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Ribeirão Preto torna espaços mais inclusivos a partir de um olhar atento às minorias
Unidades estão se articulando em pautas de gênero, raça e sexualidade, mas sofrem com uma despadronização das iniciativas pelo campus
De olho na diversidade, campus da USP em Ribeirão Preto busca tornar espaços mais inclusivos - Fotomontagem: Jornal da USP | imagens de redgreystock, Freepik e USP Imagens
Formado por oito unidades, o campus USP de Ribeirão Preto busca esforços para padronizar iniciativas de diversidade e inclusão em sua extensão. Com a recente formação das Comissões de Inclusão e Pertencimento (CIPs) e da Comissão Assessora de Inclusão e Pertencimento (CAIP), essas discussões se intensificaram e ganharam um caráter institucional, mas ainda ocorrem de maneira gradual, dependendo do engajamento de cada unidade.
As primeiras unidades do campus começaram a aparecer na década de 1950, substituindo a Escola Prática de Agricultura (EPA) que existia no local. As unidades inicialmente formadas foram a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP). Aos poucos, mais seis unidades integraram o quadro atual do campus: a Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP), a Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), a Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP), a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e a Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP).
Neste ano, a formação das CIPs e da CAIP possibilitou a ampliação de espaços de discussão sobre diversidade. “Nós temos buscado uma atuação bastante responsável e cuidadosa, porque lidamos com questões cujo não-posicionamento ou posicionamento descuidado pode interferir nas políticas da instituição e na vida de muitas pessoas”, afirma Kelly Graziani, presidente da CAIP e da CIP da EERP. Apenas a FFCLRP não consolidou uma CIP, mas conta com os professores Rubens Ricciardi, do Departamento de Música, e Flávio Bockmann, Departamento de Biologia, para integrar o Conselho de Inclusão e Pertencimento (CoIP) da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).
Integrantes da comunidade USP de Ribeirão Preto reforçam que essas ações são pequenos passos em direção a um campus mais inclusivo. “O problema não se resume em colocar uma placa dentro de um banheiro e fazer uma comissão para todo mundo bater palma, porque são coisas estruturais que vêm de muito tempo. Nós não podemos achar que já concluímos a luta, nós apenas começamos. Mas que bom que começamos! Vamos continuar conversando sobre isso, para entender quais os problemas as pessoas estão passando, trazendo soluções maiores que possam gerar mais acolhimento”, afirma Stella Branco, estudante da FMRP e mulher trans.
Luta pela representatividade feminina
As primeiras unidades formadas em Ribeirão Preto, a FM e a EE, percorreram caminhos diferentes rumo à representatividade. Após 14 gestões, a FMRP teve a primeira mulher a assumir o cargo de diretora, entre 2016 e 2020: a Profa. Dra. Margaret de Castro. Enquanto isso, a EERP iniciou suas atividades com uma mulher no comando: a Profa. Dra. Glete de Alcântara, diretora entre 1953 a 1970. De lá pra cá, a escola manteve o protagonismo feminino, com mais sete mulheres em sua gestão.
O cenário atual de outras unidades no campus ainda demonstra certa desigualdade de gênero. De acordo com seus representantes de CIP, a FEARP possui 29 professores e apenas duas professoras, no Departamento de Economia. Na EEFERP, entre 19 docentes, apenas três são mulheres.
Porém, há um esforço anterior às CIPs para promover iniciativas que favoreçam um ambiente mais igualitário. Em 2016, a FEARP formou a Comissão de Acolhimento e Orientação (CAO) para discutir questões de gênero. No período em questão, alunas usavam relatos anônimos para denunciar casos de discriminação de gênero, violência e assédio. Atualmente, as atividades da CAO foram integradas à CIP da FEARP.
“Nós formamos a CAO para orientar sobre temáticas de gênero em relação à mulher. Com o passar do tempo, nós expandimos o foco da comissão, discutindo violação de direitos e saúde mental”, conta Roseli Basso-Silva, professora do Departamento de Economia, presidente da CIP da FEARP e vice-presidente da CAIP.
