Universidades públicas de São Paulo buscam soluções para uma educação antirracista

No mês da consciência negra, série de eventos unificou agenda das instituições federais e estaduais de ensino superior, discutindo o acesso e a permanência de pessoas negras na universidade

 29/11/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Guilherme Ribeiro*
Arte: Carolina Borin**

Abertura do evento com a cantora Thulla Melo junto ao Coral Unifesp - Foto: Divulgação/Léo Rodrigues

Há 13 anos, foi instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser celebrado, anualmente, no dia 20 de novembro. A data marca o dia do falecimento de Zumbi dos Palmares, uma das maiores figuras de resistência e liderança negra do Brasil. Desde 2013, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) organiza a Semana da Consciência Negra (SCN), evento anual com o propósito de promover a celebração e conscientização da herança cultural afro-brasileira. Neste ano, o evento comemorou também os 20 anos de outra conquista para o movimento negro: a implementação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do País.

Em 2023, pela primeira vez, o evento foi unificado com as demais universidades públicas de São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e Universidade de Campinas (Unicamp), por meio da participação dos núcleos de estudos afro-brasileiros de cada instituição. A 11ª SCN contou ainda com a colaboração da Fundação Cultural Palmares, órgão federal de proteção e promoção da afro-brasilidade.

“Esse é o tipo de parceria e apoio que as universidades federais precisam, não só por conta do financiamento, mas com o tipo de organização realizada, nós capilarizamos o evento, que deixou de ser uma atividade apenas dos campi de Guarulhos e da Baixada Santista, ampliando e potencializando a Semana da Consciência Negra”, afirma Diana Mendes, professora, coordenadora do evento e do Observatório da Violência Racial, ambos da Unifesp.

Diana Mendes - Foto: Lattes

Com o tema “Os 20 anos da lei 10.639 e os desafios da educação antirracista”, a Semana da Consciência Negra foi realizada entre os dias 21 e 24 de novembro, e promoveu atividades presenciais, on-line e híbridas em todos os campi da Unifesp. O evento visa reunir a comunidade acadêmica em torno de temas como religião, política e culturas africanas e afro-brasileiras. A ideia é que possam ser cada vez mais reconhecidas e incorporadas ao cotidiano da instituição. Além disso, busca promover ações que incidam em políticas públicas comprometidas com a equidade racial.

Para Diana, a Semana da Consciência Negra celebra a luta contra a discriminação e desigualdade racial a partir de atividades culturais, acadêmicas e científicas, evidenciando a importância da presença negra na universidade, na sociedade e na cultura. “E, dessa forma, fazer com que as pessoas que não são negras também reflitam sobre seu papel face ao racismo”, afirma a mestre e doutora em História pela USP.

Cerimônia de encerramento conta com apresentação de Mumu de Oliveira - Foto: Divulgação/Léo Rodrigues

Políticas Antirracistas no Ensino Superior

As atividades da SCN 2023 tiveram início em junho, quando representantes dos núcleos de estudo afro-brasileiros da Unifesp, USP, UFSCar, Unesp e Unicamp se reuniram como palestrantes nas mesas do seminário Políticas Antirracistas no Ensino Superior. O seminário analisou as faces do racismo no ensino superior e as propostas dos docentes para combatê-lo no âmbito das políticas públicas.

Com quatro temas, o seminário reuniu diferentes atores nas universidades parceiras. Confira o que foi discutido em cada uma das mesas de debate: 

Mesa 1

Identidade, pertencimento e presença negra na Universidade (23/06, Unifesp)

Mesa 2

Políticas de contratação de docentes negras e negros em universidades públicas (31/08, Faculdade de Educação da USP)

Mesa 3

Currículo antirracista e Ensino Superior (13/09, UFSCar e Unicamp)

Mesa 4

Financiamento público e institucionalização dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (06/10, UFABC)

Ao final das palestras, a comissão organizadora redigiu um documento-manifesto com o diagnóstico levantado durante o seminário, que será enviado às reitorias das universidades participantes da Semana de Consciência Negra.
O seminário contou com três docentes representantes da USP: a Profª. Drª. Iracema Santos do Nascimento e o Prof. Dr. Eduardo Januário, ambos da Faculdade de Educação (FE); além da Profª. Drª. Eunice Prudente, da Faculdade de Direito.

Além de participar da primeira mesa como palestrante, a professora Iracema foi mediadora na segunda data. “A USP não poderia ficar fora desse evento. [Ela] foi uma das últimas universidades públicas a ter aderido ao sistema de reserva de vagas para ingresso de estudantes PPI – pretos, pardos e indígenas – na graduação. Então, é importante que participemos da Semana da Consciência Negra Unificada e especialmente do Seminário Sobre Políticas Antirracistas no Ensino Superior, para que a USP aprenda com as experiências das outras instituições de ensino que estão muito mais avançadas na implementação de políticas de ação afirmativa”, salienta a professora ao Jornal da USP.

Iracema Santos do Nascimento - Foto: Arquivo Pessoal

O principal fruto, que será resultante do seminário, é a elaboração de um documento coletivo por parte das pessoas que integram a comissão organizadora, com reivindicações e proposições para a implementação de políticas de ação afirmativa, de educação antirracista nas universidades, que serão apresentadas às autoridades públicas do estado de São Paulo”

Propostas efetivas

Dentre as propostas do documento, a organizadora do evento, Diana Mendes, destaca a sugestão de mudança no formato da contratação de docentes, ampliando para três o número mínimo de vagas – medida já adotada pela UFSCar e Unifesp. A recomendação do grupo é de unificar a abertura de vagas, já que a maioria dos concursos são destinados a vagas unitárias, o que inviabiliza a aplicação da Lei 12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos a pessoas negras.

O balanço feito no debate não se limitou a propostas e exigências, mas também relembrou as conquistas alcançadas. “Um dado importante que foi celebrado pelos participantes do seminário é o número de estudantes pretos, pardos e indígenas nas universidades que, desde a criação da Lei de Cotas, em 2012, aumentou em 205% até 2022, quando completaram-se 10 anos de institucionalização da Lei 12.711/2012”, afirma Diana. 

Após esse avanço, as reivindicações são para a implementação e manutenção de políticas voltadas para a permanência destes estudantes na universidade, com leis de incentivo e bolsas de auxílio.

Outro item abordado pelo documento é a descolonização do currículo universitário. De acordo com os pesquisadores signatários,  os programas das universidades e a atmosfera acadêmica, como um todo, ainda são moldados com base em pensadores europeus e de uma perspectiva eurocêntrica. Na última mesa do seminário, o tema debatido foi o financiamento e a institucionalização dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, na intenção de ampliar a participação acadêmica desses núcleos dentro das universidades e sua atuação como núcleos de pesquisa e extensão.

Imagem: Divulgação/consciencianegra.unifesp.br

*Estagiário sob supervisão de Tabita Said e Antonio Carlos Quinto

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

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