimo de vagas – medida já adotada pela UFSCar e Unifesp. A recomendação do grupo é de unificar a abertura de vagas, já que a maioria dos concursos são destinados a vagas unitárias, o que inviabiliza a aplicação da Lei 12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos a pessoas negras.
O balanço feito no debate não se limitou a propostas e exigências, mas também relembrou as conquistas alcançadas. “Um dado importante que foi celebrado pelos participantes do seminário é o número de estudantes pretos, pardos e indígenas nas universidades que, desde a criação da Lei de Cotas, em 2012, aumentou em 205% até 2022, quando completaram-se 10 anos de institucionalização da Lei 12.711/2012”, afirma Diana.
Após esse avanço, as reivindicações são para a implementação e manutenção de políticas voltadas para a permanência destes estudantes na universidade, com leis de incentivo e bolsas de auxílio.
Outro item abordado pelo documento é a descolonização do currículo universitário. De acordo com os pesquisadores signatários, os programas das universidades e a atmosfera acadêmica, como um todo, ainda são moldados com base em pensadores europeus e de uma perspectiva eurocêntrica. Na última mesa do seminário, o tema debatido foi o financiamento e a institucionalização dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, na intenção de ampliar a participação acadêmica desses núcleos dentro das universidades e sua atuação como núcleos de pesquisa e extensão.
Imagem: Divulgação/consciencianegra.unifesp.br
*Estagiário sob supervisão de Tabita Said e Antonio Carlos Quinto
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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