Mesmo assim, a FEARP ainda reproduz práticas que incomodam a presidente, como entregar uma gravata aos calouros que ingressam na faculdade. “Existe a justificativa de que ‘é a tradição da FEARP’ ou que ‘é por causa da área de negócios’, mas isso ainda me deixa bastante desconfortável”, lamenta Roseli. “Nós incentivamos os alunos a usarem sua criatividade para pensar em símbolos que sejam menos machistas”, complementa
Semelhantemente à FEARP, a FORP possui uma comissão para apurar denúncias de discriminação, assédio e violência contra mulheres e gêneros, chamada CAV Mulheres. A comissão busca prevenir ações discriminatórias de assédio e violência contra mulheres e gêneros na FORP, receber denúncias e encaminhá-las aos órgãos competentes.
Um olhar atento à diversidade
Para a professora da FEARP, ainda há muito a ser feito, mas algumas iniciativas já estão sendo realizadas para tornar a faculdade mais inclusiva, como facilitar o uso de espaços públicos segregados por gênero. “A proposta não é tornar os banheiros ou vestiários unissex, mas permitir que as pessoas que se sintam mais à vontade com determinado gênero possam utilizar esse espaço”, explica Roseli.
A EEFERP é pioneira não só na formação de sua CIP, ocorrida em meados de dezembro de 2022, como também na divulgação da livre utilização de espaços segregados por gênero, por meio de cartazes. Além de informar sobre o uso conforme a auto identificação, as placas legitimam os direitos de pessoas travestis, transexuais e intersexuais, citando leis como a Lei Estadual nº 10.948/2001, que pune a discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero. “O caminho é sensibilizar as pessoas. Se isso não for possível, está na lei e tem que respeitar”, afirma Átila Alexandre Trapé, presidente da CIP da EEFERP.
Ao Jornal da USP, Eros Aso, representante discente da graduação na CIP da EEFERP e homem trans, comenta sobre a adesão das placas. “Eu tinha desconforto em usar o banheiro masculino, porque eu tinha receio de alguém me questionar. Quando vieram as plaquinhas, eu senti que tinha um apoio de dispositivos legais para reforçar que eu devia estar ali mesmo e não em outro lugar”, diz. O livre acesso a espaços separados por gênero ainda é algo restrito a poucas unidades do campus. Para Aso, a falta das placas gera desconforto ao utilizar os demais espaços.
Em setembro de 2022, o CoIP enviou um parecer à Reitoria da USP solicitando a utilização de banheiros e vestiários de acordo com a auto identificação, assim como a realização de campanhas educativas e a disponibilização de cartazes informativos, porém ainda não houve um retorno. “Nós queremos que as pessoas trans e travestis possam circular pelo campus e encontrar os mesmos espaços, não só na nossa unidade”, diz Trapé.
Para Stella Branco, estudante na FMRP e mulher trans, as placas dão visibilidade às causas LGBTQIAP+. “Elas mostram que eu não estou sozinha e que existe uma instituição que sabe que eu existo e se posiciona em relação a isso”, diz. No dia 31 de outubro, está prevista a fixação das placas nos banheiros da FMRP, as quais Stella foi convidada a colocar.
EEFERP é a primeira unidade da USP em Ribeirão Preto a disponibilizar cartazes que apontam os direitos de pessoas travestis, transexuais e intersexuais - Foto: arquivo cedido pelo pesquisador
Algumas unidades de Ribeirão Preto também já adotam um formulário para que pessoas neurodivergentes possam apontar sua necessidade de adaptação pedagógica. “Ele faz o papel de minimizar as dificuldades para esse aluno que antes precisava avisar cada professor sobre sua condição. Agora, a própria sessão de graduação informa o coordenador do curso e os professores do aluno daquele semestre”, conta Roseli.
O estudante Aso reconhece a importância do formulário, por já ter enfrentado dificuldades em articular um diálogo com a USP, em razão de conviver com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). “Isso é um avanço imenso, por levar em conta a saúde mental em um canal de comunicação”, afirma. “Eu poderia conversar com os professores, mas ter um documento que viabiliza isso pode tornar a comunicação muito mais fácil”, complementa.
Entretanto, em termos de estrutura, o campus ainda apresenta limitações para pessoas com deficiência. “As unidades são distantes umas das outras, tem morros muito íngremes, as calçadas são de difícil acesso, sem marcações para deficiente visual, e os pontos de ônibus não têm espaço para cadeirantes”, conta Luene Pessoa Vicente, estudante de Biologia da FFCLRP e representante discente de pós-graduação no CoIP.
Em busca da equiparação educacional
Atualmente, a Fuvest prevê 50% de vagas para ampla concorrência e 50% para escola pública (EP). Destes, 37,5% das vagas são destinadas a candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI) e pessoas com deficiência (PCD). Essa porcentagem foi determinada com base na proporção do grupo PPI no estado de São Paulo, a partir de dados do IBGE. Já na pós-graduação e pós-doutorado, o critério de reserva de vagas pode variar entre as unidades.
Segundo o Anuário Estatístico de 2022, a FDRP se destaca em número de alunos PPI em graduação, pós-graduação e pós-doutorado. Isso advém do esforço da unidade em promover ações que incluam essa população para além das diretrizes da USP. Desde 2020, a FDRP destina cerca de ⅓ de vagas para candidatos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e com deficiência, em seus editais de ingresso na pós-graduação. A faculdade já estuda possibilidades de ampliar essa iniciativa para bolsas de pós-doutorado.
Ainda no processo seletivo da pós-graduação, neste ano, a FDRP passou a formar uma banca de heteroidentificação para pessoas pretas e pardas. Camilo Zufelato, presidente da CIP da faculdade, conta que, nos anos anteriores, houve uma série de denúncias infundadas que colocavam as pessoas em situação de mal-estar. “Fazer um juízo sobre o fenótipo desses candidatos no momento inicial de ingresso traz mais segurança jurídica para a Universidade e para eles próprios, blindando-os dessa discussão”, afirma.
Incentivando o conhecimento
Apesar dos grandes avanços em temas de diversidade, a presidente da CIP da EERP e da CAIP, Kelly Graziani, acredita que ainda há muito a ser feito. “Nós percebemos que ainda precisamos avançar muito com as políticas de inclusão, principalmente para as pessoas que estão vivenciando alguma experiência de não-pertencimento. Então, é necessário ter essa garantia de direitos acompanhada por relações que sejam mais apoiadoras e que valorizem as diferenças”, afirma a presidente da comissão assessora.
Para isso, Kelly defende um processo de educação continuada que possibilite o alcance da informação sobre a formação de um ambiente que acolha as diferenças. “Precisamos fortalecer algumas ações de letramento, para que [as pessoas que ingressem na universidade] tenham contato com cursos e experiências. Assim, tendo mais pessoas envolvidas e engajadas, teremos condição de chegar mais longe”, afirma.
Além disso, Kelly destaca a necessidade de fazer um levantamento do corpo docente e discente no campus, buscando compreender suas necessidades. “É importante que essa busca de informações esteja de alguma forma alinhada com possibilidades, para que essas pessoas se sintam mais motivadas a apresentarem suas demandas”, conta.
Coletivos
Coletivo Diogo Silva
O grupo surgiu em 2020, pela necessidade de propiciar o fortalecimento de alunos pretos na EEFERP, além de desenvolver um arcabouço teórico, de pesquisa e de extensão para pensar a corporeidade africana e afro-diaspórica. O nome do coletivo remete ao atleta e rapper Diogo Silva, lembrado por ter sido o primeiro medalhista de ouro brasileiro nos Jogos Pan-americanos Rio 2007, em Taekwondo, mas também por seu histórico de luta antirracista dentro e fora do tatame.
Mais informações: @coletivo.diogo.silva_eeferp
LASNEGRA
A Liga Acadêmica de Saúde da População Negra (Lasnegra) busca produzir e disseminar conhecimentos e cuidados com a população negra, para sensibilizar o público acerca do racismo como determinante social. Além disso, o Lasnegra incentiva o empoderamento de pessoas negras por meio da história africana e de seus impactos na construção da sociedade brasileira.
Mais informações: @lasnegra_
Coletivo CorAção
O Coletivo busca promover um espaço de debate, inclusão e acolhimento dentro da realidade universitária, principalmente no combate à LGBTfobia. Para isso, os integrantes trazem temas atuais da sociedade para gerar reflexão e ação.
Mais informações: @coletivo.coracao
Coletivo Capitu
Coletivo Feminista Capitu é um grupo composto por alunas da FDRP, cujo intuito é o debate e enfrentamento da misoginia presente no ambiente universitário. As atividades do coletivo adotam uma abordagem do feminismo interseccional, idealizado por Angela Davis. Os debates pretendem enriquecer a compreensão da luta feminista de um modo leve, mas sempre fugindo da superficialidade, embasando os conteúdos em pesquisas e dados científicos.
Mais informações: @coletivocapitufdrp
Empower
Desde 2020, o coletivo busca discutir temas relacionados ao feminismo e empoderamento de mulheres, desde sua participação no esporte até a política. O grupo realiza reuniões com repúblicas masculinas e promove eventos abertos à comunidade USP, a fim de auxiliar na criação de ambientes mais seguros para mulheres na faculdade.
Mais informações: @empower.iteam
Chama as Mina
Trata-se de uma comissão de acolhimento da atlética da FEARP, em que as participantes ajudam a promover ambientes de convivência livres de abusos, assédios, violências físicas e verbais, racismo, LGBTfobia e demais tipos de violências discriminatórias.
Mais informações: @chamaasmina.fearp
Ennergia
O Núcleo de Empreendedores da FEARP, grupo composto por alunos de graduação, sem fins lucrativos, tem como objetivo levar o conhecimento sobre empreendedorismo para presídios, Fundação CASA e adolescentes em escolas públicas.
Mais informações: lucas.henrique@usp.br / mariajuliacantarelli@gmail.com
Coletivo Philomena
Trata-se de um coletivo que busca discutir direitos e questões LGBTQIA+, por meio de eventos, simpósios e episódios do podcast Philomenacast, além de disponibilizar formulários de denúncia para casos de violência a esse público.
Mais informações: @coletivophilomena
Liga Acadêmica de Gênero, Saúde e Sexualidade
A Liga Acadêmica de Gênero, Saúde e Sexualidade (LAGSSex) é uma entidade vinculada ao Centro Acadêmico Rocha Lima (CARL/FMRP-USP), que busca manifestar a causa LGBTQIAP+ com atividades de estudo, ensino, pesquisa e extensão no campo de gênero e sexualidade em saúde. Entre seus princípios, está a promoção da educação em saúde que valorize determinantes sociais; o ensino de formas respeitosas e humanas; e a orientação de futuros profissionais da saúde sobre o atendimento à população LGBTQIAP+.
Mais informações: @lagssex.fmrp
Coletiva Intertransvestigênere Xica Manicongo da USP
Coletivo formado por estudantes do campus USP de Ribeirão Preto, que atua a favor da visibilidade LGBTQIAP+.
Mais informações: @itgmanicongo
Coletivo Acalma
Trata-se de um coletivo atuante em eventos de Ribeirão Preto e região, que cuida de saúde mental e discute substâncias ilícitas desde 2018. O coletivo busca discutir a relação do indivíduo com a substância psicoativa, contra a alienação.
Mais informações: @coletivoacalma
Coletivo Negro USP-RP
Trata-se de um coletivo que discute a ampliação de direitos de pessoas negras, buscando espaço e pertencimento, por meio de mesas de debate, seminários e batalhas de hip hop.
Mais informações: @cnegrousprp
* Estagiária sob supervisão de Tabita Said
** Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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